Há 19 anos, em 23 de setembro de 2005, falecia o revolucionário brasileiro Apolônio de Carvalho. Militante do PCB e da ALN, Apolônio participou do Levante Comunista de 1935 e lutou contra as tropas de Francisco Franco durante a Guerra Civil Espanhola. Tornou-se herói da Resistência Francesa, combatendo os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. De volta ao Brasil, fundou o PCBR e participou da luta armada contra a ditadura militar. Foi ainda membro fundador do PT, tendo preenchido a primeira ficha de filiação do partido.
Apolônio de Carvalho nasceu em 9 de fevereiro de 1912, em Corumbá, Mato Grosso do Sul, filho de um militar sergipano e de uma dona de casa gaúcha. Foi cadete da Escola Militar do Realengo, onde foi influenciado pelo movimento tenentista, passando a se interessar pelos ideais revolucionários. Serviu como oficial de artilharia do Exército Brasileiro na cidade de Bagé, no Rio Grande do Sul, onde travou contato com a Aliança Nacional Libertadora (ANL) — frente política antifascista e anti-imperialista que congregava tenentes, militares de baixa patente, socialistas e comunistas que faziam oposição ao governo de Getúlio Vargas e à Ação Integralista Brasileira.
Apolônio apoiou as sublevações da ANL durante o Levante Comunista de 1935, quando ocorreram rebeliões nas instalações militares de Natal, Recife e Rio de Janeiro. O levante foi debelado em menos de uma semana pelas forças legalistas, resultando na prisão dos revoltosos e dos demais militantes da ANL.
Sob o comando de Filinto Müller, a política de Vargas instituiu uma brutal repressão contra comunistas e militantes da esquerda radical. Apolônio foi preso no mesmo ano e enviado para a Casa de Correção do Rio de Janeiro, onde conheceu Luís Carlos Prestes, Olga Benário e Graciliano Ramos (responsável por descrever o drama dos presos políticos no livro “Memórias do Cárcere“).
Em junho de 1937, após a destituição de sua patente e subsequente expulsão do exército, Apolônio foi libertado. Filiou-se logo em seguida ao Partido Comunista do Brasil (antigo PCB), por julgar que a organização tinha objetivos muito similares aos da ANL, tais como a oposição ao domínio do capital estrangeiro, a luta em favor da reforma agrária e o apoio à autonomia sindical. Por orientação do partido, Apolônio embarcou para a Espanha ao lado de outros 20 brasileiros, passando a integrar as Brigadas Internacionais, que lutaram ao lado do Exército Republicano contra as forças fascistas de Francisco Franco durante a Guerra Civil Espanhola.
Derrotadas as forças republicanas, Apolônio deixou a Espanha e partiu para a França junto com outros membros das Brigadas Internacionais, permanecendo detido até maio de 1940 no campo de refugiados de Gurs. Com a Queda da França diante das tropas da Alemanha nazista, Apolônio fugiu rumo a Marselha.
Em 1942, juntou-se à Resistência Francesa, tornando-se comandante de uma guerrilha de partisans sediada na cidade de Lyon. Nesse mesmo ano, iniciou um romance com a jovem militante comunista Renée France Laugery (futura Renée de Carvalho), que se tornaria sua companheira pelo resto da vida e mãe de seus dois filhos — René-Louis e Raul.
Apolônio seguiu combatendo os invasores nazistas nos anos seguintes e em janeiro de 1944 liderou o ataque à prisão de Nîmes, conseguindo libertar 23 partisans que haviam sido aprisionados pelos alemães. Em agosto do mesmo ano, Apolônio comandou as tropas da Resistência Francesa nas operações de libertação de Carmaux, Albi e Toulouse. Em agradecimento aos seus feitos na luta contra o nazismo, Apolônio foi reconhecido como Herói da França e condecorado com a Legião de Honra.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, Apolônio retornou ao Brasil, fixando residência no Rio de Janeiro. A cassação do registro eleitoral do PCB em 1947 e a repressão aos comunistas o obrigou a viver por vários anos na clandestinidade.
