Há 76 anos, em 30 de agosto de 1948, nascia o líder revolucionário afro-americano Fred Hampton. Egresso do Movimento dos Direitos Civis, Hampton foi o vice-presidente do Partido dos Panteras Negras. Marxista e defensor do ideário revolucionário, Hampton se destacou por articular a organização política e a ação conjunta das comunidades marginalizadas nos Estados Unidos, fundado a Coalizão Arco-Íris — movimento multicultural e antirracista que promovia a solidariedade de classe e pregava a emancipação da classe trabalhadora.
Sua luta foi interrompida prematuramente em 1969, quando Hampton foi assassinado em uma operação policial coordenada pelo FBI.
Fredrick Allen Hampton nasceu em Summit, um subúrbio de Chicago, Illinois. Ele era o filho caçula de Francis e Iberia Hampton, ambos operários de uma fábrica de amido de milho. Seus pais eram originários da Louisiana, mas se mudaram para Chicago no contexto da Grande Migração Negra — o êxodo de milhões de afro-americanos que deixaram os estados do sul fugindo das más condições de vida, das leis segregacionistas e violência racial.
Politizado desde muito cedo, Hampton se tornou um dedicado ativista do movimento negro. Ainda adolescente, ele liderou protestos contra a exclusão de estudantes afro-americanos em competições escolares e liderou atos demandando a contratação de mais professores e funcionários negros. Hampton ajudou a fundar uma seção estudantil da Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor — a NAACP, uma das maiores e mais antigas organizações atuantes na luta pelos direitos civis dos afro-americanos. Mais tarde, Hampton assumiria a chefia do Conselho da Juventude da NAACP, ajudando a organizar a pressão popular por mais investimentos em educação, lazer e atividades recreativas nas comunidades negras de Illinois.
Hampton concluiu o ensino secundário na Proviso East High School e ingressou no curso de direito da Triton Junior College. O jovem ambicionava adquirir conhecimento jurídico para se contrapor aos abusos racistas das forças policiais. Ele se interessou pelo estudo do marxismo, tornando-se socialista e um defensor convicto da luta revolucionária.
Admirava os teóricos do terceiro-mundismo e personalidades como Che Guevara, Ho Chi Minh e Mao Zedong. Para Hampton, a luta contra o racismo estava intrinsecamente ligada à luta de classes, já que o capitalismo é a raiz da opressão. Assim, a única maneira de eliminar o racismo sistêmico seria através da superação do capitalismo em prol de um sistema econômico e social baseado na solidariedade, na cooperação e distribuição equitativa dos recursos.
Em 1968, Hampton se filiou ao Partido dos Panteras Negras (PPN) — organização que se tornaria uma das mais combativas e influentes do movimento negro norte-americano. Os Panteras Negras defendiam uma plataforma revolucionária, combinando elementos do marxismo-leninismo, maoísmo e nacionalismo negro, e buscava alinhar a luta de libertação dos afro-americanos à perspectiva dos movimentos anti-imperialistas internacionais. O partido tinha a autodefesa da população negra como um postulado central e exercia um forte trabalho de base e de estímulo à organização política.
Vistas como “subversivas”, as ideias defendidas pelos Panteras Negras incomodaram o governo norte-americano, que passou a considerar o grupo como “a maior ameaça à segurança interna” dos Estados Unidos. Os Panteras Negras se tornaram alvos de um agressivo programa de contrainteligência (COINTELPRO) conduzido pelo FBI, que visava desarticular o grupo através de ações de vigilância, assédio jurídico, perseguição, infiltração, sabotagem e até assassinatos.
Já em 1968, Hampton seria alvo de uma dessas ações, sendo condenado à prisão com base em uma acusação forjada de roubo de sorvete. Ele seria preso em mais duas ocasiões, ao participar de marchas pacíficas, sob a justificativa de estar “incitando a desordem”.
Conhecido por sua poderosa habilidade retórica e grande capacidade de mobilização, Hampton logo assumiria a liderança dos Panteras Negras em Chicago. Seu feito de maior destaque foi a mediação de um pacto de não-agressão entre as gangues de rua da região. Hampton conseguiu convencer os principais líderes das gangues de que a briga entre os grupos apenas manteria as minorias étnicas enfraquecidas e subjugadas. Esse pacto de não agressão evoluiria para a criação de uma aliança antirracista, dando origem à Coalizão Arco-Íris (Rainbow Coalition) — um movimento político multiétnico e multicultural, baseado na solidariedade de classe, que congregava agremiações negras, latinas e brancas, incluindo os Panteras Negras, os Jovens Patriotas (grupo de brancos pobres egressos do sul) e os Jovens Lordes (grupo da comunidade porto-riquenha).
A coalizão criada por Hampton cresceria exponencialmente, agregando organizações estudantis, movimentos indígenas, agremiações de latinos e de descendentes de asiáticos, como os Estudantes por uma Sociedade Democrática, os Boinas Cafés, o Partido da Guarda Vermelha e o Movimento Indígena Americano. O movimento ganhou ampla notoriedade, organizando protestos e ações conjuntas contra a pobreza, o racismo, a violência policial e a falta de moradia.
A façanha de Hampton em Chicago o projetou como um dos mais importantes líderes do movimento negro. Ele assumiu então a Presidência da seção de Illinois do Partido dos Panteras Negras e se tornou vice-presidente da organização em nível nacional.
