Quarta-feira, 26 de março de 2025
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Há 19 anos, em 24 de fevereiro de 2006, um bando armado invadia o Museu da Chácara do Céu, no Rio de Janeiro, e realizava o maior roubo de obras de arte da história do Brasil.

Quatro pinturas foram levadas — telas assinadas por Pablo Picasso, Salvador Dalí, Claude Monet e Henri Matisse, avaliadas em mais de US$ 50 milhões. O roubo permanece sem solução até hoje. Ninguém foi preso e nenhum dos quadros foi recuperado.

O assalto

O roubo ocorreu no período da tarde, em plena sexta-feira de carnaval. A poucos metros do Museu da Chácara do Céu, o desfile do Bloco das Carmelitas arrastava uma multidão de 10 mil pessoas pelas ruas de Santa Teresa, bairro boêmio na região central do Rio de Janeiro.

O desfile havia fornecido as condições ideais para a ação. Os foliões bloqueavam as ruas, o que impediria que os assaltantes fossem perseguidos. E o museu já estava quase vazio — havia dispensado a maior parte de sua equipe mais cedo.

Aproveitando-se da ocasião, quatro homens armados invadiram a Chácara do Céu. Eles renderam os seguranças — tarefa simples, já que os agentes estavam desarmados. Em seguida, obrigaram os funcionários a desligaram o circuito interno de TV.

O museu não contava com um sistema de alarme ligado a uma central policial. Os ladrões prenderam os funcionários e um grupo de visitantes em uma das salas. Arrancaram então as pinturas das paredes, subtraíram um livro raro que estava em exposição e fugiram, desaparecendo entre os foliões. Mais à frente, os assaltantes embarcaram em uma kombi e fugiram do local.

Wikimedia Commons/Fulviusbsas
Museu da Chácara do Céu em 2024

A investigação

A reação ao roubo variou do amadorismo à negligência dos órgãos de segurança. À época, não existia uma delegacia especializada em crimes contra o patrimônio cultural — muito embora o Brasil já acumulasse centenas de obras de arte roubadas de museus e igrejas há décadas.

No âmbito estadual, a investigação ficou a cargo de uma delegacia especializada em crimes ambientais. E, espantosamente, a investigação foi arquivada em poucas semanas, para que os agentes pudessem se dedicar à fiscalização do defeso — o período de caça proibida.

Os visitantes que passaram pelo museu no dia do roubo, incluindo quatro estrangeiros, não foram convocados a prestar depoimento. E a polícia não recolheu as digitais no mesmo dia.

O comunicado que foi enviado aos aeroportos internacionais do Rio de Janeiro e de São Paulo não relacionava todas as obras que foram roubadas, nem trazia descrição ou imagens das peças.

A Polícia Federal localizou o motorista da Kombi que transportou os ladrões. O homem afirmou que fora forçado a ajudar na fuga. Isabelle Kishida, a delegada que investigava o caso, solicitou que o telefone do motorista fosse grampeado, mas não havia agentes na central de escutas da Polícia Federal para gravar os telefonemas.

Isabelle pediu então que a operadora de telefonia desviasse o grampo para o seu celular pessoal. Após ouvir conversas onde o motorista informava a um interlocutor que “a entrega havia dado certo”, a delegada pediu a prisão preventiva e o indiciamento. Mas, diante da ausência de gravações ou provas concretas, o próprio Ministério Público pediria a absolvição do suspeito quando o caso foi a julgamento.

Denúncias anônimas levaram a Polícia Federal a suspeitar que os mandantes do crime poderiam ser dois franceses radicados no Brasil — Patrice Charles Rouge e Michel Cohen.

Patrice atuava no mercado de pedras preciosas e morava próximo do museu. A polícia ordenou uma busca no local onde acreditava ser sua residência. Após invadirem a casa, entretanto, os agentes se depararam com o ator Osmar Prado. Ele havia adquirido o imóvel há dois anos. Patrice não foi localizado.

O outro suspeito, Michel Cohen, respondia a mais de 20 processos por fraude e atividades irregulares no mercado de arte dos Estados Unidos. Ele já havia sido preso pela Interpol no Rio de Janeiro, mas conseguiu fugir do Presídio Ary Franco enquanto era transportado por agentes penitenciários para um procedimento médico. Desde então, Michel está foragido.

