A última segunda-feira, 11 de novembro, marcou o 137º aniversário da execução dos militantes anarquistas August Spies, Albert Parsons, Adolph Fischer e George Engel. Eles foram condenados à morte por enforcamento por participarem de uma greve de trabalhadores em Chicago. A principal reivindicação da greve era uma pauta que unificou o movimento operário internacional no século XIX: a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias.
A segunda fase da Revolução Industrial afetou profundamente o modo de produção e as relações de trabalho nos países do capitalismo central. A automação substituiu as manufaturas e a produção artesanal, levando à desvalorização da mão de obra e à intensificação da exploração. Salários baixos, ambientes fabris insalubres, trabalho infantil e abusos patronais tornaram-se características do trabalho difundidas pelo mundo. As jornadas extenuantes, entretanto, eram o fator que mais afligia os trabalhadores. Homens, mulheres e crianças eram submetidos a jornadas de 12, 14 e até 16 horas por dia.
As péssimas condições de trabalho provocaram a reação da classe operária, que passou a se organizar politicamente para pressionar por mudanças e pela valorização da mão de obra. Em 1864, líderes sindicais, teóricos e intelectuais ligados à esquerda fundaram em Londres a Associação Internacional dos Trabalhadores (AIT) — a Primeira Internacional. A organização reunia os movimentos operários dos Estados Unidos e da Europa — agregando anarquistas, comunistas e socialistas das mais diversas correntes. Por meio da atuação da Primeira Internacional, reivindicações como o descanso semanal remunerado e a melhoria das condições de trabalho tornaram-se bandeiras defendidas pela classe operária em todo o mundo.
A pauta que mais unificou a luta da classe operária, entretanto, foi a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias. A ideia não era nova. Já em 1817, o teórico socialista Robert Owen havia lançado uma campanha defendendo a adoção da jornada de trabalho de oito horas. Owen argumentava que as jornadas abusivas comprometiam gravemente a saúde física e mental dos trabalhadores, gerando prejuízos consequências negativas até mesmo para o empresariado. Garantir uma melhor qualidade de vida aos trabalhadores teria reflexos positivos na produtividade e na qualidade do trabalho executado. Até mesmo o comércio se beneficiaria, pois os trabalhadores teriam mais tempo livre para consumir. Assim, Owen lançou um slogan propondo dividir as 24 horas do dia em três períodos iguais: 8 horas para o trabalho, 8 horas para o lazer e 8 horas para o descanso.
A proposta de Owen inspirou diversas ações do movimento operário ao longo do século XIX, mas o patronato, interessado apenas na maximização imediata do lucro, seguiu resistindo a modificar a carga horária. Após a fundação da Primeira Internacional, a campanha pela jornada de trabalho de oito horas ganhou força e inflamou a ação da classe operária. Greves e protestos em favor da diminuição da jornada de trabalho se espalharam por todos os países industrializados.
Em 1886, as organizações operárias dos Estados Unidos aprovaram a realização de uma grande greve geral, marcada para o dia 1º de maio. A principal exigência era a adoção da jornada diária de oito horas, sem redução dos salários. Mais de 340 mil trabalhadores de diversas categorias nas principais cidades dos Estados Unidos aderiram à greve, paralisando a produção das fábricas em todo o país. Grandes manifestações foram registradas em cidades como Nova York, Detroit e Milwaukee. A maior mobilização, entretanto, ocorreu em Chicago, então a segunda maior cidade dos Estados Unidos. Estimulados pelas organizações sindicais anarquistas, mais de 40 mil trabalhadores entraram em greve em Chicago e o dobro de pessoas tomou parte nas manifestações de rua.
Os trabalhadores conseguiram vitórias significativas em várias cidades, estabelecendo acordos com os patrões para a redução da jornada de trabalho. Em Chicago, entretanto, onde predominava o forte reacionarismo do patronato, houve grande resistência à mobilização operária. Porta-voz oficioso do empresariado, o jornal Chicago Times publicava, alguns dias antes da greve, que “a prisão e o trabalho forçado são as únicas soluções para a questão social” e que “o melhor alimento para os grevistas será o chumbo”. Com a continuidade dos atos, a imprensa subiu o tom, exigindo das autoridades e das forças de segurança “enérgica repressão” aos grevistas.
Os operários não se intimidaram, mantendo as greves e as manifestações de rua. No terceiro dia de protestos, a polícia de Chicago cedeu às exigências do patronato e da imprensa e passou a reprimir os trabalhadores.
