Quinta-feira, 10 de julho de 2025
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Há 92 anos, em 20 de junho de 1933, falecia a educadora e jornalista alemã Clara Zetkin. Ela foi uma das principais lideranças do movimento comunista internacional e exerceu papel fundamental na organização das mulheres trabalhadoras.

Expoente do feminismo socialista, Clara defendia que o movimento pela emancipação feminina estava intrinsecamente ligado à luta contra o capitalismo. Ela foi uma das fundadoras da Internacional Comunista das Mulheres e a responsável por propor a criação do Dia Internacional da Mulher, celebrado mundialmente em 8 de março.

Clara foi ainda uma das fundadoras do Partido Comunista da Alemanha e exerceu o cargo de deputada do Reichstag, lutando até seus últimos dias contra o avanço do nazismo e denunciando os riscos que Adolf Hitler representava para a humanidade.

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Da juventude ao ingresso no Partido Social-Democrata

Nascida em 5 de julho de 1857, na pequena Wiederau, na Saxônia — então parte da Confederação Germânica — Clara Josephine Eissner cresceu em meio às contradições de uma sociedade que caminhava para sua modernização econômica enquanto mantinha estruturas políticas e sociais profundamente conservadoras.

Clara era filha de Gottfried Eissner, um professor rural e organista da igreja protestante, e de Josephine Vitale Eissner, uma mulher culta, ativa em organizações voltadas ao fomento da educação feminina. Josephine teria grande influência sobre a visão política da filha, ajudando a moldar sua percepção crítica acerca da luta das mulheres por igualdade.

Aos 17 anos, Clara ingressou no Seminário para Professoras de Leipzig, uma das poucas instituições que permitiam a formação superior das mulheres na época. Nesse local, ela entrou em contato com ideias socialistas através de publicações clandestinas e das palestras de August Bebel. Em 1878, Clara se filiou ao Partido Socialista dos Trabalhadores da Alemanha, que posteriormente se transformaria no Partido Social-Democrata Alemão (SPD).

A militância de Clara a colocou na mira das chamadas Leis Antissocialistas, promulgadas pelo chanceler Otto von Bismarck, que baniram as atividades políticas de esquerda entre 1878 e 1890. Perseguida, Clara se exilou, primeiro em Zurique e depois em Paris, onde trabalhou como tradutora, jornalista e educadora, e mergulhou nos debates revolucionários internacionais.

O jornalismo e a militância socialista

Durante o exílio, Clara conheceu Ossip Zetkin, militante judeu russo com quem viveu uma união estável e teve dois filhos — Maxim e Konstantin. Impossibilitados de contrair matrimônio, uma vez que Ossip ainda era legalmente casado na Rússia, onde o divórcio era praticamente proibido, eles adotaram juntos o sobrenome Zetkin como símbolo de parceria política e afetiva.

Estabelecida em Paris, Clara encontrou no jornalismo não apenas um meio de sustento, mas também uma ferramenta de militância e um instrumento para a articulação internacional da luta operária. Fluente em francês, inglês, italiano e russo, ela começou a escrever e traduzir artigos para jornais operários europeus, entre eles o “Sozialdemokrat”, então publicado de forma clandestina por exilados alemães.

Ao lado de outros companheiros de partido, Clara se firmaria como voz ativa da esquerda internacionalista, ampliando o alcance de textos marxistas e escrevendo sobre as condições de vida das mulheres trabalhadoras.
Seus textos cumpriam um papel estratégico de incentivar a formação ideológica e fomentar a organização de base — sobretudo entre em segmentos que estavam colocados à margem dos debates políticos, como as mulheres da classe operária.

Ossip contraiu tuberculose e faleceu precocemente no início de 1889. Após sua morte, Clara retornou à Alemanha, onde deu continuidade às atividades políticas. Ela se casaria novamente em 1899, desposando o pintor Georg Friedrich Zundel.

“Die Gleichheit”

Em 1892, Clara assumiu a editoria do jornal Die Gleichheit (“A Igualdade”), órgão oficial das mulheres do Partido Social-Democrata Alemão. Ela ficaria à frente do periódico por 25 anos, transformando-o em um marco do feminismo socialista e um dos jornais operários mais relevantes da Europa.