A Polícia Federal somente pediu a quebra do sigilo telefônico dos suspeitos de ordenarem o roubo em 2011. Quando isso ocorreu, as operadoras informaram que não poderiam fazer nada, já que prazo máximo para guardar as chamadas é de cinco anos. Assim, além de não conseguir localizar os suspeitos, os agentes também não conseguiram elementos que pudessem vinculá-los ao roubo.

Wikimedia Commons
“Os Dois Balcões”, de Salvador Dalí (1929)

As obras

Todas as obras roubadas seguem desaparecidas até hoje. Duas das pinturas subtraídas já haviam sido roubadas anteriormente do Museu da Chácara do Céu. Em 1989, ladrões invadiram o museu e levaram as telas de Matisse e Dalí, bem como um valioso conjunto de objetos de prata e pinturas de Candido Portinari, mas as peças foram recuperadas posteriormente.

Avaliadas em mais de 50 milhões de reais, as obras roubadas (“A Dança” de Picasso, “Os Dois Balcões” de Dalí, “Marinha” de Monet e “Jardim de Luxemburgo” de Matisse) estavam entre as mais importantes do acervo do Museu da Chácara do Céu. Todas as peças eram tombadas como patrimônio nacional.

Pintada por Pablo Picasso em 1956, “A Dança” era uma obra característica do período tardio do mestre andaluz, marcado pelo estilo indefinido, pelas releituras de clássicos da história da arte e pelas referências a elementos de suas fases anteriores, com ênfase no colorido e na composição de matiz expressionista. “A Dança” pode ser considerada como uma releitura da célebre pintura homônima de Matisse. A obra foi perfurada durante o roubo e partes da moldura foram encontradas incineradas com restos da tela. Era uma de apenas cinco pinturas de Picasso conservadas em museus brasileiros.

“Os Dois Balcões”, pintado por Salvador Dalí em 1929, era uma obra oriunda do período mais criativo do artista catalão. A obra foi realizada para a primeira mostra individual de Dalí, patrocinada pelo marchand Camille Goemans, e executada ao lado de suas maiores obras-primas, como “O Grande Masturbador” e “O Enigma do Desejo”. A obra abordava o tema da “infância complexa” e trazia um autorretrato do pintor na porção duplicada da fachada da casa paterna. Trata-se de uma referência à “disputa” psicológica com a identidade do irmão homônimo, falecido antes do nascimento do artista. Era a única pintura de Salvador Dalí conservada no Brasil.

“Marinha”, pintada por Claude Monet em 1885, pertencia a um ciclo de paisagens litorâneas executadas pelo mestre do impressionismo no último vintênio do século XIX. O local retratado é uma falésia de Dieppe, na Alta Normandia. A pintura era uma das únicas três obras de Monet existentes no Brasil. Essa mesma obra já havia sido roubada do museu carioca em 1989, e recuperada meses depois. Outra pintura de Monet quase idêntica à tela do Rio foi roubada de um museu em Nice, na França, em 1998, e recuperada pela polícia no mesmo ano. Em 2007, essa mesma obra de Nice foi novamente roubada, sendo encontrada no ano seguinte, em Marselha.

A quarta tela roubada era “O Jardim de Luxemburgo”, pintada por Henri Matisse em 1903. Trata-se de uma paisagem parisiense característica da produção pré-fauvista de Matisse. Essa obra também já havia sido roubada da Chácara do Céu em 1989, mas foi recuperada meses depois.

A quinta obra roubada era o livro “Toros”, uma coletânea de poemas de Pablo Neruda com ilustrações de Pablo Picasso.

Inaugurado em 1972, o Museu da Chácara do Céu funciona na antiga residência do mecenas Raymundo Ottoni de Castro Maya. Junto com o Museu do Açude, no Alto da Boa Vista, compõe os Museus Castro Maya. Os museus, fundados como organizações privadas, foram encampados pelo governo federal em 1983, após a severa crise financeira que resultou na insolvência da Fundação Castro Maya. Os museus possuem um dos mais importantes acervos artísticos do Brasil, englobando mais de 20 mil peças de artistas como Jean-Baptiste Debret, Candido Portinari, Gustave Courbet, Amedeo Modigliani, Edgar Degas e Joan Miró.