Há 45 anos, em 3 de dezembro de 1979, falecia o psiquiatra paraibano Osório César. Fundador da Escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri, Osório se destacou como pioneiro na adoção de métodos humanizados de tratamento psiquiátrico, promovendo a psicoterapia ocupacional e a arteterapia no lugar de práticas invasivas e agressivas, tais como a lobotomia e o eletrochoque.
Destacou-se ainda por sua militância política no Partido Comunista, sendo autor de importantes obras em defesa do socialismo.
Quem foi Osório César
Osório César nasceu em 17 de novembro de 1895 em João Pessoa, em uma família de músicos. Interessou-se pela arte desde a infância, dedicando-se a estudar violino. Com 17 anos, mudou-se para São Paulo, onde cursou a Faculdade de Odontologia e se manteve ministrando aulas de música. Graduou-se quatro anos depois, mas não chegou a exercer a profissão. Matriculou-se logo em seguida no curso de medicina da Universidade Livre de São Paulo.
A interrupção do curso forçou Osório a se transferir para o Rio de Janeiro, dando continuidade aos estudos na Faculdade de Medicina da Praia Vermelha. Formou-se nessa instituição em 1925, especializando-se como anatomopatologista e psiquiatra.
Já graduado, Osório começou a trabalhar no Hospital Psiquiátrico do Juqueri, gigantesca colônia psiquiátrica localizada em Franco da Rocha, nos arredores de São Paulo.
A instituição abrigava não apenas pessoas com transtornos mentais, mas também servia ao confinamento de indivíduos tidos como “indesejáveis” pela sociedade — de ex-escravizados e imigrantes em situação de miséria até homossexuais e prostitutas. Fortemente influenciada por ideias eugênicas, preconceitos e estigmas sociais, a abordagem clínica das psicopatologias beirava a tortura e o sadismo gratuito. Os internos eram submetidos a péssimas condições sanitárias e rotinas de maus-tratos e abusos.
Durante as quatro décadas em que trabalhou no Hospital do Juqueri, Osório pressionou pela humanização da instituição, buscando prover espaços condignos para os pacientes. Ao mesmo tempo, aprofundou-se nos estudos sobre arte e psicopatologia, na busca por terapias menos arcaicas.
Em 1925, publicou A Arte Primitiva nos Alienados: Manifestação Escultórica com Caráter Simbólico Fetichista num Caso de Síndrome Paranoide. Dois anos depois, escreveu o ensaio Contribuição ao Estudo do Simbolismo Místico nos Alienados, em parceria com Penido Monteiro.
Também publicou uma série de estudos sobre anatomia patológica.
Entre 1927 e 1928, Osório ajudou a fundar as Sociedades Brasileiras de Psicanálise de São Paulo e do Rio de Janeiro. Em 1929, publicou o livro A Expressão Artística nos Alienados – Contribuição ao Estudo dos Símbolos na Arte, sua obra mais relevante.
O livro teve significativo impacto internacional, chegando a ser resenhado e comentado por Sigmund Freud, o pai da psicanálise.
Vida intelectual e prisões de Osório César
Na década de 1930, Osório fez uma série de viagens à Europa, a fim de aprofundar seus estudos. Trabalhou no Hospital da Salpêtrière ao lado de Henri Piéron e outros discípulos de Carl Gustav Jung, o fundador da psicologia analítica.
Também conheceu a assistência aos psicopatas do Centro de Psiquiatria e Profilaxia Mental do Hospital Henri Rousselle, onde travou contato com o psiquiatra Édouard Toulouse.
Em paralelo com suas atividades como psiquiatra, Osório também atuou como jornalista e crítico de arte, escrevendo colunas nos principais diários e frequentando o meio artístico paulistano — em especial a célebre Villa Kyrial, ponto de encontro dos intelectuais modernistas. Fez amizade com nomes como Mário de Andrade, Flávio de Carvalho, Sérgio Milliet e Aldo Bonadei, muitos dos quais passaram visitar as reuniões do grupo Cultura Musical, organizadas em sua residência.