Sob a direção de Clara, a tiragem do jornal cresceu de 10 mil exemplares para mais de 125 mil cópias distribuídas regularmente na primeira década do século 20 — um feito sem precedentes para uma publicação que tinha as mulheres da classe trabalhadora como público majoritário.

No Die Gleichheit, Clara publicava artigos teóricos sobre marxismo, denúncias sobre as condições de trabalho das operárias, críticas aos salários desiguais e à exploração doméstica, considerações sobre os limites do feminismo burguês e reportagens sobre greves e mobilizações femininas. Ela também incentivava que trabalhadoras escrevessem suas próprias experiências, criando uma imprensa que era ao mesmo tempo educativa e mobilizadora.

Clara também usou o jornal para disputar rumos dentro do próprio SPD. Durante os debates sobre o direito ao voto feminino, por exemplo, ela defendeu uma posição clara: o sufrágio não deveria ser visto como fim em si mesmo, mas como uma plataforma para organizar a luta revolucionária das mulheres.

Essa visão a colocou em conflito com as alas mais moderadas do partido e a aproximou de Rosa Luxemburgo, com quem compartilhava tanto a radicalidade política quanto a crítica à burocratização partidária.

O feminismo socialista

Clara Zetkin foi uma das pioneiras do feminismo socialista e uma das principais organizadoras da mobilização operária das mulheres na Alemanha. Em 1907, ela assumiu a liderança do “Escritório da Mulher” do SPD e participou da Primeira Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, realizada em Stuttgart, onde foi eleita como secretária do Bureau Internacional de Mulheres Socialistas.

A jornalista também deu uma contribuição fundamental para a criação do Dia Internacional da Mulher. Em 1910, durante a Segunda Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, Clara propôs a criação de um “dia especial da mulher”, uma jornada de lutas pela emancipação feminina e pela igualdade de gênero.

clara zetkin

Clara Zetkin em 1923
Autor desconhecido / Wikimedia Commons

A proposta de Clara foi aprovada por unanimidade, e o primeiro Dia Internacional da Mulher foi celebrado em 19 de março de 1911, em países como Alemanha, Áustria, Dinamarca e Suíça. Centenas de milhares de mulheres participaram de comícios, exigindo direito ao voto, melhores condições de trabalho e salários iguais.

Posteriormente, o Dia Internacional da Mulher seria fixado em 8 de março, evocando a histórica greve das trabalhadoras russas de Petrogrado, em 1917, que marcaria o início da Revolução Russa e pavimentaria o caminho para a Revolução de Outubro.

Clara denunciou o machismo e a discriminação de gênero dentro dos partidos políticos, sindicatos e movimentos sociais de sua época. Ao mesmo tempo, ela foi uma crítica obstinada do feminismo burguês, identificando-o como uma artimanha para dividir a classe trabalhadora.

Em um discurso vocalizado durante a Segunda Internacional, ela sintetizou a base ideológica de seu feminismo classista: “as trabalhadoras que aspiram à igualdade social não esperam nada do movimento feminista burguês (…). Esse edifício é construído sobre areia e não tem base concreta. As trabalhadoras estão absolutamente convencidas de que a questão da emancipação das mulheres não é uma questão isolada que existe em si mesma, mas sim parte da grande questão social. Elas têm plena consciência de que essa questão não poderá ser resolvida na sociedade contemporânea sem que haja uma transformação social completa”.

Para Clara, o feminismo era indissociável da luta de classes, e não um apêndice ou um debate secundário pertinente a apenas um nicho da sociedade. Essa análise, ainda atual, questionava tanto a persistência dos vícios do patriarcado na esquerda quanto as limitações do feminismo liberal. A luta de uma mulher burguesa para poder votar, herdar propriedades ou estudar jamais representaria as verdadeiras demandas das camponesas e operárias, dizia Clara.

A verdadeira emancipação, portanto, só viria com a superação radical da ordem burguesa. “A mulher proletária não pode ser libertada sem que a classe operária como um todo seja libertada. Mas a classe operária não será libertada sem que ocorra a participação ativa das mulheres”, resumiu Clara em outro discurso emblemático.

