Há 41 anos, em 21 de outubro de 1983, o Brasil dizia adeus ao revolucionário pernambucano Gregório Bezerra. Ativo no movimento operário desde a Greve de 1917, Gregório dedicou sua vida à luta pelos direitos dos trabalhadores e à resistência contra os regimes opressores. Gregório lutou no Levante Comunista de 1935, integrou a histórica bancada parlamentar do PCB na década de 1940 e participou da luta armada contra a ditadura militar brasileira após o golpe de 1954.
Gregório Lourenço Bezerra nasceu em 13 de março de 1900, na cidade de Panelas, no interior de Pernambuco. Oriundo de uma família humilde de lavradores, ele começou a trabalhar aos quatro anos de idade, ajudando os pais na lavoura. Ficou órfão ainda criança, perdendo o pai aos 7 e a mãe aos 9 anos de idade. Mudou-se em seguida para Recife, onde viveu como morador de rua, dormindo entre as catacumbas do Cemitério de Santo Amaro. Analfabeto até os 25 anos, Gregório trabalhou como empregado doméstico, carregador, vendedor ambulante de jornais e ajudante de obras.
Gregório participou da Greve Geral de 1917 e da agitação operária em prol de direitos trabalhistas. Tomou parte no mesmo ano de uma passeata em apoio à Revolução Bolchevique na Rússia. Foi preso por subversão e enviado para a Casa de Detenção de Recife, onde fez amizade com o cangaceiro Antônio Silvino. Liberado em 1922, Gregório se alistou no exército, servindo no Recife e no Rio de Janeiro. Alfabetizou-se como autodidata para poder ingressar na carreira militar e foi aprovado em concurso para a Escola de Sargentos de Infantaria.
Após concluir o curso em 1926, Gregório se transferiu para Recife, onde travou contato com membros do Partido Comunista do Brasil (antigo PCB), ao qual se filiaria em 1930. Nesse mesmo ano, lutou na chamada “Revolução de 1930”, movimento armado que encerrou o pacto oligárquico da República Velha e deu origem à Era Vargas. Dois anos depois, ele combateu o movimento constitucionalista de 1932 — sublevação antivarguista promovida pelas oligarquias de São Paulo.
Alocado em Fortaleza, Gregório organizou uma célula comunista clandestina no interior do exército, mas foi denunciado e transferido para Recife. Na capital pernambucana, ele passou a recrutar os militares para tomarem parte da Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização de massas vinculada ao PCB e dirigida por Luís Carlos Prestes. Em 1935, Gregório foi incumbido de organizar a rebelião militar em Recife, como parte do Levante Comunista articulado pela ANL.
Após o início do levante em Natal, Gregório tentou incitar a sublevação na capital pernambucana, mas as autoridades militares, já cientes do plano, agiram rápido para reprimir o movimento. Gregório se envolveu em uma batalha contra os militares leais ao governo, que resultou na morte do tenente Xavier Sampaio. Ferido, Gregório chegou a ocupar sozinho uma delegacia de polícia, mas acabou sendo capturado. O levante seria debelado em Pernambuco após quatro dias de luta.
Encerrado o levante, Gregório foi preso junto com seu irmão, o dirigente operário José Lourenço Bezerra. Ambos foram submetidos a sessões de tortura e José Lourenço acabou falecendo em decorrência dos maus-tratos. Gregório, por sua vez, foi condenado a 27 anos de prisão. Foi companheiro de cela de Luiz Carlos Prestes enquanto cumpria parte da pena no Rio de Janeiro. Em 1945, foi beneficiado pela anistia política e posto em liberdade.
Ainda em 1945, após a legalização do PCB, Gregório se candidatou ao cargo de deputado federal, tornando-se o segundo parlamentar mais votado de Pernambuco. Durante seu mandato, defendeu a extensão do direito de voto aos analfabetos e soldados de baixa patente, lutou pela ampliação dos direitos trabalhistas e apresentou projeto de lei de auxílio às mães solteiras. Ele também integrou a Assembleia Nacional Constituinte, ajudando a redigir o texto constitucional de 1946. No ano seguinte, entretanto, o PCB teve seu registro eleitoral anulado e em 1948, como os demais deputados do partido, Gregório teve seu mandato cassado.