É desse período que data o convívio com a pintora Tarsila do Amaral, com quem Osório viria a manter um relacionamento amoroso. Os anos 30 também foram marcados pelo incremento de sua militância política. Filiado ao Partido Comunista do Brasil (antigo PCB), Osório convenceu Tarsila a acompanhá-lo por uma longa viagem à União Soviética.
O relacionamento com Tarsila resultaria em uma parceria de inspiração profissional mútua, no qual a pintora o motivava a se interessar pela arte como recurso terapêutico e ele a influenciava a abordar a temática social em suas obras. A viagem pela União Soviética teve impacto profundo na produção intelectual do casal, mas também alarmou as autoridades brasileiras.
Ao retornarem da nação socialista, Osório e Tarsila foram presos pela polícia política de Getúlio Vargas sob a acusação de subversão. Libertado, ele escreveu uma série de textos em defesa do socialismo, incluindo os livros O que é o Estado Proletário e Onde o Proletariado Dirige, publicados em 1933.
Por ocasião do 16º aniversário da Revolução de Outubro, o psiquiatra também escreveu o ensaio A Proteção da Saúde Pública na União Soviética.
Osório retornou à União Soviética em 1935, para participar do 15º Congresso Internacional de Fisiologia, sediado em Leningrado e Moscou e presidido por Ivan Pavlov. Na volta ao Brasil, foi novamente detido.
No mês seguinte, o psiquiatra voltou a ser preso, dessa vez acusado de conspirar em favor do Levante Comunista de 1935. Permaneceu encarcerado no Presídio Maria Zélia por quase dois anos, sendo absolvido ao término do processo.
O papel de Osório César no Juqueri
Malgrado a perseguição política, Osório obteve autorização para retomar suas atividades no Juqueri. Ocupou-se então de abolir a lobotomia, o eletrochoque e outros tratamentos arcaicos, privilegiando procedimentos menos invasivos. Deu atenção especial para atividades que visavam estimular recursos físicos, cognitivos e emocionais, sobretudo a terapia ocupacional. A prática psicanalítica foi consolidada após a chegada da doutora Adelheid Koch.
Em 1938, por iniciativa de Osório, foi criada no Juqueri a Seção de Artes Plásticas, com atividades artísticas para internos. Em 1949, a seção seria convertida na Escola Livre de Artes Plásticas, onde eram oferecidas oficinas de desenho, pintura, escultura e cerâmica, bem como sessões musicais.
A iniciativa provou-se acertada, resultando em avanços significativos no tratamento dos pacientes, com maior controle de sintomas, melhoria da autoestima, diminuição do estresse e das sequelas de experiências traumáticas.
Visando difundir a produção artística dos internos do Juqueri, Osório organizou mais de 50 exposições com desenhos e pinturas de seus pacientes, a maioria sediada no Clubinho de Arte de São Paulo. Duas grandes mostras com as obras do Juqueri também foram sediadas pelo Museu de Arte de São Paulo (MASP), em 1948 e em 1954.
Em 1950, as obras dos pacientes do Juqueri integraram a Exposição Mundial de Arte Psicopatológica, organizada pela Sociedade de Psicologia de Paris, e foram objeto de um importante ciclo de palestras. A atuação de Osório foi fundamental para consolidar a arteterapia e valorizar a expressão artística dos pacientes-artistas, influenciando a ação de outros expoentes da psiquiatria, nomeadamente a doutora Nise da Silveira, que coordenou um trabalho bastante semelhante de humanização dos tratamentos psiquiátricos no Rio de Janeiro.
Osório publicou outros livros sobre a arte dos pacientes psiquiátricos, incluindo Misticismo e Loucura, premiado pela Academia Brasileira de Letras em 1948. Seguiu trabalhando no Juqueri até 1964, quando se aposentou por pressão da ditadura militar (1964-1985).
Em 1974, doou sua coleção de desenhos de pacientes-artistas para o MASP.
Osório César faleceu em Franco da Rocha em 3 de dezembro de 1979.
Em 1984, as obras remanescentes dos internos do Juqueri foram reunidas por Maria Heloísa de Toledo Ferraz e serviram de base para a criação do Museu Osório César, instalado nas dependências do hospital.