Há 106 anos, em 15 de janeiro de 1919, as vozes dos revolucionários marxistas Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht eram brutalmente silenciadas. Líderes do incipiente movimento comunista alemão, Rosa e Karl foram capturados, torturados e assassinados por grupos paramilitares a serviço do governo social-democrata. A execução foi uma tentativa de esmagar o movimento revolucionário e o Levante Espartaquista — insurreição inspirada na Revolução de Outubro.
Derrotada ao término da Primeira Guerra Mundial, a Alemanha mergulhou em um período de profundas transformações políticas. O imperador Guilherme II foi forçado a abdicar do trono após uma série de sublevações militares, que conduziram à abolição da monarquia. Apoiador da revolta do oficialato, o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) obteve a chefia do governo provisório, entregue ao chanceler Friedrich Ebert, líder da ala moderada.
Frustrando os setores da esquerda que viam na turbulência política em curso a possibilidade de iniciar uma revolução socialista na Alemanha — a exemplo do que os bolcheviques haviam feito na Rússia pouco tempo antes —, Ebert preferiu se aliar aos liberais e à burguesia, obtendo o apoio das oligarquias alemãs após se comprometer com a desmobilização de eventuais tentativas revolucionárias.
A esquerda radical reagiu buscando o apoio das massas a um projeto socialista. À frente desse processo estava a Liga Espartaquista, liderada por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht. A liga consistia em uma antiga tendência revolucionária que havia sido expulsa do SPD em 1917. Posteriormente, os espartaquistas se integraram aos quadros do Partido Social-Democrata Independente (PSDI), mas essa agremiação também foi cooptada pelo governo socialdemocrata de Ebert. Assim, em dezembro de 1918, a Liga Espartaquista ajudou a fundar o Partido Comunista da Alemanha (KPD) e seguiu com o seu plano de insuflar a agitação popular.
Em dezembro de 1918, a esquerda radical se reuniu no Primeiro Congresso Soviético Alemão em Berlim, integrado por delegados indicados pelos recém-criados “Conselhos de Operários e Soldados”. O congresso emitiu nota exigindo o afastamento de Paul von Hindenburg do comando das forças armadas, a dissolução do exército e sua substituição por uma guarda civil.

Líderes revolucionários marxistas Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo
Respaldado pelo oficialato militar, Friedrich Ebert ignorou as reivindicações dos revolucionários. Em 5 de janeiro de 1919, a Divisão Popular da Marinha, unidade militar simpática ao ideário comunista, tomou a sede do jornal Vorwärts, órgão oficial de imprensa do SPD, e ameaçou atacar a sede da chancelaria. Lideranças vinculadas ao Congresso também organizaram uma greve geral em Berlim, que logo obteve a adesão massiva dos servidores públicos, prejudicados por sucessivos atrasos salariais.
Os líderes da greve declararam que tinham por objetivo prioritário a derrubada do governo de Ebert. A declaração, entretanto, não fora aprovada pela cúpula do Partido Comunista, onde predominava a percepção de que o movimento grevista não possuía as condições necessárias para sustentar uma insurreição popular.
Rosa Luxemburgo compartilhava dessa mesma impressão. Ela argumentou que o contexto da Alemanha era muito distinto da Rússia durante a Revolução de Outubro e que, ao contrário dos bolcheviques, os comunistas alemães não possuíam apoio significativo dos militares. Lembrou ainda que os revolucionários alemães não poderiam contar com ajuda do governo da Rússia, sobrecarregada com a guerra civil travada contra o Exército Branco.
Preocupado com a possibilidade de assistir a mais um processo revolucionário na Europa, o governo dos Estados Unidos ofereceu ajuda financeira a Ebert, repassando somas consideráveis de dinheiro a ser utilizado para aplacar o descontentamento popular. Assim, o governo socialdemocrata alemão conseguiu desmobilizar a greve geral, assegurando aos servidores o pagamento dos proventos atrasados.
Apesar das condições desfavoráveis, Karl Liebknecht declarou que a Liga Espartaquista deveria manter o apoio à insurreição, argumentando que um recuo a essa altura afetaria negativamente a imagem dos revolucionários. Rosa Luxemburgo voltou a discordar publicamente dos postulados de Liebknecht, alertando que a insistência no levante teria consequências trágicas. Comprometeu-se, entretanto, a apoiar a insurreição “com todas suas forças” caso os grevistas insistissem na empreitada.
Iniciou-se assim o Levante Espartaquista, liderado por Liebknecht e Luxemburgo, em apoio à insurreição dos grevistas e militares sublevados. Os espartaquistas conclamaram os populares a se juntarem às batalhas campais nas ruas de Berllim e improvisaram a criação de milícias civis. Ebert incumbiu Gustav Noske, Ministro da Defesa Nacional, da tarefa de debelar o levante.
Em 9 de janeiro, o governo alemão iniciou o contra-ataque aos revolucionários, mobilizando tropas do exército regular e os Freikorps (grupos paramilitares). Sem respaldo significativo da base militar e subjugados pela superioridade bélica dos legalistas, os trabalhadores rebelados foram brutalmente reprimidos durante a chamada “Semana Sangrenta”. Em poucos dias, cerca de 200 revolucionários foram mortos e a revolta estava completamente esmagada.
Em 15 de janeiro de 1919, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht foram presos e levados para Hotel Eden, em Berlim, onde foram barbaramente torturados. O capitão Waldemar Pabst ordenou em seguida que fossem eliminados. Rosa Luxemburgo foi derrubada com uma coronhada de espingardada e executada com um tiro na cabeça. Seu corpo foi posteriormente lançado no Canal Landwehr. Karl Liebknecht foi baleado pelas costas e entregue sem identificação a um necrotério.
O assassinato dos líderes espartaquistas enfraqueceu significativamente a esquerda radical e facilitou a consolidação da República de Weimar — um regime frágil e instável, que testemunharia em completa inércia o fortalecimento da extrema-direita, o recrudescimento da violência política e, no limiar, a ascensão do nazismo. Assinalou também a subserviência da social-democracia europeia aos interesses burgueses, que seria reiteradamente confirmada por uma série de traições ao longo do século XX. Uma investigação realizada em 1999 pelo governo alemão confirmou que os paramilitares haviam sido instruídos e pagos pelo governo socialdemocrata para assassinar os dois revolucionários.