Terça-feira, 10 de junho de 2025
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Há 90 anos, em 7 de outubro de 1934, comunistas, anarquistas e outros militantes da esquerda se uniam para impedir a realização do comício da Ação Integralista Brasileira em São Paulo. O evento pretendia ser uma demonstração de força da extrema-direita, a exemplo da marcha dos “camisas negras” sobre Roma, mas foi confrontado e debelado durante a “Batalha da Praça da Sé”. A ação resultou na debandada dos integralistas, jocosamente apelidada de Revoada das Galinhas Verdes, e se tornou um marco histórico da luta antifascista.

No Brasil, a década de 1930 foi marcada pela forte agitação social, mudanças bruscas no cenário político e radicalização da sociedade. A Crise de 1929, instaurada após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, pôs em xeque o ideário liberal que predominara durante a República Velha, gerando a necessidade de um novo arranjo político que superasse os pactos oligárquicos da “política do café com leite”.

Alçado à presidência pelo movimento armado de 1930, Getúlio Vargas instituiu um governo centralizado e autoritário e privilegiou as iniciativas de modernização da estrutura produtiva. As concessões parciais às reivindicações trabalhistas realizadas após a “Revolução de 1930”, entretanto, não bastaram para mitigar os conflitos de classe ou a radicalização do movimento operário. As ideias anarquistas, socialistas e comunistas estavam em franca expansão entre os trabalhadores e as organizações radicais proletárias tinham crescente capilaridade.

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Reagindo à expansão da esquerda radical, a burguesia buscou insuflar os movimentos de cariz fascista, apresentados como tábua de salvação para a crise do liberalismo. Em 1932, Plínio Salgado fundou a Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento político de extrema-direita, ultranacionalista, tradicionalista e conservador, inspirado no fascismo italiano.

Financiado por banqueiros, industriais e outros setores da elite brasileira, o integralismo expandiu-se rapidamente, conquistando grande apoio dos setores médios, atraídos pelo discurso simplista, chauvinista e pelo forte apelo ao moralismo cristão. No ápice, o movimento chegou a agregar mais de um milhão de filiados, tornando-se uma ameaça concreta. Os integralistas seguiam o mesmo modus operandi das organizações fascistas europeias, com a criação de milícias armadas e uma estratégia de infiltração nas instituições.

Vislumbrando o risco representado pelo fortalecimento do integralismo, as organizações de esquerda do Brasil articularam a criação das frentes antifascistas. Em 1933, o Partido Comunista do Brasil (PCB) fundou o Comitê Antiguerreiro — seção local do Comitê Mundial Contra a Guerra e o Fascismo, criado pela Internacional Comunista para se contrapor à crescente influência dos regimes nazifascistas europeus. No mesmo ano, a Federação Operária de São Paulo (FOSP), agremiação de inspiração anarquista, criou o Comitê Antifascista. Por fim, os militantes trotskistas agrupados na Liga Comunista (LC) se uniram aos correligionários do Partido Socialista Brasileiro (PSB) para fundar a Frente Única Antifascista (FUA).

Os enfrentamentos entre as milícias integralistas e os grupos antifascistas começaram a ocorrer ainda em 1933 e se espalharam pelo Brasil. Em São Paulo, integralistas tentaram tumultuar uma conferência antifascista organizada pelo Centro de Cultura Social (CCS), mas foram expulsos pelos trabalhadores. Pouco tempo depois, ao tomar conhecimento de uma marcha organizada pela AIB na capital paulista, a FUA convocou uma contramanifestação que contou com adesão do Comitê Antiguerreiro, forçando os integralistas a cancelaram o ato.

Em 1934, a AIB empreendeu uma série de desfiles integralistas em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador. Os antifascistas responderam organizando o I Congresso Nacional Contra a Guerra Imperialista, a Reação e o Fascismo, sediado no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, e convocando uma grande passeata, brutalmente reprimida pelas forças policiais. Outro conflito violento ocorreria em Bauru, no interior paulista, quando uma palestra doutrinária da AIB foi confrontada por sindicalistas.

O principal embate entre os grupos, entretanto, ocorreria no centro de São Paulo no dia 7 de outubro de 1934. A data assinalava o aniversário de dois anos do Manifesto Integralista, marco da fundação da AIB. Para celebrar o evento, os integralistas pretendiam sediar um grande comício na Praça da Sé, com a participação de filiados de todo o Brasil.