Em Illinois, Hampton convocou greves, organizou comícios e criou programas comunitários que forneciam alimentos, roupas e cuidados médicos para as famílias em situação de vulnerabilidade. Ele ajudou a instituir o programa “Café Gratuito para Crianças”, que visava fornecer nutrição adequada para estudantes negros de bairros pobres. Os Panteras Negras criaram redes de cozinhas comunitárias que chegaram a alimentar mais de 10 mil crianças por dia.
Hampton também conduzia programas de educação e conscientização política e liderou uma iniciativa de supervisão comunitária da polícia, a fim de limitar a violência e os abusos da corporação.
A ascensão política de Hampton e a expansão da Coalizão Arco-Íris alarmaram as autoridades norte-americanas. John Edgar Hoover, o infame chefe do FBI, considerava que Hampton era a maior ameaça dentre todas as lideranças dos Panteras Negras e temia que o jovem assumisse o controle do Comitê Central do partido. Hoover ordenou que Hampton passasse a ser monitorado permanentemente. O FBI também conseguiu infiltrar William O’Neal, um agente federal de contraespionagem, na cúpula dos Panteras Negras.
O’Neal se tornou coordenador de segurança do partido e guarda-costas pessoal de Hampton. Ele foi orientado a fornecer evidências que sustentassem a tese do FBI de que os Panteras Negras eram “uma organização propensa à violência” que “visava derrubar o governo norte-americano por meios revolucionários”.
Por intermédio do programa COINTELPRO, o FBI conduziu estratégia para instigar divisões entre os Panteras Negras e os movimentos aliados, visando enfraquecer e fragmentar a Coalizão Arco-Íris. Um memorando do FBI datado de maio de 1969, por exemplo, instruía agentes infiltrados nos Panteras Negras a atacarem os Estudantes por uma Sociedade Democrática, usando o argumento de que eles seriam “brancos frequentando as universidades, enquanto militantes negros são presos e mortos”. O documento também sugeria o uso do argumento de que as organizações da esquerda radical apenas queriam “usar os negros como bucha de canhão para fazer uma revolução branca”.
Outro memorando de junho de 1969 abordava a publicação de críticas aos Panteras Negras em um jornal da Nação do Islã, nas quais o partido seria rotulado como “um grupo negro vendido ou controlado por brancos”. Documentos também comprovam que o FBI buscou encorajar o envolvimento dos Panteras Negras em ações violentas, visando obter pretextos para intensificar a repressão ao grupo.
Um violento enfrentamento entre policiais e militantes dos Panteras Negras serviria de justificativa para a operação policial que resultou no assassinato de Fred Hampton. William O’Neal, o infiltrado do FBI nos Panteras Negras, auxiliou nos preparativos para o ataque, fornecendo aos agentes um mapa detalhado do apartamento de Hampton. O’Neal também colocou um sedativo na bebida de Hampton, para que ele não pudesse reagir durante a incursão. A operação foi planejada por Edward Hanrahan, procurador-geral do Condado de Cook. Participaram da batida agentes do FBI e do Departamento de Polícia de Chicago.
Na noite de 4 de dezembro de 1969, o apartamento de Hampton foi invadido por uma equipe de 14 policiais. Mark Clark, militante dos Panteras Negras que vigiava o imóvel, foi assassinado pelos agentes com um tiro no peito. Sedado, Hampton continuou dormindo no quarto, ao lado de sua esposa, Deborah Johnson, grávida de oito meses. Os policiais retiraram Deborah do recinto e, em seguida, assassinaram Fred Hampton com dois tiros na cabeça.
Eles ainda abriram fogo contra outro quarto da residência, ferindo gravemente três militantes dos Panteras Negras — Ronald Satchel, Blair Anderson e Verlina Brewer. Após serem alvejados, os militantes foram espancados e arrastados até a rua. Eles ainda seriam presos, sob a acusação de tentativa de homicídio contra os policiais.
Fred Hampton tinha apenas 21 anos quando foi assassinado. Mais de cinco mil pessoas acompanharam seu funeral. A morte de Hampton comoveu e revoltou a comunidade negra dos Estados Unidos, desencadeando uma onda de protestos contra a violência e a opressão racial. Em Chicago, militantes do Weather Underground destruíram viaturas e atacaram postos policiais.
O inquérito aberto para apurar as ações dos agentes na incursão concluiu que os assassinatos de Hampton e Clark foram “justificáveis”.
Apesar da vida breve, Fred Hampton deixou uma contribuição de enorme importância, permanecendo como uma das grandes referências da luta por justiça social e emancipação dos povos oprimidos. Seu martírio também é um símbolo da violência atroz empregada pelo governo norte-americano na tentativa de esmagar os mais combativos movimentos de luta do povo negro.
O legado de Fred Hampton foi imortalizado em várias obras. Seus potentes discursos foram compilados no livro póstumo I Am a Revolutionary e suas ações foram exaltadas em canções de Rage Against the Machine e Kendrick Lamar. Mais recentemente, a história de Hampton foi retratada no filme Judas e o Messias Negro, de Shaka King.
Opera Mundi tem uma série especial com reportagens de Breno Altman sobre a organização e os prisioneiros políticos nos Estados Unidos. O dossiê ‘Presos Políticos nos EUA‘ conta histórias de pessoas que estão na prisão por motivos políticos.