Foi bonita a festa! 51 anos da Revolução dos Cravos
Insurreição militar depôs o governo de Marcello Caetano após uma persistência da longa, sangrenta e custosa Guerra Colonial
Há 51 anos, em 25 de abril de 1974, tinha início em Portugal a Revolução dos Cravos. A insurreição militar depôs o governo de Marcello Caetano, o sucessor de António de Oliveira Salazar, e encerrou a ditadura do Estado Novo, que governou Portugal por mais de quatro décadas.
O levante foi orquestrado pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), uma organização composta por jovens oficiais progressistas do Exército português, que estavam incomodados com a persistência da longa, sangrenta e custosa Guerra Colonial.
A população saiu em peso às ruas para apoiar a rebelião — atestando o descontentamento generalizado com a estagnação econômica, a crise social e a repressão do regime ditatorial. Os cravos vermelhos oferecidos pelos populares aos soldados, como um gesto de agradecimento, dariam nome ao movimento.
Após o triunfo da Revolução dos Cravos, o novo governo implementou uma série de reformas de inspiração socialista, incluindo a nacionalização de bancos e indústrias e a instituição da reforma agrária. A reação dos setores conservadores, entretanto, logo interrompeu o processo revolucionário e forçou a reversão de boa parte das conquistas.
O Estado Novo e o regime salazarista
Desde o fim da Primeira Guerra Mundial, Portugal se encontrava mergulhado em uma crise econômica, agravada pelo ambiente de instabilidade política que se arrastava desde a queda da monarquia. A deterioração das condições de vida da classe trabalhadora alimentou o clima de radicalização e insuflou as disputas pelo poder.
Em maio de 1926, um golpe de Estado converteu Portugal em uma ditadura militar. Óscar Carmona assumiu o governo — primeiramente como presidente interino e, posteriormente, com a extensão do mandato referendada pelo pleito de 1928.
Em 1933, Carmona promulgou uma nova Constituição, que instaurou em Portugal o Estado Novo — um regime ditatorial de inspiração fascista, regido por um governo de partido único (a União Nacional). António de Oliveira Salazar assumiu o governo português nesse mesmo ano. Sua Presidência se prolongaria por 35 anos, tornando-se uma das ditaduras mais longas do século 20.
O regime salazarista reprimiu brutalmente seus opositores por meio de prisões arbitrárias, torturas e assassinatos. Imprensa, mídia e o setor cultural eram submetidos a uma censura rígida e os movimentos sociais eram perseguidos pela Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) — a polícia política do regime português, treinada pela Gestapo e posteriormente pela CIA.
Salazar chegou a manter campos de concentração para encarcerar seus opositores, nomeadamente o Campo de Tarrafal, localizado em Cabo Verde, onde pereceram diversas lideranças do Partido Comunista Português (PCP).
Malgrado as frequentes denúncias de abuso dos direitos humanos, a ditadura salazarista contava com forte apoio de poderosos grupos industriais e financeiros portugueses, beneficiados pelo apadrinhamento e proteção legal aos seus monopólios, bem como pelas políticas governamentais de arrocho salarial e de desarticulação dos sindicatos e movimentos operários, que barateavam a mão de obra.
Os trabalhadores, entretanto, viam-se prejudicados pela prolongada perda de poder aquisitivo, que relegou boa parte da população portuguesa à pobreza, resultando em elevadas taxas de emigração.
O Movimento das Forças Armadas
O governo português também se encontrava mergulhado em uma grave crise fiscal, resultante dos gastos crescentes com a administração das colônias portuguesas na África e com o aumento das despesas militares durante a Guerra Colonial Portuguesa, quando o regime de Salazar passou a combater os movimentos independentistas em Moçambique, Angola, Guiné, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe.
Os problemas econômicos e políticos levaram a uma situação de insatisfação generalizada com o Estado Novo. Em 1968, Salazar sofreu um acidente e foi substituído por Marcello Caetano, que chegou a ensaiar algumas medidas de distensão e liberalização política (a chamada “Primavera Marcelista”). As expectativas de reformas, entretanto, não se concretizaram, agravando o descontentamento popular.
Em 1973, setores progressistas dos militares, muitos dos quais simpatizantes do ideário socialista ou da luta emancipatória das colônias africanas, passaram a articular clandestinamente um movimento de oposição ao Estado Novo, dando origem ao Movimento das Forças Armadas (MFA).
O levante de 25 de Abril
A insatisfação dos militares com o governo português se intensificou ainda mais após a demissão dos oficiais António de Spínola e Francisco da Costa Gomes, responsáveis pela publicação de um livro crítico à política colonial portuguesa. Assim, em 24 de março de 1974, após uma série de reuniões clandestinas com a participação de setores civis, os militares decidiram organizar a derrubada do regime.