Em 1953, Apolônio partiu para a União Soviética, onde permaneceu em atividades de formação durante quatro anos. Retornou ao Brasil em 1957, quando o PCB já se encontrava em situação de semilegalidade. Colaborou com a articulação do movimento sindical e com a formação das Ligas Camponesas. Também ofereceu apoio ao governo de João Goulart e às reformas de base. Após o golpe militar de 1964, Apolônio juntou-se à oposição popular ao regime e passou a ser perseguido pela ditadura.
Incomodado com a resistência do PCB em aderir à luta armada, Apolônio e os outros membros da Corrente Revolucionária do Rio de Janeiro romperam com a agremiação. Fundaram então o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), integrado por nomes como Mário Alves e Jacob Gorender, entre outros dissidentes pecebistas.
Embora defendesse uma estratégia de guerrilha rural aliada ao trabalho de base nas áreas urbanas, o PCBR concentrou a maior parte de seus esforços em operações armadas nas cidades. Com o incremento das ações do regime após a promulgação do Ato Institucional Nº. 5 (AI-5), os líderes do PCBR tornaram-se alvos preferenciais dos aparelhos coercivos da ditadura. Em janeiro de 1970, Apolônio e Jacob Gorender foram presos e torturados. Os filhos de Apolônio foram detidos no mês seguinte e Mário Alves, também capturado, foi executado.
Em junho de 1970, Apolônio e outros 39 presos políticos foram libertados em troca da soltura de Ehrenfried von Holleben, embaixador da Alemanha Ocidental que havia sido sequestrado no Rio de Janeiro durante uma operação conjunta conduzida pela Ação Libertadora Nacional (ALN) e pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Apolônio exilou-se então na Argélia. Seu filho, René-Louis, foi libertado no ano seguinte, novamente numa operação que envolveu a libertação de 70 presos políticos em troca da soltura de Giovanni Bucher, embaixador da Suíça. Em 1972, Raul também foi libertado e Renée deixou o Brasil. Reunida, a família passou a viver na França.
No mesmo ano, o PCBR foi desarticulado, após sofrer uma violenta campanha repressiva, motivada pelo envolvimento de membros do partido no ataque que matou David Cuthberg, membro da força-tarefa da marinha britânica no Rio de Janeiro.
Em Paris, a família Carvalho se ocupou de instituir uma rede de apoio aos exilados brasileiros e manteve-se ativa na articulação da oposição à ditadura, mas só retornariam ao Brasil em outubro de 1979, após a promulgação da Lei da Anistia. Após o regresso, Apolônio aproximou-se de Luiz Inácio Lula da Silva e das demais lideranças do Novo Sindicalismo, dando apoio às greves dos metalúrgicos do ABC Paulista.
Em 1980, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) e assinou a primeira ficha de filiação do partido. Encorajados por Apolônio, remanescentes do PCBR também ingressaram no PT no início dos anos oitenta, dando origem à tendência interna “Brasil Socialista”, que tem como foco a luta pela reforma agrária e mantém vínculos com o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST).
Apolônio integrou a campanha das Diretas Já, atuou nas mobilizações em prol da redemocratização e permaneceu ativo na direção e nas campanhas eleitorais do PT até 1987, quando se afastou das atividades partidárias por orientação médica. Seguiu, entretanto, vinculado à mobilização camponesa, prestando apoio ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Em 1997, Apolônio lançou um livro autobiográfico intitulado “Vale a Pena Sonhar“, que inspirou o documentário homônimo sobre sua vida, produzido por Stela Grisotti e Rudi Böhm. Sua história de vida também foi uma das inspirações que levaram Jorge Amado a escrever “Os Subterrâneos da Liberdade“, trilogia abordando o Estado Novo, a luta de classes e a associação entre a burguesia brasileira e o imperialismo. Apolônio de Carvalho faleceu no Rio de Janeiro em 23 de setembro de 2005, após 93 anos de uma luta incansável em prol da liberdade, da dignidade humana e da justiça social.