Quando um grupo de grevistas da fábrica McCormick tentou bloquear o acesso de indivíduos contratados pela empresa para furar a greve, policiais armados com rifles e detetives particulares da Agência Pinkerton atiraram contra os manifestantes, matando três trabalhadores.
A repressão policial inflamou os ânimos da classe operária. No dia 4 de maio, uma enorme multidão de trabalhadores compareceu para um protesto na Praça Haymarket. Tentando impedir a realização do ato, a polícia voltou a atacar os manifestantes, mas se deparou com uma vigorosa reação popular — que receberia o nome de Revolta de Haymarket. Os trabalhadores não recuaram, enfrentando os policias com paus e pedras. Em meio ao tumulto, uma bomba caseira explodiu, matando um policial. Iniciou-se uma batalha campal. Sete policiais foram mortos no tumulto e outros 60 ficaram feridos. Em represália, a polícia abriu fogo contra os manifestantes, matando outros quatro trabalhadores e ferindo dezenas.
Após o conflito de 4 de maio na Praça Haymarket, decretou-se estado de sítio e iniciou-se uma dura repressão antissindical. Os sindicatos foram fechados e vários grevistas foram detidos. Organizações anarquistas e socialistas sofreram represálias e as redações de jornais operários foram atacadas e saqueadas. A imprensa norte-americana culpou as lideranças sindicais pelo atentado a bomba, em especial os nomes ligados à redação do jornal “Arbeiter-Zeitung“. Nos processos que se seguiram, oito anarquistas foram acusados de conspiração, sob a alegação de que teriam fabricado a bomba lançada contra os policiais. Cinco deles seriam condenados à morte por enforcamento — August Spies, Albert Parsons, Adolph Fischer, George Engel e Louis Lingg — mesmo não existindo qualquer prova contra eles. Nenhum dos jurados pertencia à classe operária.
Durante o julgamento, os réus alegaram inocência e defenderam suas convicções políticas. “Anarquismo não significa derramamento de sangue, não significa roubo, incêndio criminoso, nada disso. Essas monstruosidades são, ao contrário, traços característicos do capitalismo. Anarquismo, ou socialismo, significa a reorganização da sociedade sobre princípios científicos e a abolição das causas que produzem o vício e o crime”, afirmou Spies, complementando resignado: “Haverá um dia em que nosso silêncio será mais poderoso do que as vozes que vocês estrangularão hoje”. Fischer, por sua vez, alertou: “Se a classe dominante pensa que nos enforcando, enforcando alguns anarquistas, eles podem acabar com o anarquismo, estão muito enganados, pois o anarquista ama seus princípios mais do que sua própria vida”.
Louis Lingg, cometeu suicídio na prisão dois dias antes do cumprimento da sentença. Os outros quatro foram enforcados no dia 11 de novembro de 1887, na data que ficou conhecida como “Black Friday”. Outros dois réus foram condenados à prisão perpétua e um terceiro a 15 anos de prisão. O funeral dos quatro operários executados pela justiça de Chicago causou grande comoção entre os trabalhadores norte-americanos e foi acompanhado por milhares de pessoas.
Em 1893, os réus sobreviventes tiveram seus julgamentos anulados e foram libertados com o auxílio do governador de Illinois, John Peter Altgeld, que alegou ter sido o chefe da polícia de Chicago o responsável por organizar o atentado a bomba, de modo a obter uma justificativa para reprimir os grevistas. Em homenagem aos cinco mártires da Revolta de Haymarket, a Segunda Internacional aprovou em 1891, durante o Congresso de Bruxelas, a criação do Dia do Trabalhador, celebrado no dia 1º de maio, como uma data de afirmação da luta de classes e de reivindicação das demandas da classe operária em todo o mundo.
A luta pela adoção da jornada de trabalho de oito horas seguiu ocorrendo até meados do século XX. Trabalhadores de algumas categorias conseguiram vitórias isoladas ao longo desse período, mas o patronato seguiu resistindo a adotar a jornada de oito horas como um direito universal. O primeiro país a adotar a jornada universal de oito horas, para todos os trabalhadores, de todas as categorias, seria a Rússia, logo após a vitória dos comunistas na Revolução de Outubro de 1917. No Brasil, a jornada de oito horas somente foi instituída em 1932, por um decreto de Getúlio Vargas. Nos Estados Unidos, a adoção da jornada de oito horas somente ocorreu em 1940, com a assinatura do Fair Labor Standards Act.