Antes do início da Segunda Guerra Mundial, nenhum tratado pareceria tão improvável quanto o Acordo Anglo-Soviético de 1941 — o tratado de assistência recíproca assinado há 83 anos, em 12 de julho de 1941, oficializando a aliança militar entre União Soviética e Reino Unido contra a Alemanha nazista.
Desde a ascensão de Adolf Hitler ao poder em 1933, a Alemanha nazista contava com o apoio e a admiração das potências ocidentais, que enxergavam o regime como uma ferramenta de contenção da esquerda radical, cuja expansão havia sido potencializada pela crise econômica instaurada após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929.
Em amplos setores da burguesia norte-americana e britânica, a torcida por Hitler era incondicional. Majoritariamente filonazista, a elite britânica não apenas ajudou a financiar e consolidar o Terceiro Reich, como agiu para garantir a condescendência diplomática ao desrespeito sistemático de Hitler às cláusulas do Tratado de Versalhes.
Até mesmo o primeiro-ministro britânico Winston Churchill, heroicizado pela indústria cultural do Ocidente como um bastião da luta antinazista, tinha mais semelhanças com Hitler do que os liberais ocidentais gostariam de admitir. Assim como o Führer, Churchill nutria um ódio hidrofóbico ao comunismo e à União Soviética, chegando a tomar parte da intervenção estrangeira que combateu o governo revolucionário russo após o triunfo da Revolução de Outubro — ocasião em que ordenou o uso de armas químicas contra combatentes bolcheviques.
E tal qual o chanceler alemão, Churchill também era ultrarracista, partidário do ideal da supremacia branca e da tese de que existia uma hierarquia das raças cujo topo seria ocupado pelos brancos. O premiê britânico era um declarado defensor da eugenia e advogava abertamente pela esterilização dos grupos étnicos que enxergava como inferiores — tais como os indianos e os povos da África Subsaariana.
Antes da Segunda Guerra, Churchill foi um entusiasmado admirador de Adolf Hitler. Em seus discursos de 1935 e 1937, respectivamente intitulados “A verdade sobre Hitler” e “Hitler e sua escolha”, Churchill não poupou elogios ao líder nazista, exaltando sua “competência” e “carisma”: “aqueles que conheceram Herr Hitler pessoalmente, em reuniões de negócios ou encontros sociais, encontraram um funcionário altamente competente, tranquilo e bem-informado, dotado de maneiras agradáveis e de um sorriso que desarma, e poucos conseguiram permanecer imunes ao seu sutil magnetismo pessoal”, afirmou Churchill sobre o líder nazista, complementando que tinha esperança de que o chanceler alemão pudesse “ajudar a criar tempos mais felizes”.
As afinidades entre a plutocracia britânica e o nazismo alimentaram crença de Hitler na possibilidade de o Reino Unido não intervir para limitar o agressivo o expansionismo alemão. A relutância do Reino Unido em lançar uma ofensiva geral contra a Alemanha, mesmo após a declaração formal de guerra, era um indicativo de que a tese tinha alguma substância. A ambivalência britânica também se fez notar nas reuniões do conselho de guerra, quando os oficiais da Força Aérea Real se mostraram reticentes em bombardear as indústrias do vale do Ruhr, pois não queriam “causar danos às propriedades privadas alemãs”. Da mesma forma, a Força Expedicionária Britânica, que desembarcou em solo francês nos primeiros meses do conflito, não possuía nenhum plano de ação que fizesse referência a uma possível invasão do território alemão. Em outras palavras, o Reino Unido não tinha a mais remota intenção de depor o regime nazista, mesmo quando já havia declarado guerra contra a Alemanha.
Impaciente com a atitude britânica, que relutava em partir para uma campanha agressiva, mas também não propunha nenhum sinal de trégua ou acordo, Hitler tomou a decisão de ordenar uma ofensiva geral contra as forças anglo-francesas em maio de 1940. Após derrotar a França, o chanceler alemão obrigou a Força Expedicionária Britânica a empreender uma retirada humilhante pelo porto de Dunquerque, mas foi condescendente ao permitir a evacuação de quase 400 mil soldados britânicos por meio do Canal da Mancha.
Um último gesto de conciliação com o Reino Unido ainda seria orquestrado por Rudolf Hess, um dos principais assessores do líder nazista, que foi ao Reino Unido para tentar convencer o Duque de Hamilton a apoiar a adesão britânica a uma campanha militar internacional contra a União Soviética, epicentro do socialismo internacional.
