Há 96 anos, em 6 de dezembro de 1928, o Exército colombiano protagonizava uma das mais sangrentas chacinas de trabalhadores da história contemporânea — o Massacre das Bananeiras.
Cedendo à pressão do governo dos Estados Unidos, os soldados abriram fogo contra trabalhadores grevistas da United Fruit Company.
A matança ocorreu na cidade de Aracataca, no departamento de Magdalena, e ceifou mais de 2.000 vidas.
Multinacional de banana
Entre o fim do século 19 e início do 20, a Colômbia se tornou um dos maiores produtores de bananas do mundo. A produção em larga escala, concentrada na região nordeste do país, era monopólio da multinacional norte-americana United Fruit Company (UFC).
A empresa respondia por 80% do comércio internacional de bananas e detinha mais de 1,3 milhão de hectares de terra espalhados pelos países da América Central e do Caribe.
A UFC também controlava parte substancial da rede ferroviária, dos portos e dos sistemas de comunicação da região. Tão grandioso era o poderio da United Fruit Company que o governo dos Estados Unidos incorporou os interesses da empresa aos objetivos estratégicos de sua política externa.
O país chegou a conduzir uma série de ocupações e intervenções militares na América Central para proteger os lucros da companhia, durante as chamadas “Guerras das Bananas”.
Trabalho precarizado
Visando maximizar seus ganhos, a United Fruit Company instituiu uma política agressiva de precarização do trabalho. Ao invés de contratar diretamente os trabalhadores, a empresa utilizava empreiteiros colombianos para arregimentar mão de obra.
Dessa forma, conseguia burlar a legislação trabalhista e se manter desobrigada em relação às denúncias de más condições de trabalho em suas plantações.
Os trabalhadores eram mantidos em acampamentos insalubres e superlotados, sem ventilação, água corrente ou banheiros, resultando na proliferação de doenças.
Por sua vez, os empreiteiros criaram um sistema de vouchers que resultava em descontos de até 30% nos salários dos funcionários. Também costumavam romper os acordos de trabalho quando metade da meta de hectares era atingida, pagando apenas 40% do acordado.
Muitos trabalhadores levavam calote e não tinham a quem recorrer. Outros se endividavam para pagar sua manutenção nos acampamentos e acabavam sendo forçados a trabalhar em regime de servidão.
Os trabalhadores bananeiros não eram os únicos prejudicados. O monopólio da United Fruit Company afetava negativamente os pequenos agricultores da região, que se tornavam cada vez mais dependentes da empresa para obter crédito e insumos.
Sem conseguir competir com a multinacional e prejudicados pela crescente especulação fundiária, os produtores autônomos perdiam suas terras e eram forçados cada vez mais à proletarização.
Os comerciantes também estavam insatisfeitos, uma vez que o achatamento dos salários dos trabalhadores afetou negativamente suas vendas — que já vinham declinando desde que a United Fruit Company decidira abrir seus próprios armazéns com mercadorias importadas nos acampamentos.
Por fim, os moradores da região sofriam com o aumento da violência e dos conflitos sociais, decorrentes do crescimento da grilagem e da disputa de terra por posseiros, agravando o clima de insatisfação.
Trabalhadores organizados contra a UFC
O descontentamento levou os trabalhadores a se organizarem politicamente para reivindicar salários dignos e melhores condições de trabalho.
Em 1918, ferroviários e estivadores realizaram a primeira greve na região. Outras paralisações ocorreriam ao longo da década de 1920, com a participação cada vez maior de organizações sindicais e associações operárias.
O Sindicato Geral dos Trabalhadores da Sociedad Unión e a União Sindical de Trabalhadores de Magdalena tiveram participação ativa.
No ano de 1927, um desastre natural serviria de catalisador à agitação social. Um furacão arrasou as plantações de banana da região, causando enormes prejuízos à população.
Os pequenos produtores pediram empréstimos à United Fruit Company para reconstruir suas propriedades, mas foram ignorados.
O governo colombiano, então sob gestão do conservador Miguel Mendéz, também negligenciou os trabalhadores afetados, oferecendo auxílio apenas às corporações e latifundiários.
Enfurecidos com o descaso, os agricultores passaram a exigir a nacionalização das ferrovias da United Fruit Company.
Inácio Torres Giraldo, María Cano, Raúl Eduardo Mahecha, Alberto Castrillón e outros representantes do Partido Socialista Revolucionário (embrião do futuro Partido Comunista Colombiano) passaram a visitar a região e a ajudar na articulação política, envolvendo organizações sindicais, camponeses e trabalhadores das plantações.
Em outubro de 1928, durante uma reunião sediada em Ciénaga, os trabalhadores aprovaram uma declaração contendo uma lista de reivindicações, encaminhada à United Fruit Company.
Exigiam limitação da jornada de trabalho a oito horas diárias, folgas semanais remuneradas, reconhecimento dos vínculos empregatícios, reajuste de 50% do salário, abolição do sistema de vouchers, instalações higiênicas e indenização por acidentes de trabalho.