Uma semana após a perda do mandato, Gregório foi preso no Rio de Janeiro, sob a falsa acusação de ter ajudado a incendiar uma instalação militar em João Pessoa, mas foi absolvido por falta de provas. Nos anos seguintes, ele viveria na clandestinidade e ajudaria a organizar o movimento operário e a luta pela reforma agrária no Paraná e em Goiás. Em 1957, Gregório nova prisão, motivada pela acusação de práticas subversivas, mas foi solto após alguns dias por força de habeas corpus. Engajou-se nas campanhas eleitorais de Cid Sampaio e de Miguel Arraes para a prefeitura de Recife e para o governo pernambucano, além de seguir atuando no movimento em prol da legalização do PCB.
Após o golpe militar de 1964 e a deposição de João Goulart, Gregório organizou a resistência em Pernambuco e tentou armar os lavradores para defender o mandato de Miguel Arraes. Capturado pelos militares, Gregório foi submetido a torturas brutais. Por ordens do coronel Darci Villocq, Gregório foi arrastado pelas ruas de Recife com uma corda amarrada em seu pescoço, enquanto o oficial instava o povo a linchá-lo, inutilmente.
Gregório foi violentamente espancado por soldados com paus e canos de ferro e teve seus pés mergulhados em ácido. Horrorizados, os populares exigiram a interrupção da tortura, que ocorreu por intervenção do general Justino Alves Bastos. Gregório teve seus direitos políticos cassados por dez anos e foi condenado a cumprir 19 anos de prisão em fevereiro de 1967.
Em 1969, Gregório foi libertado junto com outros 14 presos políticos, em troca da soltura de Charles Burke Elbrick, embaixador dos Estados Unidos que havia sido sequestrado dois dias antes por guerrilheiros do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8) e da Ação Libertadora Nacional (ALN). Banido do território nacional, Gregório foi enviado para o México. Em seguida, dirigiu-se a Cuba e de lá foi para a União Soviética, onde permaneceu como exilado durante dez anos. Mesmo distante do Brasil, foi admitido como dirigente no comitê central do PCB em 1977.
Após a aprovação da Lei da Anistia em 1979, Gregório retornou ao Brasil, consagrado como um dos grandes expoentes da luta contra a ditadura. Nesse mesmo ano, ele publicou o primeiro volume das suas “Memórias”. Em 1980, diante da cisão entre Luiz Carlos Prestes e a direção do PCB, Gregório somou-se aos apelos pela reorganização do partido. Diante da negativa, Gregório seguiu os passos de Prestes e desligou-se do PCB, endossando as críticas de que a legenda havia se tornado um partido reformista, excessivamente moderado no trato com o regime militar.
Gregório foi um dos fundadores do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e exortou os comunistas a se filiarem à agremiação, a fim de lutar pela redemocratização do país. Ele se candidatou à Câmara dos Deputados na eleição de 1982, ocupando o cargo de suplente. Faleceu no ano seguinte, em 21 de outubro de 1983, aos 83 anos de idade. Seu velório, sediado na Assembleia Legislativa de Pernambuco, atraiu milhares de pessoas.
Gregório inspirou canções, livros e até personagens de novelas. O arquiteto Oscar Niemeyer concebeu um memorial em sua honra, que não chegou a ser construído. Ele também foi homenageado pelo poeta Ferreira Gullar no poema de cordel “História de um Valente”, que sintetiza sua personalidade ao mesmo tempo dócil e intransigente na luta contra a injustiça e a opressão:
“Mas existe nesta terra
Muito homem de valor
Que é bravo sem matar gente
Mas não teme matador
Que gosta de sua gente
E que luta a seu favor
Como Gregório Bezerra
Feito de ferro e de flor.”