Crimes da ditadura: 54 anos do assassinato de Stuart Angel Jones
Há 54 anos, em 14 de maio de 1971, Stuart Angel Jones era capturado, torturado e assassinado pelo aparato repressivo da ditadura militar brasileira
Há 54 anos, em 14 de maio de 1971, Stuart Angel Jones era capturado, torturado e assassinado pelo aparato repressivo da ditadura militar brasileira.
Atleta do Flamengo na juventude, Stuart participou ativamente da resistência contra o regime militar, tornando-se um dos dirigentes do Movimento Revolucionário 8 de Outubro — uma das organizações mais combativas da luta armada.
O corpo de Stuart nunca foi entregue à sua família. Após o desaparecimento, sua mãe, Zuzu Angel, deu início a uma busca incansável pelo filho e liderou uma campanha internacional de denúncia dos crimes da ditadura.
A persistência na busca incomodou o regime, culminando com o assassinato de Zuzu cinco anos mais tarde. A viúva de Stuart, Sônia de Moraes Angel, também seria morta pelos militares.
Quem foi Stuart Angel
Stuart Angel Jones nasceu em Salvador, Bahia, em 11 de janeiro de 1946. Ele era o filho primogênito do empresário norte-americano Norman Jones e da estilista mineira Zuzu Angel. Após o nascimento de Stuart, o casal se mudou para o Rio de Janeiro, onde nasceram outras duas filhas — Ana Cristina e Hildegard Angel.
Na antiga capital, Stuart se dedicou ao esporte, sua grande paixão. Ele praticou tênis, natação, capoeira, surfe e halterofilismo. Foi no remo, entretanto, que descobriu sua vocação.
Ainda adolescente, Stuart se tornou atleta do Clube de Regatas Flamengo. Ele seria bicampeão carioca de remo, ajudando o clube a conquistar os títulos de 1964 e 1965. Também atuou como remador do Botafogo.
Stuart conciliava a carreira de atleta com os estudos. Em 1966, ele ingressou no curso de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Foi durante a graduação que o jovem intensificou sua militância política, somando-se à luta do movimento estudantil contra a ditadura militar.
Desde o golpe de 1964, o movimento estudantil havia se consolidado como um dos principais núcleos de oposição ao regime. A comunidade acadêmica da UFRJ protagonizou algumas das ações mais emblemáticas da resistência estudantil, incluindo a ocupação da Faculdade Nacional de Medicina — violentamente retomada pelos militares no chamado “Massacre da Praia Vermelha”.
Na UFRJ, Stuart conviveu com Sônia de Moraes, também estudante de economia e militante do movimento estudantil. Eles iniciaram um relacionamento amoroso e se casaram em agosto de 1968.
O MR-8
O movimento estudantil forneceu a maior parte dos quadros que aderiram à luta armada contra a ditadura militar. O recrudescimento do autoritarismo e a violenta repressão do regime levaram muitos estudantes a perderem a confiança na oposição institucional, passando a enxergar a luta armada como única opção factível de resistência.
Foi o caso de Stuart. Em meados dos anos 60, ele ingressou na Dissidência Comunista da Guanabara (DI-GB), uma cisão do Partido Comunista Brasileiro (PCB) que se havia se tornado bastante influente no movimento estudantil do Rio de Janeiro.
Em 1969, a DI-GB foi incorporada ao Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8), um grupo da resistência armada fundado dois anos antes por outra fração do PCB, a Dissidência do Rio de Janeiro (DI-RJ).
Concebido sob uma diretriz marxista-leninista, o MR-8 tinha como foco a guerrilha urbana. A organização foi responsável por conduzir uma das ações mais ousadas da luta armada contra o regime: o sequestro de Charles Burke Elbrick, o embaixador dos Estados Unidos no Brasil.
Elbrick foi capturado em setembro de 1969, em uma operação conjunta do MR-8 e da Ação Libertadora Nacional (ALN). O embaixador foi solto dois dias depois, em troca da libertação de 15 presos políticos e da publicação de um manifesto dos guerrilheiros pela imprensa.
Usando os codinomes “Paulo” e “Henrique”, Stuart atuou em diversas ações da resistência e chegou a se tornar um dirigente do MR-8. Sua esposa, Sônia, também participou da luta revolucionária, integrando os quadros da ALN, a organização de Carlos Marighella.
Prisão e assassinato
Após o sequestro do embaixador norte-americano, os militares reforçaram as ações de repressão à resistência, lançando uma série de operações que visavam eliminar completamente a luta armada.
Conforme registrado no inquérito policial, Stuart foi acusado de ajudar a planejar a captura do embaixador. Ele se tornou, portanto, um alvo prioritário, monitorado pelos órgãos de repressão.
Em 14 de maio de 1971, Stuart foi preso por agentes do Centro de Informações da Aeronáutica (CISA), durante uma operação que desmantelou um “aparelho” do MR-8 no bairro do Grajaú, na Zona Norte do Rio de Janeiro.

Fotógrafo desconhecido/Wikimedia Commons.
