Quarta-feira, 26 de março de 2025
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Há 64 anos, em meados de março de 1961, tinha início a Campanha Nacional de Alfabetização de Cuba. Criada dois anos após o triunfo da Revolução Cubana, a campanha mobilizou cerca de 270 mil voluntários — sobretudo jovens estudantes, enviados para as zonas rurais e urbanas de todo o país para ensinar os mais velhos a ler e a escrever.

Considerada uma das mais bem sucedidas iniciativas educacionais da história, a campanha reduziu a taxa de analfabetismo em Cuba de 38% para 3,9% em apenas nove meses. Já em dezembro 1961, Cuba foi reconhecida como Território Livre de Analfabetismo.

A campanha ajudou a promover a inclusão social e consolidou o apoio popular ao governo revolucionário. O modelo cubano de alfabetização tornou-se uma referência internacional, servindo de base para uma série de projetos em diversos países nas décadas seguintes.

Os desafios da revolução

Até meados do século 20, Cuba enfrentava enormes problemas de escolaridade. O sistema educacional era marcado pela desigualdade de acesso e de oportunidades, excluindo as camadas mais pobres da população.

No fim da década de 1950, a taxa de analfabetismo em Cuba chegava a 38%. Nas áreas rurais, o problema era ainda mais grave — 47,1% dos adultos não sabiam ler ou escrever. Cerca de dois milhões de cubanos eram analfabetos ou semianalfabetos.

A alta incidência de pobreza levava os jovens a interromperem os estudos para trabalhar, alimentando a evasão escolar. Em 1958, 600 mil crianças em idade escolar estavam fora das escolas.

O combate ao analfabetismo estava entre as prioridades estabelecidas pelo Movimento 26 de Julho em sua fase inicial. Ainda durante a Revolução Cubana, os guerrilheiros instalaram escolas e criaram programas de alfabetização para camponeses nas áreas libertadas de Serra Maestra e Serra Cristal.

Em março de 1959, apenas dois meses após a queda de Fulgencio Batista, o governo revolucionário criou a Comissão Nacional de Alfabetização e Educação Fundamental, voltada a organizar o trabalho pedagógico e a formação de alfabetizadores. Em setembro de 1960, na tribuna da Assembleia Geral da ONU, Fidel Castro anunciou que Cuba se tornaria “o primeiro país das Américas a não ter nenhum cidadão analfabeto”.

A educação era vista como uma ferramenta essencial para o sucesso da Revolução Cubana — um meio de buscar a hegemonia do pensamento revolucionário, inspirando a população a se engajar na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária. Associava-se também à retórica da criação do “Novo Homem” defendida por Che Guevara, como elemento indispensável para fomentar o altruísmo e a cooperação entre os trabalhadores.

Partiu de Che Guevara a sugestão para que o governo cubano declarasse 1961 como “o ano da educação”. O revolucionário argentino também supervisionou a criação das primeiras brigadas de alfabetização.

A campanha

A Campanha Nacional de Alfabetização teve início em março de 1961, envolvendo o governo central, províncias, municípios e organizações da sociedade civil. As ações foram elaboradas de forma a incentivar o contato entre segmentos da sociedade que não interagiam, de modo a possibilitar a troca de experiências, a superação das barreiras sociais e o fortalecimento da solidariedade e da identidade nacional.

Assim, professores das áreas urbanas foram enviados para ambientes rurais, para que vivenciassem as condições de vida e as dificuldades dos camponeses. “Vocês vão ensinar e vocês também vão aprender”, esclareceu Fidel Castro aos alfabetizadores.

A campanha foi conduzida por um grupo de 15 mil profissionais, reunidos na “Brigada dos Professores”. Eles foram responsáveis por estabelecer o programa didático e produzir todo o material utilizado na campanha. Também foram inaugurados 844 novos centros educacionais.

Havia duas cartilhas principais: “Alfabeticemos”, para uso dos educadores, e “Venceremos”, utilizada pelos educandos. Na primeira fase, foi criada a “Brigada dos Alfabetizadores Populares”, composta por adultos alfabetizados que se voluntariavam a ensinar colegas de trabalho, vizinhos e familiares a ler e escrever.