Assim que tomaram conhecimento sobre os preparativos do comício, grupos antifascistas de São Paulo começaram a organizar uma contramanifestação. Embora não houvesse uma direção centralizada, todas as organizações de esquerda da capital paulista mobilizaram suas bases. A primeira assembleia sobre a contramanifestação foi organizada pelo Sindicato dos Empregados do Comércio, seguindo-se as convocatórias da FOSP, PCB, PSB e LC.

No dia do comício, milhares de integralistas, trajando suas características camisas verdes, começaram a se agrupar na Praça da Sé. Muitos vieram do interior do estado ou com caravanas de outras partes do Brasil. Para evitar conflitos, policiais lacraram as portas dos sindicatos e deixaram soldados vigiando o portão do Palacete Santa Helena, onde se situavam várias agremiações operárias.

Wikimedia Commons/Jornal do Povo
Manchete no periódico Jornal do Povo acerca da Revoada das Galinhas Verdes

Gradualmente, os militantes antifascistas começaram a chegar ao local e a ocupar as laterais da praça. Vários nomes relevantes da esquerda brasileira estiveram presentes na ação — Fúlvio Abramo, Mário Pedrosa, João Cabanas, Joaquim Câmara Ferreira, Hermínio Sacchetta, Eneida de Moraes, Edgard Leuenroth, Pedro Catalo, Noé Gertel, Oreste Ristori e Roberto Sisson, entre muitos outros.

Quando os integralistas começaram a entoar o hino da organização e a vocalizar seus “anauês”, os militantes da esquerda responderam com gritos de “morte ao integralismo” e “fora, galinhas verdes” — o apelido dado pela esquerda aos membros da AIB. Iniciou-se um tumulto, com trocas de socos, pontapés e empurrões, mas a polícia interveio antes que o enfrentamento se expandisse. Pouco tempo depois, um grande contingente de integralistas contornou o Largo João Mendes, na parte posterior da Catedral da Sé, e se dirigiu até o local onde estavam concentrados os militantes antifascistas. De repente, tiros de metralhadora foram disparados contra a multidão, matando um guarda civil, ferindo várias pessoas e causando pânico.

Em meio à confusão, Fúlvio Abramo e um grupo de antifascistas ocuparam o pedestal do edifício A Equitativa e gritaram palavras de ordem. Os integralistas atiraram contra o grupo, ferindo Mário Pedrosa e matando o jovem comunista Décio de Oliveira com um tiro na nuca. Enfurecidos, os militantes antifascistas partiram para cima dos integralistas, iniciando uma violenta batalha campal, que se desenrolou em meio a tiroteios e ataques com granadas. Embora os policiais tenham se unido aos integralistas para reprimir os manifestantes da esquerda, alguns soldados se juntaram aos antifascistas após notarem que o respeitado líder tenentista João Cabanas estava lutando contra os membros da AIB.

Na batalha, os antifascistas levaram vantagem. Quando acabaram as munições, os integralistas foram cercados, apanharam e não tiveram outra saída além de fugir. Alguns tiravam as camisas verdes para que não fossem reconhecidos, deixando-as abandonadas pelo chão da Praça da Sé. O jornal “A Plebe“, de maneira sarcástica, narrou o episódio: “Grupos de ‘camisas verdes’ desciam as ladeiras Porto Geral, Ouvidor, Rua Líbero, procuravam refúgio atrás dos automóveis e nas casas. Muitos foram os que arrancaram a camisa e ficaram em camiseta de esporte, vendo-se, ao cair da tarde, e à noite, magotes de rapazinhos cheios de medo, que vieram do interior pensando que vinham para uma festa”.

O conflito terminou com dezenas de feridos e sete mortos — três integralistas, dois policiais, um guarda civil e um estudante comunista. O líder da AIB, Plínio Salgado, recebeu a notícia da debandada dos camisas verdes antes mesmo que pudesse deixar a sede da organização. Apesar da repressão governamental que se seguiu à batalha, incluindo a invasão da sede da FOSP, as organizações de esquerda saíram fortalecidas pela repercussão positiva da ação, que se tornou um símbolo da resistência ao fascismo no Brasil. Para a AIB, a derrota foi desmoralizante e refreou o ritmo de sua expansão.

No imaginário popular, a batalha ganhou o epíteto de “Revoada das Galinhas Verdes”. Editado pelo humorista Barão de Itararé, o Jornal do Povo estampou em sua primeira página uma manchete cáustica que ficaria famosa: “Um integralista não corre: voa”.