Desmond Tutu e a luta contra o apartheid
Expoente da ala progressista da Comunhão Anglicana, o reverendo sul-africano foi laureado com um Nobel da Paz
Há 40 anos, o reverendo sul-africano Desmond Tutu era laureado com o Prêmio Nobel da Paz. Expoente da ala progressista da Comunhão Anglicana, Desmond Tutu se destacou por sua luta contra o regime segregacionista do apartheid.
Desmond Tutu nasceu em 7 de outubro de 1931, em uma família humilde de Klerksdorp, na província sul-africana de Transvaal. Após concluir o ensino básico em uma escola metodista de Joanesburgo, obteve uma bolsa de estudos para ingressar no curso de magistério no Bantu Normal College de Pretória. Trabalhou por alguns anos como professor da rede pública, mas renunciou ao cargo em protesto contra a aprovação da Lei de Educação Bantu, que aprofundava o regime de segregação nas escolas do país.
Ingressou na carreira religiosa em meados da década de 1950, após cursar teologia no Saint Peter’s College, em Rosettenville, destacando-se, nas palavras do reitor Godfrey Pawson, por sua “dedicação, conhecimento e inteligência excepcionais”. Após ser ordenado sacerdote da Igreja Anglicana, obteve financiamento do Conselho Missionário Internacional para aprofundar seus estudos teológicos no King’s College de Londres.
Após retornar à África do Sul, Tutu tornou-se o primeiro professor negro do Seminário Teológico Federal. Também lecionou teologia em universidades de Botsuana, Lesoto e Suazilândia, e assumiu o cargo de diretor do Fundo de Educação Teológica para a África.
Em 1975, foi o primeiro negro a ser nomeado deão da Catedral de Santa Maria, em Joanesburgo. Três anos depois, assumiu o cargo de secretário-geral do Conselho de Igrejas da África do Sul.
Na liderança do Conselho de Igrejas, Tutu desenvolveu um importante trabalho de promoção dos direitos humanos e se converteu em um dos mais proeminentes opositores do apartheid — violento regime de segregação racial que perdurou por quase cinco décadas na África do Sul, relegando a maioria negra do país à condição de cidadãos de segunda classe.
Tutu organizou inúmeras marchas e atos públicos contra o apartheid, reunindo grandes multidões nos arredores da Catedral de São Jorge, na Cidade do Cabo — que por esse motivo ganhou o epíteto de “Catedral do Povo” e tornou-se um símbolo da luta pela democracia e direitos humanos.
O reverendo também abordava em seus textos e sermões a libertação dos presos políticos, a defesa da igualdade de negros e brancos, a unificação do sistema educacional e o fim das deportações forçadas de negros. Apoiou igualmente a campanha de boicote ao governo sul-africano movida pela comunidade internacional nos anos 80.

Benny Gool / Wikimedia Commons
Desmond Tutu, retratado por Benny Gool, em 2004
Tutu foi ameaçado de morte por supremacistas brancos, rejeitado por setores conservadores Igreja Anglicana e perseguido e preso pelo governo sul-africano em função de seu ativismo político. Não obstante, seu prestígio internacional o manteve a salvo de represálias mais severas.
Em 1981, Tutu discursou no Comitê Especial da ONU contra o apartheid e se reuniu com o Papa João Paulo II e outros líderes religiosos para articular a luta internacional contra o regime segregacionista.
Em 1984, Tutu foi laureado com o Prêmio Nobel da Paz, após três indicações consecutivas.
Já em 1985, Tutu foi nomeado bispo de Joanesburgo e no ano seguinte tornou-se o primeiro negro a ocupar o posto de Arcebispo da Cidade do Cabo — o cargo mais importante da hierarquia anglicana na África Meridional. Durante seu arcebispado, buscou construir um modelo de gestão compartilhada, baseada na construção de consensos, e encampou a luta pela introdução das mulheres como reverendas.
Tutu organizou novos atos exigindo a libertação de Nelson Mandela e o fim do regime do apartheid.
Após a libertação de Mandela, Tutu agiu como mediador dos grupos étnicos rivais em torno da articulação de um modelo de democracia multirracial. Ele apoiou firmemente a eleição de Mandela em 1994 e foi nomeado para chefiar a Comissão de Verdade e Reconciliação, responsável por investigar e punir abusos de direitos humanos cometidos pelo governo sul-africano nas décadas anteriores.
Nos últimos anos, Tutu encampou a luta pelos direitos dos homossexuais, apoiou a causa da libertação da Palestina e condenou o sionismo como uma manifestação análoga ao apartheid. Também criticou o militarismo e as intervenções conduzidas pelos Estados Unidos no Oriente Médio e na África, nomeadamente os massacres de civis ocorridos no âmbito da Guerra do Iraque. Foi também forte opositor das medidas e impopulares e autoritárias levadas a cabo pelos presidentes sul-africanos Thabo Mbeki e Jacob Zuma.
Faleceu em 21 de dezembro de 2021, aos 90 anos.