Em seguida, ele foi levado para a Base Aérea do Galeão, onde foi interrogado sobre o paradeiro do capitão Carlos Lamarca, então líder do MR-8. Os agentes suspeitavam que Stuart tinha um encontro marcado com o capitão.
O jovem se negou a revelar a localização de Lamarca, sendo submetido a espancamentos e a uma grotesca sessão de tortura. O guerrilheiro Alex Polari, preso no mesmo local, testemunhou de sua janela as torturas às quais Stuart foi submetido.
O estudante foi amarrado a um carro e arrastado por todo o pátio do quartel. Depois, foi obrigado a aspirar os gases tóxicos que saíam do escapamento do veículo. Como seguiu se negando a colaborar com os militares, foi morto na mesma noite. Ele tinha 25 anos de idade.
Os restos mortais de Stuart nunca foram encontrados. Reinaldo Cabral e Ronaldo Lapa relatam no livro Desaparecidos Políticos que seu corpo teria sido levado para uma unidade militar na região da Restinga da Marambaia e então jogado em alto mar por um helicóptero da Marinha. Outras fontes sugerem que Stuart foi enterrado como indigente em um cemitério nos subúrbios cariocas, possivelmente em Inhaúma.
Conforme apurado por Cabral e Lapa, os responsáveis pela prisão, tortura e morte de Stuart teriam sido os brigadeiros João Paulo Burnier e Carlos Afonso Dellamora, os tenentes-coronéis “Abílio Alcântara” e Muniz, os capitães Lúcio Barroso e Alfredo Poeck, o major Pena e os agentes do DOPS Mário Borges e Jair Gonçalves da Mota.
Em 2013, descobriu-se que “Abílio Alcântara” era, na verdade, o codinome utilizado pelo sargento Abílio Correa de Souza, um suboficial da aeronáutica treinado em contraespionagem na Escola das Américas, em Forte Gulick, no Panamá.
A Escola das Américas é um instituto subordinado ao Departamento de Defesa dos Estados Unidos que tinha por objetivo a “formação de contrainsurgência anticomunista”.
A instituição treinou boa parte dos militares latino-americanos em técnicas de tortura durante a Guerra Fria, incluindo líderes acusados de genocídio e crimes contra a humanidade como Leopoldo Galtieri e Manuel Noriega.
Conforme relatos de testemunhas, Abílio Correa de Souza teria sido a última pessoa a ver Stuart com vida em sua cela.
A busca de Zuzu
A mãe de Stuart, Zuzu Angel, foi informada sobre o que ocorrera com o filho por meio de uma carta escrita por Alex Polari. Começou então a pressionar os militares, cobrando explicações sobre o ocorrido e informações sobre o paradeiro do corpo de Stuart.
Bem relacionada no mundo da moda, Zuzu conseguiu criar uma campanha de impacto internacional, organizando desfiles-protestos com roupas aludindo às torturas e assassinatos, atraindo a atenção da imprensa estrangeira.
Baseando-se na dupla cidadania do filho, que também era cidadão norte-americano, Zuzu Angel tentou levar o assunto até o congresso dos Estados Unidos apelando ao senador Ted Kennedy. Ela também tentou obter a intervenção do secretário de estado, Henry Kissinger, entregando-lhe um dossiê sobre Stuart.
Apoiador do regime militar brasileiro, o governo dos Estados Unidos apenas a ignorou. A pressão internacional, entretanto, fez algum estrago sobre a imagem do regime militar, forçando os generais a trocarem todo o alto comando da Aeronáutica.
Zuzu Angel morreu em 14 de junho de 1976, num atentado disfarçado de acidente de automóvel, no bairro carioca de São Conrado, sem jamais descobrir o paradeiro do corpo do filho. Em 30 de novembro de 1973, a viúva de Stuart, Sônia de Moraes Angel, seria igualmente assassinada por agentes do DOI-CODI de São Paulo.
Homenagens póstumas
O relatório da Comissão Nacional da Verdade publicado em 2014 admitiu a responsabilidade do Estado brasileiro no desaparecimento forçado de Stuart Angel Jones. Cinco anos depois, Hildegard Angel obteve a certidão de óbito do irmão, reconhecendo-o como vítima da repressão da ditadura.
As histórias de Stuart e de sua mãe, Zuzu, foram levadas ao cinema pelo filme Zuzu Angel, dirigido por Sérgio Rezende. Stuart também inspirou o romance Em carne viva, escrito por José Louzeiro.
Em 2010, Stuart foi homenageado com a instalação de um memorial na sede náutica do Flamengo. Seis anos depois, entretanto, o busto e a placa homenageando Stuart foram removidos e estão desaparecidos desde então. Um segundo busto de Stuart foi inaugurado em 2015, em frente ao campus da UFRJ na Urca.
Em 2019, na final da Taça Rio, um grupo de torcedores do Flamengo homenageou Stuart estampando seu nome na camisa do time. O clube buscou se distanciar da ação, divulgando uma nota para negar vínculos com a iniciativa e afirmando desaprovar quaisquer “manifestações políticas”.
