Fritz Schmenkel: como um desertor do exército nazista virou herói da União Soviética
Jovem alemão se uniu aos partisans soviéticos para combater as tropas nazistas até ser capturado e condenado à morte por traição
Nenhum país sofreu tantas baixas e deu tantas contribuições para a luta contra a Alemanha nazista do que a União Soviética. Exemplos de sacrifício, resistência e coragem abundam na historiografia soviética — o que se reflete na gigantesca lista de nomes agraciados com o título de heróis nacionais.
Há vários estrangeiros que compõem essa lista, mas nenhum nome é tão surpreendente quanto o de Fritz Schmenkel: um jovem alemão que servia como soldado nas tropas nazistas. Ele desertou e se uniu aos partisans soviéticos para combater as tropas de seu próprio país — até ser capturado e executado pelos alemães.
Quem foi Fritz Schmenkel
Fritz Schmenkel nasceu há 109 anos, em 14 de fevereiro de 1916, na região de Estetino, na Pomerânia Ocidental. Era proveniente uma família da classe operária. Seu pai, Paul Krause, era um militante comunista que buscava organizar os trabalhadores da fábrica de tijolos Varzovsky.
Em 1932, quando tinha 16 anos, Fritz viu seu pai ser assassinado por membros da Sturmabteilung (SA) —milícia paramilitar do Partido Nazista, que promovia atentados terroristas e ataques violentos contra organizações sindicais. A experiência o marcou pelo resto da vida.
O jovem trabalhou na mesma fábrica que empregava seu pai e também se interessou pelo movimento operário, filiando-se à Liga dos Jovens Comunistas da Alemanha. Ele se casou com uma operária chamada Erna Schaefer e teve três filhos — Hans, Ursula e Christa.
Em 1938, Fritz foi forçado a servir na Wehrmacht — as forças armadas do Terceiro Reich. Sua repulsa ao regime nazista, a resistência ao serviço militar e as constantes críticas que fazia ao regime de Adolf Hitler resultaram em sucessivas punições.
Fritz foi condenado a cumprir uma pena de 18 meses no presídio militar de Torgau. Mas em junho de 1941, após o início da ofensiva do Eixo contra a União Soviética, o exército alemão viu a necessidade de ampliar seus efetivos e começou a enviar seus militares presos para lutar na Frente Oriental.
“Morte ao Fascismo”
Fritz foi enviado para a Bielorrússia em outubro de 1941, junto com a 186ª Divisão de Infantaria da Wehrmacht. Durante uma incursão em uma área de floresta, o jovem se desvencilhou do grupo e fugiu rumo à aldeia de Podmoshe, na região de Smolensk. O soldado alemão foi levado pelos moradores da aldeia até uma unidade de partisans soviéticos intitulada “Morte ao Fascismo”.
Os partisans eram grupos de civis que participavam da resistência armada contra a ocupação nazista, realizando ações de guerrilha, sabotagem, escaramuças e enfrentamento aberto. Fritz explicou que era um militante comunista, que havia desertado e que queria ajudar os soviéticos na luta contra as tropas alemãs.
Os partisans desconfiaram do relato de Fritz e o mantiveram em observação, temendo que o jovem pudesse ser um espião. O soldado alemão, entretanto, logo teve uma oportunidade de provar sua lealdade. Quando um esconderijo onde os partisans estavam abrigados foi cercado por soldados nazistas, Fritz se engajou ativamente no combate.
O alemão demonstrou grande habilidade e precisão no manuseio do rifle, ajudando efetivamente a salvar todo o grupo. Foi o bastante para superar as desconfianças iniciais. Os soviéticos aceitaram Fritz como um dos seus e até lhe “batizaram” com um nome de guerra: “Ivan Ivanovich”.
Fritz provou ser muito valioso para os partisans soviéticos. Ele forneceu informações estratégicas sobre o exército nazista e ensinou os combatentes como manusear uma metralhadora alemã MG-42. Como era alemão, Fritz conseguia se infiltrar em unidades militares nazistas, a fim de desviar mantimentos, munições e armas.
O jovem liderou inúmeras ações de sabotagem bem sucedidas em Smolensk, Nelidovsky e Tver. Passando-se por oficial da Wehrmacht, Fritz conduzia as tropas alemãs para emboscadas, possibilitando que unidades inteiras de soldados nazistas fossem capturadas e neutralizadas pelos guerrilheiros soviéticos.
Os relatos militares sobre as ações de Fritz sempre enalteciam sua inteligência e excepcional coragem. A contribuição do guerrilheiro foi de tal importância que Fritz foi condecorado com a Ordem da Bandeira Vermelha.
Em março de 1943, o governo soviético convocou Fritz para participar de um treinamento especial em Moscou. Ele foi então nomeado vice-comandante de uma unidade de operações especiais do Exército Vermelho dedicada a ações de sabotagem, espionagem e inteligência no oeste da Bielorrússia.

Retrato de Fritz Paul Schmenkel
Captura e execução
Incomodado com as ações organizadas por Fritz, o comando nazista elaborou vários planos para neutralizá-lo. Nos territórios ocupados, os alemães chegaram a oferecer uma recompensa de 8 hectares de terra para o cidadão soviético que capturasse o partisan.
Também havia incentivos para os soldados alemães: 2 meses de férias e 2.000 Reichsmarks para quem entregasse a cabeça de Fritz. As tropas alemãs também lançaram uma ofensiva de grande escala para desarticular a unidade partisan “Morte ao Fascismo”. A “Operação Estrela Cadente” resultou no assassinato de 1.500 dos 4.000 guerrilheiros do grupo, mas Fritz conseguiu escapar.
Fritz partiu em sua última missão em dezembro de 1943, em uma operação de infiltração nas linhas inimigas. Dessa vez, porém, ele foi descoberto e capturado junto com outros dois oficiais de inteligência soviéticos. O soldado foi levado a Minsk e julgado em um tribunal militar, que o condenou à morte por traição.
O guerrilheiro recebeu autorização para enviar uma carta de despedida a sua esposa. Em um trecho do documento, lê-se: “Perdoe-me pela dor que lhe causei, seguindo até o fim o caminho que escolhi. Mas não me arrependo nem desisto de minhas missões, nem nas últimas horas da minha vida. Vou enfrentar minha execução de cabeça erguida, pois estou morrendo por uma causa justa”. Fritz Schmenkel foi executado por um pelotão de fuzilamento em 22 de fevereiro de 1944, aos 28 anos de idade.
A contribuição de Fritz ficou esquecida por muitos anos, até a história ressurgir no início dos anos 60, durante uma pesquisa efetuada pelos militares soviéticos sobre as ações dos partisans do “Morte ao Fascismo”.
Em 1964, Fritz foi postumamente condecorado com a Ordem de Lênin e recebeu o título oficial de Herói Nacional da União Soviética. Ruas foram batizadas em sua homenagem em Berlim, Leipzig e Torgau. Em 1978, o governo da Alemanha Oriental produziu um filme sobre a vida de Fritz Schmenkel, intitulado “Ich will euch sehen” (“Eu Quero Ver Vocês“).
