Há 53 anos, em 20 de agosto de 1971, Iara Iavelberg era assassinada por agentes da ditadura militar brasileira. Psicóloga, professora e militante marxista, Iara foi companheira de Carlos Lamarca e participou da luta armada contra a ditadura.
Os agentes do regime classificaram a morte de Iara como suicídio, mas a versão fraudulenta foi contestada desde o início por seus familiares, amigos e organizações de direitos humanos.
Iara Iavelberg nasceu em São Paulo, em 7 de maio de 1944, em uma família afluente de origem judaica. Cedendo à pressão familiar, casou-se com um médico quando tinha apenas 16 anos de idade. Muito conturbado, o relacionamento chegaria ao fim três anos depois. Iara passaria então a se dedicar aos estudos.
Em 1964, Iara ingressou no curso de psicologia da Universidade de São Paulo (USP) — mesmo ano que João Goulart foi deposto pelo golpe militar. Ocupou-se do estudo do marxismo e começou a atuar no movimento estudantil, onde causaria impacto por sua desenvoltura, inteligência e beleza, ganhando o epíteto de “musa da resistência”. Namorou por um breve período com José Dirceu, então vice-presidente do Diretório Central dos Estudantes da PUC-SP.
Reagindo ao agravamento da repressão, Iara aderiu às organizações da esquerda radical. Militou na Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop), na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares). Em abril de 1969, iniciou um relacionamento amoroso com Carlos Lamarca, ex-capitão do Exército Brasileiro e um dos principais líderes da guerrilha. Os dois começaram a viver juntos e tiveram de passar meses se escondendo dos aparelhos repressivos.
Em 1970, após o assassinato de Carlos Marighella, Iara, Lamarca e um grupo de guerrilheiros deixaram a capital paulista e partiram para o Vale do Ribeira, onde estabeleceram um núcleo de treinamento de guerrilha. Iara recebia treinamento militar e administrava aulas de teoria marxista aos guerrilheiros. O núcleo teve de ser abandonado pouco tempo depois, após ser atacado por uma incursão do II Exército.
Poucos meses depois, Lamarca coordenaria o sequestro do embaixador suíço Giovanni Bucher, libertado em troca da soltura de 70 presos políticos. A ação foi bem sucedida, mas resultou no agravamento da repressão, que desarticulou por completo a VPR. Em 1971, Iara e Lamarca ingressaram no Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8). Ela passou a atuar na cúpula da organização e Lamarca foi incumbido de organizar uma nova célula revolucionária no interior da Bahia.
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Em junho do mesmo ano, Iara e Lamarca estiveram juntos pela última vez. O ex-capitão seguiu para a região da Chapada Diamantina e Iara foi para Salvador, passando a morar em um apartamento no bairro da Pituba. Pouco tempo depois, a polícia do Rio de Janeiro prendeu o guerrilheiro José Carlos de Souza, que, sob tortura, entregou a localização de Iara.
O Exército montou então uma ofensiva para capturar o casal, intitulada Operação Pajussara, articulada em conjunto com o DOI-CODI baiano e chefiada pelo delegado Sérgio Fleury.
Na madrugada do dia 20 de agosto, o coronel Luiz Arthur de Carvalho e seus agentes cercaram e invadiram o prédio onde Iara residia em Salvador e atacaram o apartamento com bombas de gás lacrimogêneo. Conforme o relato dos militares, Iara teria se suicidado com um tiro no peito para evitar sua prisão. Ela tinha 27 anos de idade. Na mesma operação, os militares prenderam Nilda Carvalho Cunha, uma jovem de 17 anos, também militante do MR-8, que morava no local.
Nilda seria submetida a severas torturas e morreria três meses depois. A mãe de Nilda, Esmeraldina Carvalho Cunha, denunciou as atrocidades cometidas contra sua filha e também morreu em circunstâncias suspeitas. Em 2006, a Comissão Nacional da Verdade reconheceu a participação da ditadura na morte de Esmeraldina. Lamarca, por sua vez, seria executado pela ditadura em 19 de setembro de 1971.
O corpo de Iara foi deixado por um mês em uma gaveta no IML e posteriormente entregue à família em um caixão lacrado, com sua abertura sendo expressamente vetada. Iara foi sepultada na ala dos suicidas do Cemitério Israelita do Butantã, com os pés voltados para a lápide, de costas para os demais jazigos, em referência à “desonra” do ato do suicídio. Os familiares e amigos de Iara, entretanto, nunca acreditaram no relato oficial, conjecturando que o suicídio fora forjado.
Em 1997, durante o depoimento do jornalista Bernardino Furtado à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, a suspeita se confirmou. O jornalista revelou que o sargento Rubem Otero, que participara da operação em 1971, afirmou ter disparado contra Iara. A informação foi posteriormente inclusa no livro Lamarca – O Capitão da Guerrilha, escrito por Emiliano José e Oldack Miranda.
A presença de marcas de tiros nas paredes do apartamento onde Iara morava foi confirmada pela dona do imóvel. Além disso, arquivos da Polícia Federal na Bahia traziam o registro de que Iara havia gritado “eu me entrego” aos agentes antes de sua morte. A família de Iara exigiu na justiça a exumação do corpo da militante, obtendo tal permissão após uma longa batalha jurídica. Os restos mortais da guerrilheira foram analisados por Daniel Romero Muñoz, professor de medicina legal da USP, que concluiu que o tiro que matou a guerrilheira foi disparado de longa distância, descartando, dessa forma, a hipótese de suicídio.
Com base nas novas informações, a família conseguiu obrigar a Federação Israelita de São Paulo a reposicionar os restos mortais de Iara, removidos da ala dos suicidas do Cemitério Israelita. Em 2004, no segundo ano do governo Lula, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos do Governo Federal reconheceu oficialmente a responsabilidade do Estado brasileiro pela morte de Iara Iavelberg.
A militante foi homenageada emprestando seu nome ao Centro Acadêmico do Instituto de Psicologia da USP. Sua trajetória foi extensamente detalhada no livro Iara: Reportagem Biográfica, de Judith Lieblich Patarra. Em 2014, Mariana Pamplona, sobrinha da guerrilheira, lançou o documentário Em Busca de Iara, com novas informações que desmentem a farsa montada pela ditadura militar para encobrir o assassinato da militante. A obra recebeu menção honrosa do festival “É Tudo Verdade”.