Há 65 anos, em 4 de março de 1960, o navio a vapor francês “La Coubre”, carregado de armas adquiridas pelo governo de Cuba, explodia após atracar no porto de Havana, deixando um saldo de centenas de mortos e feridos.
A explosão do cargueiro, fruto de sabotagem, foi denunciada por Fidel Castro como uma das primeiras agressões bélicas perpetradas pelos Estados Unidos contra o governo revolucionário cubano.
Armas para a revolução
O triunfo da Revolução Cubana em 1959 representou um grande revés para os interesses dos Estados Unidos no Caribe. A queda de Fulgencio Batista retirou Cuba do círculo de influência dos Estados Unidos e alimentou o ímpeto nacionalista do povo cubano em favor do ideário de soberania e autodeterminação.
O governo revolucionário confiscou terras e nacionalizou os ativos de bancos e empresas norte-americanas. Washington respondeu acusando Cuba de “violar os direitos humanos” e “seguir a agenda bolchevique”, buscando isolar a nação caribenha na arena diplomática e preparar o terreno para as subsequentes sanções econômicas.
Prevendo que a hostilidade contra a ilha iria se agravar cada vez mais, Fidel Castro buscou recompor o arsenal cubano, a fim de defender o país de intentos contrarrevolucionários e eventuais intervenções externas. Emissários do governo cubano foram então enviados à Bélgica, onde adquiriram um grande volume de espingardas, fuzis, granadas e munições.
O material foi embarcado no porto de Antuérpia e transportado até Havana pelo cargueiro a vapor francês “La Coubre”. A embarcação aportou no cais de Tallapiedra em 4 de março de 1960, carregando 76 de toneladas de armamentos.
A explosão
Tripulantes e estivadores tinham começado a descarregar o navio quando a primeira bomba foi detonada no interior da embarcação, por volta das 15 horas. O estrondo chocou os trabalhadores portuários e uma multidão de civis se dirigiu ao local.
Soldados do Exército Rebelde, membros da Polícia Nacional Revolucionária, bombeiros e populares se apressaram em ingressar na embarcação para ajudar os feridos e resgatar os sobreviventes.
Meia hora depois, uma outra bomba ainda mais potente foi detonada. A segunda explosão foi extremamente violenta, reduzindo a embarcação a escombros e formando uma gigantesca coluna de fumaça, que podia ser vista de todos os pontos de Havana.
No momento da explosão, Che Guevara, que era médico formado, participava de uma reunião na sede do Instituto Nacional de Reforma Agrária. Após ser notificado do ocorrido, dirigiu-se até o cais e passou a prestar atendimento médico aos tripulantes e estivadores feridos.

Fumaça do vapor “La Coubre”, após a explosão no porto de Havana
Fidel Castro imediatamente atribuiu a explosão à sabotagem dos Estados Unidos, afirmando ser “o trabalho de quem não deseja que recebamos armas para nos defendermos”.
A explosão do La Coubre deixou um total de 101 mortos, 34 desaparecidos e mais de 400 feridos. Dezenas de pessoas foram mutiladas e pelo menos 82 crianças ficaram órfãs.
A explosão do “La Coubre” indignou e comoveu a população, que compareceu em peso à cerimônia fúnebre em homenagem às vítimas, realizado em 5 de março no Cemitério Colón. No discurso proclamado durante o funeral, Fidel Castro exortou o povo cubano à defesa da soberania nacional e verbalizou pela primeira vez a expressão “Pátria ou Morte”, que se tornaria o lema máximo dos revolucionários.
Foi também durante o funeral das vítimas do “La Coubre” que o semblante circunspecto de Che Guevara acabou eternizado em um registro feito por Alberto Korda — a fotografia intitulada “Guerrilheiro Heroico”, que se converteria na imagem mais reproduzida do século XX.
Responsabilidade pelo ataque
Christian Herter, Secretário de Estado da Casa Branca durante o governo de Dwight Eisenhower, negou veementemente o envolvimento dos Estados Unidos na sabotagem do “La Coubre”, rotulando as acusações de Fidel Castro como “absurdas”.
Poucos dias depois, entretanto, o jornal Miami Herald publicou um relato de Jack Lee Evans, tripulante da embarcação que afirmava ter ouvido um militante anticomunista organizando um complô para explodir o cargueiro em conluio com William Alexander Morgan, um miliciano norte-americano a serviço da CIA que havia se infiltrado entre os revolucionários.
Morgan negou ter estado na embarcação, mas foi preso sete meses depois, após tentar derrubar Fidel Castro e incitar um levante anticomunista durante a Revolta de Escambray. Morgan foi fuzilado pelos revolucionários cubanos em março de 1961.
O envolvimento de Morgan sugere que a explosão do “La Coubre” foi uma das muitas ações de sabotagem levadas a cabo pela Operação 40 — ação clandestina conduzida pela CIA a partir de março de 1960, com o objetivo de derrubar o governo de Fidel Castro.
Outros documentos reforçam as suspeitas sobre o envolvimento dos Estados Unidos na explosão. Relatórios coevos mostram que o cônsul dos Estados Unidos em Antuérpia fez repetidos esforços para tentar impedir o embarque do armamento e que agentes norte-americanos tiveram acesso à embarcação durante paradas em Bremen, Hamburgo e Liverpool.
Os arquivos produzidos pelo Pentágono acerca do “La Coubre” jamais foram divulgados. A Associação French Lines, sediada em Le Havre, conserva um vasto dossiê sobre a explosão do cargueiro, mas, por pressão do governo dos Estados Unidos, decretou a confidencialidade dos arquivos por 150 anos.