Não obstante, a Alemanha já havia, a essa altura, ultrapassado o ponto de não retorno. O expansionismo nazista havia se convertido em uma ameaça ao domínio imperial britânico. Em menos de dois anos, a Alemanha já havia dominado a França, Áustria, Checoslováquia, Bélgica, Países Baixos, Dinamarca e Noruega, retirando quase toda a Europa Ocidental do círculo de influência britânico.
A poderosa Marinha Real já começava a se sentir ameaçada pela Kriegsmarine e a adesão irrestrita do regime colaboracionista de Vichy à estratégia militar do Terceiro Reich resultou na expressiva redução do domínio britânico sobre o Mar Mediterrâneo e na perda do controle sobre as rotas marítimas comerciais. A percepção da ameaça nazista à hegemonia britânica foi intensificada após a ocupação de seus enclaves e territórios insulares asiáticos pelas forças do Eixo.
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Não foi por falta de aviso que os britânicos subestimaram o risco do expansionismo nazista, registre-se. Josef Stalin já havia proposto uma aliança com o governo britânico mais de dois anos antes — em março de 1939. Ao longo de seis meses, o mandatário soviético fez sucessivos contatos com o premiê Neville Chamberlain e com o líder francês Édouard Daladier, mas foi rechaçado em todas as oportunidades. “Devo confessar a mais profunda desconfiança em relação à Rússia. Não acredito em sua capacidade de manter uma ofensiva eficaz, mesmo que quisesse. E desconfio dos seus motivos, que me parecem ter pouca ligação com as nossas ideias de liberdade”, declarou o então líder britânico — que já havia fechado três pactos com a Alemanha nazista ao longo da década de 30.
Como Reino Unido e França não se mostraram dispostos a firmar uma aliança militar, Moscou interrompeu as conversações em agosto de 1939. Ciente de que o conflito com os nazistas era questão de tempo, Stalin concordou em assinar um tratado de não agressão com a Alemanha para obter tempo hábil e preparar as tropas soviéticas. O acordo foi seguido pela invasão da Polônia. Os Alemães anexaram a parte ocidental do país e os soviéticos ocuparam a porção oriental — visando criar um estado-tampão entre a Alemanha Nazista e o território soviético e viabilizar a criação de um corredor para o deslocamento das tropas do Exército Vermelho.
Isolado no teatro de batalhas da Frente Ocidental e cada vez mais acuado pelo poderio militar alemão, o Reino Unido deu o braço a torcer, concordando em estabelecer uma aliança militar com os soviéticos. O acordo fechado em 12 de julho de 1941 foi bastante lacônico. Dizia o documento:
“O Governo de Sua Majestade e o Reino Unido e o governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas concluíram o presente acordo e declaram o seguinte:
1) Os dois governos se comprometem a prestar assistência e apoio mútuos de todos os tipos na presente guerra contra a Alemanha hitlerista.
2) Comprometem-se ainda a que durante esta guerra não negociarão nem concluirão um armistício ou tratado de paz, exceto por meio de mútuo acordo.
As partes concordam que este acordo entra em vigor a partir do momento da assinatura e não está sujeito a ratificação.”
O tratado alarmou o governo dos Estados Unidos, que a essa altura ainda não havia ingressado no conflito e mantinha um discurso oficial de neutralidade. Preocupado com o fato dos britânicos estarem assinando um tratado militar com os soviéticos, o presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt chamou Churchill para um encontro secreto em alto-mar, nos arredores da Ilha de Terra Nova, no Canadá, sem a participação de Stalin.
Após quatro dias de reunião, Churchill e Roosevelt divulgaram uma declaração final sobre os “princípios para um futuro melhor para o mundo”, elencados na chamada “Carta do Atlântico”. O documento buscava neutralizar quaisquer eventuais ganhos geopolíticos que a União Soviética pudesse ter caso vencesse a guerra, limitando modificações territoriais, endossando a manutenção de sistemas de governança alinhados ao Ocidente, além de estabelecer que os países do Eixo seriam tratados como nações amigas e aliadas após o término do conflito.
Cinco meses após a apresentação da carta, visando legitimar suas reivindicações pós-guerra, os Estados Unidos ingressaram na Segunda Guerra Mundial.