Houve um cuidado especial com a inclusão de trabalhadores fabris. Ao menos 13 mil operários de fábricas foram preparados para alfabetizar os colegas de trabalho após o expediente.

Na segunda fase do projeto, as escolas foram temporariamente fechadas e mais de 100 mil estudantes voluntários, cursando da 6ª série em diante, foram organizados nas frentes estudantis da “Brigada Conrado Benitez”. Os estudantes recebiam treinamento intensivo e eram então enviados para todas as regiões de Cuba, sob a orientação de tutores, para alfabetizar a população não letrada.

campanha alfabetização Cuba
Liborio Noval/ Granma/ Unesco
Voluntários das brigadas de alfabetização celebram a bem sucedida campanha cubana de erradicação do analfabetismo

Na terceira e última fase, o governo instituiu uma frente remunerada — a “Brigada Pátria ou Morte”, reunindo 15 mil trabalhadores contratados para identificar e incluir grupos remanescentes de analfabetos no programa e lecionar em locais remotos ou de difícil acesso.

Mais de um milhão de cubanos atuaram na Campanha Nacional de Alfabetização, incluindo 268 mil voluntários. A adesão em massa dos cubanos reflete o otimismo e o entusiasmo com as mudanças operadas ao longo do processo revolucionário.

Para os voluntários, atuar na campanha era um meio de contribuir com a própria revolução — um chamariz particularmente atraente para os mais jovens, que se ressentiam de não terem participado da guerra revolucionária.

A campanha também contou com ampla participação feminina, com mulheres perfazendo maioria entre os educadores. A alfabetização em massa das mulheres cubanas contribuiu enormemente para a autonomia feminina, estimulando a participação das mulheres no movimento revolucionário e sua inserção em áreas tradicionalmente dominadas por homens.

O legado da campanha

A identificação dos educadores como agentes ideológicos do governo revolucionário estimulou uma série de ataques contra a Campanha Nacional de Alfabetização, rotulada por opositores como “lavagem cerebral”.

Dezenas de alfabetizadores foram assassinados por milicianos durante a Revolta de Escambray — levante armado contrarrevolucionário financiado pela CIA.

O governo norte-americano também conduziu secretamente uma campanha de pânico moral, ajudando a difundir o boato de que o governo cubano pretendia abolir os direitos parentais e internar as crianças em centros de doutrinação comunista (o chamado “Embuste da Patria Potestad”). O boato gerou um êxodo clandestino de 14 mil crianças rumo aos Estados Unidos, viabilizado por meio da Operação Peter Pan.

Apesar dos percalços, a campanha foi extremamente bem sucedida. Mais de 700 mil cubanos foram alfabetizados em um semestre. A taxa de analfabetismo, que era de 38% em 1959, despencou para 3,9% ao término da campanha.

Em apenas oito meses, Cuba passou a deter um dos melhores índices de alfabetização do mundo, análogo ao das nações desenvolvidas. Em 22 de dezembro de 1961, a Unesco reconheceu Cuba como “Território Livre de Analfabetismo”.

Cuba segue até hoje como o país com a menor taxa de analfabetismo das Américas (0,2%). O sistema educacional cubano também é reconhecido pelo Banco Mundial como o melhor da América Latina.

A Campanha Nacional de Alfabetização de Cuba tornou-se uma referência internacional e inspirou projetos análogos em 15 países. O governo cubano enviou missões educacionais para implementar projetos baseados na experiência em nações como Haiti, Nicarágua e Moçambique.

A campanha também serviu de base para que a educadora cubana Leonela Relys criasse um método inovador de alfabetização de adultos intitulado “Yo, sí puedo”. O método foi aplicado com sucesso em mais de 30 países, ajudando a alfabetizar 3,5 milhões de pessoas e a erradicar o analfabetismo na Bolívia e na Venezuela.

No Brasil, o método “Yo, sí puedo” é utilizado em projetos de alfabetização conduzidos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em reconhecimento aos esforços do país na luta contra o analfabetismo, a Unesco concedeu a Cuba o Prêmio de Alfabetização Rei Sejong.