Se estivesse vivo, Chico Mendes completaria 80 anos no próximo fim de semana. Seringueiro, sindicalista e ambientalista, ele dedicou sua vida a lutar pela preservação da Amazônia.
Membro-fundador do Partido dos Trabalhadores (PT), Chico organizou politicamente os seringueiros e desenvolveu estratégias para combater o desmatamento e a exploração ilegal da madeira.
A atuação incansável de Chico o transformou em um símbolo internacional da luta pelo meio ambiente, mas também lhe trouxe inimigos poderosos.
Em 1988, Chico Mendes foi assassinado em sua própria casa por grileiros.
Quem foi Chico Mendes
Chico Mendes nasceu no Seringal Porto Rico, em Xapuri, Acre, em 15 de dezembro de 1944, filho do seringueiro Francisco Alves Mendes e de Maria Rita Mendes.
Começou a trabalhar desde pequeno, acompanhando o pai nas incursões pelos seringais. Aprendeu a ler e a escrever somente aos 19 anos, uma vez que não existiam escolas na região.
Sua alfabetização ficou a cargo do militante comunista Euclides Távora — ex-combatente da Aliança Nacional Libertadora que tomou parte do Levante Comunista de 1935 e da Revolução de 1952 na Bolívia.
A convivência de Chico com o revolucionário teve profundo impacto na sua percepção sobre as injustiças sociais e a exploração dos seringueiros, ajudando a fomentar uma visão crítica sobre a prática do aviamento (sistema de troca de látex por bens de consumo, que submetia os seringueiros ao endividamento e condições miseráveis de vida) e a política econômica empreendida pela ditadura militar (1964-1985) na Amazônia, baseada no incentivo à especulação fundiária e à devastação ambiental.
Chico iniciou sua atuação política nos anos 70, incomodado com a exploração dos seringueiros e com a repressão aos trabalhadores que se rebelavam contra os desmandos dos donos dos seringais.
Chico Mendes na política brasileira
Em 1975, ele foi eleito secretário-geral do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Brasiléia — primeira organização sindical do Acre, presidida por Wilson Pinheiro.
Chico Mendes e Wilson Pinheiro iniciaram ações de conscientização sobre a necessidade de preservar a floresta e passaram a liderar os chamados “empates” — manifestações pacíficas em que os seringueiros criavam barreiras humanas, protegendo as árvores com seus próprios corpos para impedir o desmatamento.
Também organizaram ações contra grileiros, defendendo o direito dos povos nativos à terra.
O incômodo gerado pelas ações de resistência levou ao assassinato de Wilson Pinheiro, alvejado na sede do sindicato de Brasiléia em 1980.
Em 1977, Chico Mendes fundou o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri. No mesmo ano, foi eleito vereador pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB, legenda da oposição permitida ao regime).
Passou então a receber frequentes ameaças de morte dos fazendeiros da região.
Ao longo de seu mandato, Chico tratou de organizar politicamente os seringueiros e trabalhadores rurais, promovendo audiências e foros de discussão entre líderes sindicais, populares e religiosos na Câmara Municipal de Xapuri.
Foi preso e torturado sob a acusação de subversão, mas não obteve apoio sequer de seu próprio partido, desinteressado pelas causas ambientais.
Deputado pelo PT
Chico ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores. Tornou-se uma das principais lideranças petistas do Acre, participando de diversos comícios ao lado de Lula.
No mesmo período, foi processado pela Lei de Segurança Nacional, após ser caluniosamente vinculado ao assassinato de um capataz de uma fazenda da região.
Um ano depois, em 1981, Chico assumiu a presidência do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, cargo que ocuparia até sua morte.
Foi candidato a deputado estadual pelo PT em 1982 e tomou parte dos atos organizados pelo partido em prol da redemocratização.
Em outubro de 1985, liderou o Primeiro Encontro Nacional de Seringueiros e articulou a criação do Conselho Nacional dos Seringueiros (CNS), organização que se tornaria referência na luta pela demarcação das reservas extrativistas.
