Há 78 anos, em 28 de fevereiro de 1947, o Partido Nacionalista Chinês (Kuomintang) reprimia brutalmente um protesto antigovernamental em Taiwan. A repressão evoluiu para uma matança em larga escala, a pretexto de debelar uma “rebelião comunista”.
O Massacre de 28 de Fevereiro deixou um saldo de cerca de 30.000 mortos e sinalizou o início do chamado “Terror Branco” — período de lei marcial que se estendeu por 38 anos e foi marcado pela perseguição e assassinato em massa de opositores do governo taiwanês.
Sob o jugo do Kuomintang
Derrotada na Primeira Guerra Sino-Japonesa, a China foi forçada a ceder a ilha de Taiwan ao Japão em 1895. O domínio japonês sobre a ilha se estendeu por 50 anos, até a derrota do Japão na Segunda Guerra Mundial. Em 1945, Taiwan retornou ao controle administrativo da China, então governada pelo Partido Nacionalista Chinês — o Kuomintang, chefiado por Chiang Kai-Shek.
À época, a China estava mergulhada em uma guerra civil, travada entre o Kuomintang e o Partido Comunista da China. Lideradas por Mao Zedong, as tropas revolucionárias consolidavam seu domínio sobre vastas áreas do território chinês, ao passo que as regiões sob controle dos nacionalistas enfrentavam crescentes protestos de civis descontentes com o governo do Kuomintang.
Um dirigente do Kuomintang chamado Chen Yi foi nomeado chefe do governo provincial de Taiwan. O fim do domínio japonês foi saudado pelos moradores da ilha, mas a péssima gestão do Kuomintang logo frustrou as expectativas dos taiwaneses.
Os nacionalistas impuseram um governo autoritário, inepto e extremamente corrupto, causando o descontentamento da população. A estrutura política foi toda aparelhada, com os representantes locais sendo substituídos por burocratas da China continental. Além de serem excluídos dos processos decisórios, os taiwaneses foram submetidos a políticas discriminatórias e aos constantes abusos e desmandos cometidos pelos soldados do Exército Nacionalista.
A gestão econômica do Kuomintang em Taiwan era igualmente desastrosa. O governo provincial determinou o confisco arbitrário de propriedades, instituiu taxas abusivas e impôs o monopólio sobre o comércio de vários produtos.
A inflação galopante estimulou a criação de mercados paralelos e contribuiu para uma grave escassez de alimentos, ampliando a fome e a miséria. Em poucos meses, o preço do arroz comercializado em Taiwan foi multiplicado por 100. A queda abrupta do poder de compra agravou a quebradeira do comércio, ampliando o desemprego e prejudicando a situação fiscal da província.
Sem obras de manutenção, os cidadãos se depararam com o sucateamento da infraestrutura e o corte de serviços públicos. Após um ano de governo nacionalista, a insatisfação dos taiwaneses era generalizada.
A insurreição popular
Um fato ocorrido em uma casa de chá de Taipé serviria de estopim para a rebelião popular. No dia 27 de fevereiro de 1947, fiscais da Agência do Monopólio Estatal do Tabaco apreenderam as mercadorias de uma comerciante taiwanesa chamada Lin Jiang-Mai, suspeita de contrabandear cigarros.
Quando a mulher pediu para que os agentes devolvessem suas mercadorias, eles a agrediram violentamente com coronhadas em sua cabeça. A agressão revoltou os civis que testemunharam a ação, dando início a um tumulto. Foi quando um dos fiscais sacou uma arma de fogo e atirou contra os populares, matando um homem.
No dia seguinte, 28 de fevereiro, um grupo de manifestantes realizou um ato em frente ao Gabinete do Governador, exigindo a prisão dos fiscais envolvidos na ação na casa de chá. As autoridades, entretanto, não apenas ignoraram as reivindicações como ordenaram a dispersão do protesto.
Os policiais militares abriram fogo contra a multidão, matando várias pessoas. A chacina inflamou os ânimos da população, que saiu em peso às ruas de Taipé. Os manifestantes invadiram as delegacias de polícia, a sede da Agência do Monopólio Estatal do Tabaco e outros edifícios governamentais.

Populares protestam em frente à Agência do Monopólio Estatal em Taipé
Os motins prosseguiram nos dias seguintes e se espalharam pela ilha, atraindo estudantes e trabalhadores de várias categorias. O movimento logo evoluiu para um levante popular contra o governo do Kuomintang. Os rebeldes se organizaram em comitês e criaram brigadas de voluntários e milícias armadas que conseguiram obter o controle sobre parte do território taiwanês.
Membros do antigo Partido Comunista de Taiwan participaram ativamente da ação, formando a base da futura Liga Democrática de Autogoverno de Taiwan. Em Taichung, militantes comunistas fundaram a Brigada 27, uma das principais organizações revolucionárias da ilha.
Os manifestantes exigiam uma ampla reforma política, abrangendo pautas como mais autonomia para Taiwan, democratização do sistema político, instituição de eleições livres, subordinação dos agentes de segurança à gestão civil, etc.
O massacre
A resposta do Kuomintang foi brutal. Por determinação de Chiang Kai-Shek, um enorme contingente de soldados foi enviado para a ilha, a fim de debelar o que os nacionalistas descreveram como uma “perigosa insurreição comunista”.
A repressão foi coordenada pelo governador Chen Yi, que assegurou ser necessário o uso de extrema violência para “limpar as cidades”. Durante várias semanas, os soldados nacionalistas prenderam, torturaram e executaram milhares de taiwaneses, em uma sequência interminável de chacinas. Estima-se que até 30.000 pessoas tenham sido assassinadas durante o expurgo.
O Massacre de 28 de Fevereiro impediu a consolidação dos movimentos revolucionários em Taiwan, mas na China continental os comunistas seguiram consolidando sua expansão
Em 1949, as tropas de Mao Zedong derrotaram definitivamente as forças do Kuomintang, possibilitando a fundação da República Popular da China. Os nacionalistas fugiram então para Taiwan, onde estabeleceram um governo ditatorial, sob a liderança de Chiang Kai-Shek.
Em maio de 1949, o Kuomintang deu início ao chamado “Terror Branco”, um período de lei marcial e supressão de liberdades civis que se estendeu em Taiwan por 38 anos.
O “Terror Branco” foi marcado por abusos sistemáticos aos direitos humanos e pela repressão aos opositores, organizações trabalhistas e movimentos sociais, resultando em mais de 140.000 prisões e no assassinato de até 4.000 pessoas.
O regime ditatorial começou a ser revogado gradativamente a partir de 1987. Vários dos dispositivos autoritários e antidemocráticos do “Terror Branco”, entretanto, seguem em vigor no sistema político taiwanês até os dias de hoje.