Ruptura com o SPD e fundação do Partido Comunista

A eclosão da Primeira Guerra Mundial representaria um ponto de ruptura na trajetória política de Clara. O SPD, que até então se apresentava como um defensor do socialismo internacional, decidiu apoiar o esforço de guerra alemão, traindo o princípio da solidariedade proletária.

Clara condenou veementemente essa decisão, considerando-a uma capitulação ao nacionalismo burguês. Em 1915, ela ajudou a organizar a Conferência Internacional de Mulheres Socialistas em Berna, Suíça, onde delegadas de países beligerantes e neutros se reuniram para denunciar a guerra como uma “carnificina inter-imperialista”.

Na Alemanha, os representantes do movimento antimilitarista tornaram-se alvos da repressão governamental. Clara foi presa diversas vezes por suas críticas à guerra. Seus panfletos denunciando o conflito foram censurados e confiscados e seus filhos também foram perseguidos.

A oposição de Clara à postura do SPD levou ao rompimento com o partido em 1917. Ela se juntou então à Liga Espartaquista, um grupo revolucionário liderado por Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, que buscava construir as condições para concretizar uma revolução socialista na Alemanha.

Clara também foi uma das fundadoras do Partido Comunista da Alemanha (KPD), criado em 1919, a partir da Liga Espartaquista. Sua relação com Rosa Luxemburgo era de profunda cumplicidade teórica e afetiva. Após o assassinato brutal de Rosa, Clara manteve viva a sua memória e defendeu seu legado, mesmo sob o governo repressivo do sociais-democratas durante a República de Weimar.

Atuação no Reichstag e exílio na URSS

Até o fim da vida, Clara Zetkin seguiu como uma das lideranças mais ativas das trincheiras comunistas. Ela foi eleita deputada em 1920 e representou o Partido Comunista no Reichstag (o parlamento alemão) até 1933. Em seus mandatos, Clara defendeu os direitos dos trabalhadores, a igualdade de gênero e a implementação de programas de apoio aos desempregados e às famílias carentes.

A líder alemã também se tornou muito próxima de Lenin, a ponto de influenciar algumas das políticas de apoio às mulheres implementadas pelo governo revolucionário soviético. Ela representou o KPD em congressos internacionais e defendeu veementemente a unidade dos movimentos operários europeus.

Clara integrou o comitê central do KPD e tornou-se integrante do comitê executivo da Comintern. Ela também foi fundadora e dirigente da Internacional Comunista das Mulheres, criada em 1920, e do Socorro Vermelho Internacional, estabelecido em 1922.

Ao longo dos anos 20, Clara denunciou energicamente os riscos representados pela ascensão da extrema-direita. Em 1923, ela publicou o ensaio “O Fascismo”, em que identificava a eclosão dos movimentos fascistas como parte de uma reação violenta da burguesia contra o avanço do socialismo. A autora alertava que o fascismo explorava demagogicamente a frustração da classe trabalhadora, mas que tinha como objetivo esmagar o movimento operário e fortalecer as estruturas do capitalismo.

Foi Clara quem presidiu a sessão inaugural do parlamento alemão em 1932. Nessa ocasião, ela proferiu um discurso histórico em que denunciava o nazismo como “a forma mais cruel de ditadura do capital financeiro” e conclamava a unidade da classe trabalhadora contra a barbárie.

O gesto, aplaudido por uns e hostilizado por outros, selou sua despedida do parlamento. Em 1933, os nazistas chegaram ao poder e Adolf Hitler foi nomeado chanceler da Alemanha. O KPD foi banido e seus membros, incluindo Clara, passaram a ser perseguidos.

Com a saúde muito debilitada, Clara Zetkin foi forçada a fugir de seu país. Ela buscou refúgio na União Soviética, vivendo seus últimos dias em Arkhangelskoye, nos arredores de Moscou. Faleceu em 20 de junho de 1933, aos 75 anos de idade. O funeral reuniu as mais importantes lideranças comunistas da Europa e suas cinzas foram depositadas no mausoléu do Muro do Kremlin, na Praça Vermelha.