A conferência ensejou a proposta de criação da “Aliança dos Povos da Floresta” — uma frente política de defesa dos interesses dos povos indígenas, seringueiros, castanheiros, pescadores e populações ribeirinhas.
Por intermédio da Aliança, Chico conseguiu pressionar o governo federal a criar as primeiras reservas florestais destinadas à exploração sustentável do látex e da castanha-do-pará.
O sindicalista também teve grande importância na consolidação do ativismo em prol da reforma agrária na Amazônia.
Chico concorreu novamente ao cargo de deputado estadual pelo PT em 1986, mas não conseguiu se eleger.
Denúncias contra devastação ambiental
No ano seguinte, recebeu a visita de uma delegação da ONU e denunciou publicamente ações financiadas por bancos estrangeiros e multinacionais que estavam causando devastação ambiental e a expulsão dos seringueiros.
As denúncias chegaram ao Senado dos Estados Unidos e levaram à suspensão de financiamento de projetos encampados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento.
A mobilização lhe rendeu o Prêmio Global 500 de Preservação Ambiental da ONU, a Medalha de Meio Ambiente da Better World Society e uma enorme visibilidade internacional, ao mesmo tempo em que causou a fúria dos latifundiários e a oposição raivosa da União Democrática Ruralista — organização patronal de grandes proprietários rurais, responsável por conduzir atos de intimidação e atentados contra ambientalistas e líderes sindicais.
Nos anos seguintes, Chico participou da implantação das reservas extrativistas do Acre e organizou diversos seminários, congressos e palestras denunciando a violência no campo, intimidações e repressão contra os seringueiros e os povos da floresta.
Também seguiu recebendo ameaças de morte, intensificadas após a desapropriação do Seringal Cachoeira, pertencente ao grileiro Darly Alves da Silva.
Ao mesmo tempo, tornou-se alvo de uma intensa campanha de desqualificação conduzida pela imprensa conservadora, que servia como porta-voz dos latifundiários.
Em 1988, Chico participou do Terceiro Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), apresentando a tese “Em Defesa dos Povos da Floresta”, aprovada por aclamação pelos quase seis mil delegados presentes.
Na mesma ocasião, foi eleito suplente da direção nacional da CUT e presidente do Conselho Nacional dos Seringueiros.
Chico Mendes assassinado em 1988
Em 22 de dezembro de 1988, Chico Mendes foi assassinado a tiros de escopeta durante uma emboscada nos fundos de sua casa em Xapuri.
O assassinato, perpetrado na presença da família do sindicalista, ocorreu apenas quatro dias após o Jornal do Brasil se recusar a publicar uma entrevista em que Chico Mendes denunciava as ameaças de morte que recebera.
A morte foi cometido pelo grileiro Darly Alves da Silva e por seu filho, Darci Alves Pereira, como vingança pela desapropriação do Seringal Cachoeira.
O homicídio causou indignação e teve repercussão internacional, pressionando as autoridades federais a apresentarem medidas para diminuir os conflitos no campo e evidenciou a necessidade de consolidar as ações conservacionistas.
Esse movimento levou à criação da Reserva Extrativista Chico Mendes em 1990 e de diversas outras unidades de preservação nos anos seguintes.
Os autores do crime foram julgados e condenados a 19 anos de prisão em 1990. Ambos fugiram da cadeia em 1993, mas foram recapturados em 1996.
Darly sairia da prisão poucos anos depois em função de problemas de saúde. O filho, Darci, tornou-se pastor e ganhou liberdade condicional por “bom comportamento”.
Em 2024, Darci chegou a assumir a presidência do Partido Liberal, legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro, na cidade de Medicilândia, no Pará. Após a repercussão negativa, ele foi destituído da função.
Chico Mendes foi homenageado postumamente em canções de Paul McCartney, Clare Fischer e banda Sepultura.
Sua luta foi tema do documentário The Burning Season.
Ele empresta seu nome à Medalha Direitos Humanos do Grupo Tortura Nunca Mais e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, criado por Lula em 2007.
Desde 2004, seu nome está inscrito no Livro de Aço dos Heróis Nacionais.