Há 49 anos, em 14 de novembro de 1975, os representantes da Espanha, Marrocos e Mauritânia firmavam o Acordo Tripartite de Madri. O documento previa que a administração do Saara Ocidental seria entregue ao Marrocos e à Mauritânia, ignorando o direito à autodeterminação dos habitantes do território — o povo saarauí, que há décadas lutava pela independência.
Desde o fim do século XVIII, a Espanha mantinha enclaves na região do Saara Ocidental, utilizados como portos para o tráfico de escravos, entrepostos comerciais e plataformas para a prática da pesca comercial. Em 1884, após a Conferência de Berlim e a subsequente Partilha da África, a Espanha consolidou o domínio colonial sobre o Saara Ocidental, transformado em protetorado e posteriormente em uma província.
No período pós-Segunda Guerra Mundial, multiplicaram-se pela África os movimentos anticoloniais e independentistas. Em 1957, rebeldes marroquinos e saarauís (habitantes autóctones do Saara Ocidental) se uniram para conduzir uma série de incursões armadas contra os colonizadores europeus durante a chamada Guerra de Ifni, mas foram subjugados no ano seguinte pelas Forças Armadas da França e da Espanha. Novos movimentos autonomistas seriam fundados nos anos 60 (Movimento Nacional de Libertação Saarauí) e no início dos anos 70 (Movimento Embrionário pela Libertação de Saguia el-Hamra).
Em 10 de maio de 1973, foi fundada a Frente Polisário (abreviatura de Frente Popular para a Libertação de Saguia el-Hamra e Río de Oro), movimento revolucionário composto por nômades saarauís e estudantes marroquinos, muitos dos quais egressos das organizações autonomistas precedentes. A organização era fortemente influenciada pelas ideias socialistas, mas também congregava nacionalistas e sociais-democratas. Seu primeiro secretário-geral foi El-Ouali Mustapha Sayed, que conduziu as primeiras ações armadas do movimento, atacando postos militares espanhóis em El-Khanga. O sucesso das missões iniciais atraiu apoio dos guerrilheiros nômades, ampliando os quadros da Frente Polisário e lhe dando controle sobre grandes áreas de deserto do Saara Ocidental.
Pressionada pelos movimentos independentistas e pelo apoio internacional à onda de descolonização da África, a Espanha concordou em encerrar o domínio colonial sobre o Saara Ocidental, sem ceder, entretanto, à reivindicação da Frente Polisário sobre a autodeterminação do território. Ao invés de entregar o governo do Saara Ocidental ao povo saarauí, os espanhóis decidiram dividir a ex-colônia entre as nações vizinhas de Marrocos e Mauritânia, com as quais firmou o Acordo Tripartite de Madri.
Três meses após a assinatura do acordo, o Marrocos anexou a parte setentrional do Saara Ocidental e a Mauritânia assumiu o controle das terras ao sul, renomeadas como Tiris al-Gharbiyya. A Frente Polisário afirmou não reconhecer a legitimidade do Acordo de Madri e proclamou, em 1976, a República Árabe Saarauí Democrática. O movimento armado seguiu atuando no Saara Ocidental, agora combatendo as tropas marroquinas e mauritanas.
Conforme relatado por Simeon Aké após uma visita de funcionários da ONU, a independência do Saara Ocidental representava um “consenso esmagador” entre os habitantes do território e a Frente Polisário contava com apoio majoritário do povo saarauí. Perseguida pelas Forças Armadas do Marrocos, a Frente Polisário recebeu apoio militar da Argélia e passou a centralizar seu comando militar na cidade argelina de Tindouf.
Em 1979, o governo da Mauritânia, pressionado por uma série de ataques da Frente Polisário contra sua capital, Nouakchott, reconheceu o direito de autodeterminação do povo saarauí e retirou-se do Saara Ocidental. O governo do Marrocos, entretanto, logo anexou unilateralmente os territórios desocupados pelos mauritanos e intensificou o combate contra a Frente Polisário.
Sob a liderança de Mohamed Abdelaziz e com apoio financeiro da Argélia, Líbia e de alguns governos socialistas, a Frente Polisário conseguiu ampliar sua capacidade bélica, constituindo um exército profissional. Nos anos 80, a organização coordenou uma ofensiva bem sucedida, conseguindo expandir consideravelmente os territórios sob seu domínio, mas o Marrocos, apoiado militarmente pelos Estados Unidos, França e Espanha, conseguiu conter o avanço dos guerrilheiros, estabelecendo uma extensa berma de concreto e areia no deserto (o chamado Muro do Saara).
O apoio das potências ocidentais é motivado por interesses econômicos — a autorização para que multinacionais norte-americanas e europeias explorem os ricos depósitos minerais do território do Saara Ocidental sob controle marroquino. Graças aos recursos naturais do Saara Ocidental, o Marrocos se tornou um dos maiores exportadores de fosfato do mundo, remetendo para o exterior mais de 2,2 milhões de toneladas do mineral apenas em 2013.
Em 1988, a Frente Polisário e o Marrocos assinaram um cessar-fogo e iniciaram negociações de paz. As duas partes concordaram em convocar um referendo para que a população saarauí decida pela independência ou pelo reconhecimento do domínio marroquino. O referendo, entretanto, nunca foi realizado, por divergências sobre a extensão do direito de voto — o Marrocos exige que toda a população do Saara Ocidental seja consultada, enquanto a Frente Polisário deseja restringir a consulta aos habitantes contabilizados no censo de 1974, excluindo os marroquinos que emigraram para a região após o Acordo de Madri.
A crise dos países socialistas e a diminuição do auxílio financeiro da Argélia tiveram impactos profundos sobre o os territórios do Saara Ocidental sob domínio dos revolucionários saarauís. Em 1991, cedendo à pressão dos países ocidentais e confirmando a tendência esboçada desde os anos 80, a Frente Polisário promulgou uma nova constituição, adequando-se ao modelo das ditas “democracias liberais”, instituindo a economia de mercado e um sistema político multipartidário.
Em 2007, o Marrocos apresentou à ONU um plano de autonomia para o Saara Ocidental, pelo qual concordava em ceder o direito de autogestão ao povo saarauí, mas manteria sob seu comando a segurança, a política externa e a administração das fronteiras. A Frente Polisário não aceitou os termos do plano e o impasse persiste desde então. A República Árabe Saarauí Democrática já é reconhecida por mais de 80 países do mundo, mas não pela ONU, que continua classificando o Saara Ocidental como um “território não autônomo”.