Os transeuntes que passam pela Praça Juarez Antunes em Volta redonda, se deparam com um curioso monumento: um bloco de concreto com as efígies de três homens — a do meio danificada, encimando uma coluna destruída em um atentado a bomba. Trata-se do Memorial 9 de Novembro, um monumento projetado por Oscar Niemeyer em homenagem aos três trabalhadores mortos pelo exército brasileiro durante a greve dos operários da CSN, ocorrida há 36 anos, em novembro de 1988.
No Brasil, a década de 1980 foi marcada por uma grave crise inflacionária, que empobreceu a classe trabalhadora e jogou milhões de famílias na miséria. Durante o governo de José Sarney, foram formulados vários planos econômicos visando conter a alta da inflação. Os projetos previam aplicação de medidas de austeridade fiscal, corte de investimentos públicos, demissão de servidores e arrocho salarial. Os planos, entretanto, não surtiram os efeitos esperados e causaram uma retração ainda maior do poder de compra dos trabalhadores.
Em Volta Redonda, estado do Rio de Janeiro, os trabalhadores da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) reagiram à gestão desastrosa da economia organizando uma greve. A paralisação foi acordada em assembleia do Sindicato dos Metalúrgicos, conduzida em 4 de novembro de 1988. Os operários reivindicavam a redução da carga horária para 40 horas semanais, reposição das perdas salariais, estabilidade e reintegração dos metalúrgicos que haviam sido demitidos por possuírem vínculos sindicais. A paralisação contou com o apoio de várias categorias e segmentos da sociedade descontentes com o governo Sarney, incluindo setores progressistas da Igreja Católica, liderados por dom Waldyr Calheiros — que recebera dos militares a alcunha de “Bispo Vermelho”.
Contando com ampla adesão dos operários, o Sindicato dos Metalúrgicos coordenou um movimento de ocupação da empresa, forçando a paralisação completa da produção. A polícia militar do Rio de Janeiro entrou em confronto com os grevistas em 7 de novembro, mas não conseguiu impedir que os trabalhadores tomassem o controle das instalações. A diretoria da CSN solicitou na justiça a reintegração de posse e pressionou os governos federal e estadual por uma intervenção enérgica para debelar a ocupação.
Dois dias depois, em 9 de novembro de 1988, soldados do exército brasileiro e do batalhão de choque da polícia militar invadiram a empresa e reprimiram brutalmente os grevistas. No tumulto, três operários foram assassinados — Carlos Augusto Barroso (vitimado por um traumatismo craniano causado por uma coronhada), Walmir Freitas Monteiro e William Fernandes Leite (alvejados a tiros). Mais de cem trabalhadores ficaram feridos e dezenas precisaram de atendimento médico.
Apesar da brutalidade, os grevistas não cederam, mantendo o estado de greve e retomando a ocupação das instalações da CSN. Os populares de Volta Redonda deram seu apoio aos grevistas e organizaram manifestações cercando as instalações da CSN, visando impedir a entrada das forças policiais. Sob pressão popular e com a produção paralisada, a CSN aceitou negociar. Os grevistas conseguiram concretizar a maioria das suas reivindicações e encerraram a paralisação.
A Greve dos Operários de 1988 fomentou o avanço eleitoral da esquerda nas eleições municipais, impulsionando as candidaturas de líderes do movimento sindical e do Partido dos Trabalhadores (PT). Luiza Erundina venceu em São Paulo, Jacó Bittar em Campinas, Olívio Dutra em Porto Alegre e Chico Ferramenta em Ipatinga. Juarez Antunes, líder da greve dos metalúrgicos, foi eleito prefeito de Volta Redonda. Apenas dois meses após sua posse, Juarez faleceu em um misterioso acidente de carro, que foi classificado como um atentado por dom Waldyr Calheiros e que permanece sob suspeita até hoje.
Para homenagear os três operários mortos durante a greve, o arquiteto Oscar Niemeyer projetou um monumento, erguido em frente às instalações da CSN. Batizado de Memorial 9 de Novembro, o monumento consistia em um bloco de concreto curvo com três corpos em baixo relevo, erguendo-se sobre um espelho d’água. O bloco era transpassado por uma viga de concreto, de onde fluía uma mancha vermelha, remetendo à violência dos militares e ao derramamento de sangue.
Na base do monumento, estava gravada a inscrição: “A William, Valmir e Barroso, nossos companheiros assassinados na greve de novembro de 1988”. O monumento foi inaugurado em 1º de maio de 1989, Dia do Trabalhador. O evento de inauguração foi prestigiado por milhares de pessoas e conduzido pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), que definiu Volta Redonda como epicentro das mobilizações sindicais nacionais. Diversas figuras de destaque do sindicalismo estiveram presentes na inauguração, incluindo o presidente da CUT, Jair Meneguelli, e o líder comunista Luiz Carlos Prestes.
Para complementar a obra, Niemeyer havia solicitado a confecção de uma placa com os dizeres “Um monumento àqueles que lutam pela Justiça e pela Igualdade”. Não houve tempo hábil para que a placa fosse afixada. No dia seguinte à inauguração, às três da madrugada, o monumento foi destruído em um atentado a bomba. A base de concreto foi destroçada por três explosivos. O impacto foi tão forte que causou estragos até mesmo no Escritório Central da CSN e nas construções próximas do local.
O atentado foi atribuído aos soldados do Batalhão das Forças Especiais do Exército Brasileiro. Em março de 1999, o ex-capitão Delton de Melo Franco afirmou em uma entrevista ao Jornal do Brasil que havia recebido do general Álvaro de Souza Pinheiro a incumbência de coordenar o ataque. O Exército considerava o monumento como uma afronta aos militares e uma tentativa de “criar mártires do movimento sindical”. No entanto, ninguém nunca foi punido. A única testemunha da explosão, o soldado Charles Fabiano da Silva, então com 19 anos, foi assassinado poucos dias após ser convocado para depor em uma investigação sobre o caso.
Após o atentado, o Sindicato dos Metalúrgicos consultou Oscar Niemeyer a respeito da reconstrução do memorial. O arquiteto, entretanto, se negou a apoiar a restauração integral do monumento, insistindo em deixá-lo fragmentado e com as evidências do atentado como registro histórico. “O monumento aos mortos na greve de 88 ficará na memória do povo brasileiro como prova do que a ignorância e o reacionarismo são capazes”, afirmou.
Temendo incomodar os militares, as construtoras de Volta Redonda também se recusaram a executar as obras de restauração do memorial. Assim, o Sindicato dos Metalúrgicos assumiu a empreitada com operários voluntários. Uma nova inscrição de autoria de Niemeyer foi adicionada à obra: “Nada, nem a bomba que destruiu este monumento, poderá deter os que lutam pela liberdade e justiça social.”