Em 24 de abril de 1974, um grupo de militares liderados pelo coronel Otelo Saraiva de Carvalho instalou secretamente um posto de comando no Quartel da Pontinha, em Lisboa.
Durante a madrugada do dia 25 de abril, os militares transmitiram através da Rádio Renascença a canção “Grândola, Vila Morena”, de Zeca Afonso — obra censurada pelo regime português por suas referências comunistas. A execução da canção era a senha previamente combinada para o início do levante militar e tomada de posições.
Ao longo do dia, tropas militares estacionadas por todo o país conduziram uma operação concertada, tomando aeroportos e equipamentos públicos e ocupando os órgãos oficiais de comunicação do governo português, tais como a Radiotelevisão Portuguesa (RTP) e o Rádio Clube Português (RCP). Ao Norte, o tenente-coronel Carlos de Azeredo liderou a tomada do Quartel-General da Região Militar do Porto.

Fotografia de Henrique Matos / Wikimedia Commons.
O regime português reagiu ordenando às tropas alocadas em Braga que sufocassem o levante. Os soldados, entretanto, já tinham aderido à sublevação e se recusaram a acatar as ordens. Ao perceber o que se passava, a população portuguesa saiu às ruas para demonstrar apoio à sublevação dos militares.
Os civis passaram a oferecer cravos vermelhos aos soldados em sinal de agradecimento. Os militares enganchavam os cravos nos seus uniformes ou os posicionavam nas pontas de seus fuzis, razão pela qual o levante recebeu o nome de “Revolução dos Cravos”.
Partindo de Santarém, os militares da Escola Prática de Cavalaria ocuparam o Terreiro do Paço e o Quartel do Carmo, onde se encontrava Marcello Caetano, que se rendeu ao final do dia. O ditador partiu para Madeira e, em seguida, rumou para o exílio no Brasil.
Agentes da polícia política do regime chegaram a ensaiar uma reação, matando quatro manifestantes civis, mas logo desistiram ao perceberem que a resistência seria insustentável.
Democratizar, Descolonizar, Desenvolver
Em 26 de abril, formou-se um “Governo de Salvação Nacional” baseado no “Programa dos Três Ds”: democratizar, descolonizar e desenvolver. Entre as medidas imediatas estavam a extinção da polícia política, a legalização dos sindicatos e partidos e a libertação dos presos políticos.
Uma semana depois, em 1º de maio, celebrou-se pela primeira vez em décadas o Dia do Trabalhador, que reuniu multidões em todo o país — um milhão de manifestantes apenas em Lisboa.
O governo provisório também reconheceu a independência de todas as colônias portuguesas na África, encerrando a Guerra Colonial.
No ano seguinte, em 25 de abril de 1975, organizaram-se as primeiras eleições livres para a Assembleia Constituinte, com o Partido Socialista obtendo a maioria relativa dos assentos.
Sob o comando de Vasco Gonçalves, militar ligado ao Partido Comunista Português, importantes reformas foram empreendidas após a Revolução dos Cravos.
Grandes empresas e setores estratégicos da economia foram nacionalizados, tais como os bancos, minas e companhias de telecomunicações e transportes. Iniciou-se também um amplo processo de reforma agrária, com a expropriação e redistribuição dos latifúndios e a organização dos camponeses em cooperativas.
A reação conservadora
As mudanças, entretanto, alarmaram os setores conservadores e reacionários. Os temores se intensificaram após 12 de novembro de 1975, quando uma multidão de grevistas da construção civil cercou o Palácio de São Bento, sede da Assembleia Constituinte, reivindicando direitos trabalhistas — forçando o resgate por helicóptero do novo primeiro-ministro, Pinheiro de Azevedo.
Sob o pretexto de que o país caminhava para a desordem e a anomia política, lideranças contrarrevolucionárias articularam um golpe contra as mudanças em curso, sendo apoiados pelo Partido Socialista (PS) de Mário Soares e pelo Partido Social Democrata (PSD) de Sá Carneiro.
A esses, juntaram-se os militares moderados reunidos em torno do “Grupo dos Nove”, interessados em neutralizar a ação da esquerda radical. Os oficiais conservadores lograram impor a substituição Otelo Saraiva de Carvalho por Vasco Lourenço no comando da Região Militar de Lisboa.
A sublevação dos paraquedistas e subsequente ocupação das bases aéreas de Tancos, Monte Real e Montijo e do Comando da Região Aérea de Monsanto, em Lisboa, serviu de justificativa para o avanço dos conservadores, culminando com a Crise de 25 de Novembro de 1975 e com o fim do processo revolucionário.
Nos anos seguintes, várias das conquistas da Revolução dos Cravos seriam revertidas ou atenuadas pelos governos conservadores, liberais e sociais-democratas. Esse processo se intensificou nos anos oitenta, durante o governo de Francisco Sá Carneiro, marcado pelo aprofundamento do receituário econômico de cariz neoliberal.