Greve dos trabalhadores
Alegando não ter responsabilidade pelas demandas dos trabalhadores terceirizados, a United Fruit Company se negou a negociar.
Assim, no mês seguinte, mais de 25 mil trabalhadores cruzaram os braços, paralisando totalmente a produção.
A paralisação recebeu apoio do Partido Socialista Revolucionário, que disponibilizou a gráfica para que os grevistas produzissem seus jornais. Os trabalhadores articularam uma rede de apoio mútuo, visando garantir alimentação para as famílias dos grevistas.
Membros da ala esquerda do Partido Liberal Colombiano também apoiaram a greve, bem como alguns periódicos liberais, nomeadamente o Diario de Córdoba — editado por Julio Charris.
Nas semanas seguintes, os grevistas realizaram uma série de protestos e piquetes, brutalmente reprimidos pela polícia colombiana.
Incapaz de intimidar os grevistas, a United Fruit Company resolveu apelar para a intervenção do governo federal. Em 12 de novembro, o gerente da empresa, Thomas Bradshaw, enviou um telegrama ao presidente colombiano exigindo providências para encerrar o “motim”.
O governo respondeu enviando três batalhões do Exército para a região. Centenas de grevistas foram presos e os piquetes foram violentamente desfeitos.
No entanto, os trabalhadores continuaram se recusando a voltar ao trabalho. Para neutralizar a ação dos “fura-greves”, os trabalhadores começaram a destruir as colheitas e a bloquear as linhas ferroviárias.
O movimento ganhou apoio crescente dos agricultores e pequenos comerciantes da região, alarmando a United Fruit Company. A empresa acionou então a Casa Branca, descrevendo a greve dos trabalhadores como uma “perigosa conspiração comunista”, inspirada por indivíduos com “tendências subversivas”.
Massacre das Bananeiras
O governo dos Estados Unidos reagiu de imediato, pressionando o presidente colombiano, Miguel Mendéz, a encerrar a greve a qualquer custo — chegando a ameaçar uma invasão da marinha na Colômbia caso os interesses da United Fruit Company não fossem protegidos.
Após o decreto de lei marcial na província, Mendéz autorizou o general Carlos Cortés Vargas a conduzir a investida militar contra os grevistas.
O massacre foi autorizado e supervisionado diretamente por Frank Billings Kellogg, Secretário do Departamento de Estado dos Estados Unidos, que, ironicamente, ganharia o Prêmio Nobel da Paz no ano seguinte.
No dia 6 de dezembro de 1928, logo após a missa de domingo, milhares de trabalhadores se concentraram na praça central da cidade de Aracataca para aguardar um pronunciamento do governador sobre a greve.
Enquanto aguardavam, as tropas do Exército fecharam as ruas de acesso à praça e ordenaram à população que evacuasse o local.
Os populares, entretanto, se recusaram a sair. Após cinco minutos, os militares abriram fogo contra os trabalhadores e suas famílias, alvejados por metralhadoras instaladas nos telhados da praça.
Em relatório oficial, o general Vargas contabilizou 47 mortes, mas a cifra foi desmentida pela própria embaixada dos Estados Unidos, que relatou em telegrama ao secretário Kellogg que “o número de grevistas mortos pelos militares colombianos ultrapassou mil”.
Estima-se que mais de duas mil pessoas foram fuziladas na praça, incluindo um grande número de crianças.
A repressão aos trabalhadores, entretanto, prosseguiu nas semanas seguintes, elevando a cifra de mortos para três mil pessoas.
Embora relativizado pela imprensa conservadora, o massacre causou consternação nos trabalhadores colombianos e teve um impacto extremamente negativo na imagem do Partido Conservador.
Após um domínio político de mais de 50 anos, os conservadores foram derrotados no pleito de 1930, quando teve início um interregno de hegemonia liberal, marcado pela legalização dos sindicatos e avanço dos direitos trabalhistas.
Jorge Eliécer Gaitán, deputado pelo Partido Liberal, ganhou enorme popularidade ao denunciar o massacre perpetrado pelos conservadores contra o povo colombiano para proteger os interesses de uma empresa estrangeira.
Candidato favorito à Presidência da República, Gaitán foi assassinado em 1948. Sua morte deu origem a uma onda de revoltas populares intitulada “Bogotazo”, seguida por um período de graves conflitos civis e forte repressão estatal denominado “La Violencia”.
Esse processo, por sua vez, desencadearia na radicalização da esquerda colombiana e na fundação dos grupos guerrilheiros surgidos nos anos 60, tais como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), o Exército Popular de Libertação (EPL) e o Movimento 19 de Abril (M-19).
O Massacre das Bananeiras foi retratado pelo escritor colombiano Gabriel García Márquez no romance Cem Anos de Solidão, como um dos vários flagelos que se abatem sobre a cidade fictícia de Macondo — uma alegoria da América Latina subjugada pela exploração capitalista e pelo imperialismo.