Há 142 anos, em 18 de setembro de 1882, nascia o inventor franco-hispano-brasileiro Dimitri Sensaud de Lavaud, um dos pioneiros da aviação mundial. Dimitri foi responsável por realizar o primeiro voo de avião do Brasil e de toda a América Latina, utilizando uma aeronave que ele mesmo construiu — o monomotor “São Paulo”, primeiro avião produzido no Brasil. Dimitri se destacou ainda por contribuições em outras áreas da engenharia, sobretudo a metalúrgica e a automotiva, tendo recebido centenas de patentes por suas inovações tecnológicas.
A primeira década do século XX foi marcada por muitas experiências pioneiras no campo da aeronáutica, com inventores do mundo inteiro devotados ao aperfeiçoamento de aeróstatos e planadores e às tentativas de criar um aparelho motorizado mais pesado do que o ar.
Em 1906, o brasileiro Alberto Santos Dumont seria responsável por concretizar a mais notável dessas façanhas, realizando o primeiro voo de uma aeronave mais pesada do que o ar a ser homologado pelo Aeroclube da França e pela Federação Aeronáutica Internacional. No ano seguinte, Santos Dumont inventaria o “Demoiselle”, o primeiro ultraleve da história.
Os feitos de Santos Dumont inspiraram aeronautas do mundo inteiro e impulsionaram o desenvolvimento da aviação. No Brasil, o inventor Dimitri Sensaud de Lavaud seria responsável por estabelecer os primeiros marcos da aviação nacional. Nascido na Espanha em 18 de setembro de 1882, Dimitri era descendente de uma família da pequena nobreza da França.
Em 1898, aos 16 anos de idade, Dimitri se mudou com a família para o Brasil. O pai, Evariste Sensaud de Lavaud, buscava novas oportunidades de negócios. A família se estabeleceu em Osasco, à época um bairro longínquo da Zona Oeste de São Paulo. Na região, fundaram a Cerâmica Sensaud de Lavaud, que se tornaria uma das olarias mais importantes do estado de São Paulo.
Dimitri se naturalizou brasileiro e desenvolveu uma grande admiração por Santos Dumont. A exemplo de muitos nomes de sua geração, o jovem ansiava pela oportunidade de realizar o primeiro voo no Brasil. Dimitri nunca frequentou nenhum curso superior, mas dedicava-se ao estudo da engenharia e da aeronáutica como autodidata. Em 1908, começou a trabalhar naquele que viria a ser o primeiro avião inteiramente construído no Brasil — o monomotor “São Paulo”.
A aeronave levou quase dois anos para ficar pronta. Possuía uma envergadura de 10,2 metros, estrutura feita de madeira e rodas de bicicleta. A fuselagem era inspirada no “Blériot”, com cobertura de cretone envernizado. O “São Paulo” era impulsionado por um motor giratório de seis cilindros. Idealizado pelo próprio Dimitri, o motor se destacava por possuir uma potência específica superior aos modelos existentes no mercado, possibilitando uma economia de 20% na relação peso/potência. O inventor também inovou ao criar um sistema de comandos inédito, com empenagem horizontal fixada e asas articuladas que podiam ser movimentadas por alavancas.
Finalizada a aeronave, Dimitri convocou a imprensa para uma demonstração pública do voo. No dia 7 de janeiro de 1910, às 5h50 da manhã, Dimitri decolou com o “São Paulo”, estabelecendo um marco na história da aviação: o primeiro voo de uma aeronave no Brasil e em toda a América Latina.
A decolagem ocorreu nos arredores da casa de Dimitri em Osasco, no terreno onde hoje se situa a Avenida João Batista. A aeronave percorreu 103 metros em 6 segundos, elevando-se a uma altura variando de 3 a 4 metros do chão. O público aplaudiu efusivamente a façanha, que foi destaque nos principais jornais do Brasil na manhã seguinte.
Dimitri seria responsável por muitas outras invenções. Ele permanece até hoje como um dos inventores mais prolíficos da história, com mais de 1.200 patentes registradas em seu nome. Entre suas invenções mais importantes está um sistema de extrusão de tubos, que possibilitava a construção de canos sem emendas.
Patenteado nos Estados Unidos e no Canadá, o sistema teve grande impacto na indústria mundial de tubos metálicos e rendeu uma fortuna ao seu inventor. Com o dinheiro proveniente da invenção, Dimitri fundou a Companhia Brasileira de Metalurgia.
Dimitri mudou-se para a França na década de 1920 e também legou importantes contribuições a esse país — a ponto de ser condecorado como Cavaleiro da Legião de Honra pela Academia de Ciências de Paris. Em 1926, o inventor fundou sua própria companhia automobilística.
Os veículos, inteiramente desenhados por Dimitri, traziam uma série de inovações, como o volante ajustável em quatro posições e câmbio automático — sistema que somente foi popularizado no fim do século XX. Os automóveis da “Sensaud de Lavaud” chamaram a atenção de André Citroën, que chegou a cogitar a instalação da caixa de câmbio criada por Dimitri em seu Citroën Traction Avant, lançado em 1934.
Uma das invenções mais engenhosas de Dimitri também seria a causa de sua ruína. No fim da década de 1930, o inventor criou um sistema de passo variável da hélice capaz de melhorar o desempenho das aeronaves. Após a eclosão da Segunda Guerra Mundial e a ocupação da França pela Alemanha nazista, Dimitri foi coagido por oficiais alemães a fornecer o sistema para uso da Luftwaffe — a força aérea do Terceiro Reich.
Visando dissuadir os alemães da ideia, Dimitri chegou a sabotar o próprio invento em uma demonstração pública, fazendo com que uma pá da hélice se soltasse. Forneceu posteriormente aos nazistas um equipamento defeituoso. A estratégia não bastou para livrá-lo da responsabilização. Após o fim da Segunda Guerra, Dimitri foi preso sob a acusação de ter colaborado com o regime nazista.
O governo brasileiro protestou contra a prisão de Dimitri e incumbiu o embaixador Souza Dantas, bastante influente na ONU, de articular sua libertação. O inventor foi posteriormente inocentado e foi libertado após oito meses de prisão. A acusação de ser um colaborador dos nazistas e a experiência no cárcere, entretanto, deixaram consequências profundas. Dimitri mergulhou em uma depressão severa, se isolou e adoeceu. Faleceu em Paris pouco tempo depois, em 21 de abril de 1947. A acusação também teve forte impacto na avaliação de seu legado, fazendo com o que o inventor, mesmo tendo sido inocentado, caísse no ostracismo.
Nas últimas décadas, a trajetória de Dimitri tem recebido mais atenção. Nos Estados Unidos, o inventor foi tema de uma biografia lançada por Alain Cerf, intitulada “Dimitri Sensaud de Lavaud: an extraordinary engineer” (“Dimitri Sensaud de Lavaud: um engenheiro extraordinário”).
Em 2010, os pesquisadores Susana Alexandria e Salvador Nogueira lançaram o livro “1910: O Primeiro Voo do Brasil“, versando sobre seu voo pioneiro. O inventor empresta seu nome ao Museu Municipal de Osasco, que foi instalado em sua antiga residência — o Chalé Brícola, um luxuoso casarão datado de 1890. Uma réplica do monomotor “São Paulo” encontra-se conservada no Museu da TAM, em São Carlos.