Sexta-feira, 23 de maio de 2025
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Entre fevereiro e março deste ano, o papa Francisco sofreu com problemas respiratórios que o deixaram à beira da morte. Durante sua internação no Hospital Agostino Gemelli, em Roma, se fortaleceram os rumores sobre uma possível sucessão, que não se dissiparam após o seu retorno ao Vaticano.

Com Francisco apresentando uma leve melhora em sua saúde, os boatos dentro da Igreja Católica continuaram, não mas a partir de sua morte, mas sim de uma possível renúncia por questões de saúde – reproduzindo a mesma decisão adotada por seu antecessor, Bento XVI, em fevereiro de 2013. Opera Mundi conversou com o teólogo, jornalista e escritor Frei Betto sobre o atual momento da instituições e as possíveis mudanças no caso de um afastamento de Francisco.

“Ainda que o papa estivesse com plena saúde, haveria rumores sobre a sua sucessão. Muitos bispos das safras de João Paulo II e Bento XVI torcem pela morte dele”, afirmou o frade dominicano.

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Segundo Frei Betto, “no próximo conclave muitos cardeais eleitores vão propor um papa africano, já que nos últimos tempos tivemos europeus e um latino-americano. Mas vaticanistas que conheço preveem uma volta do papado aos italianos”.

“Os cardeais africanos são em geral conservadores. E há italianos mais afinados com Francisco”, analisou o teólogo e jornalista.

Frei Betto também falou sobre o futuro da Igreja Católica no Brasil diante da ascensão das correntes evangélicas, e a aliança política de alguns desses setores protestantes com grupos políticos de extrema direita, além das posições dentro da comunidade católica com relação aos acontecimentos na Faixa de Gaza.

Leia a entrevista com Frei Betto na íntegra:

Opera Mundi: a condição de saúde do papa Francisco tem levantado rumores sobre uma disputa pela sucessão no Vaticano, seja pelo seu eventual óbito ou por uma possível renúncia dele. O que é verdadeiro e o que é falso a respeito desses rumores?

Frei Betto: ainda que o papa estivesse com plena saúde, haveria rumores sobre a sua sucessão. Muitos bispos das safras de João Paulo II e Bento XVI torcem pela morte dele. Nos Estados Unidos há cardeais que dizem abertamente considerá-lo “comunista”… Mas não duvido que, terminando este Ano Jubilar, ele venha a renunciar. Francisco não tem apego ao poder.

Tenho entendido que o senhor o encontrou pessoalmente duas vezes, uma delas em 2023. Qual é a sua opinião a respeito do pontificado de Francisco?

Desde que sou gente só aprecio dois papas: João XXIII, que convocou o Concílio Vaticano II no intuito de renovar a Igreja, e Francisco. Ele tem se empenhado em implementar as decisões do Vaticano II. Por isso convoca sucessivos Sínodos, que é a instância “parlamentar” inferior ao Concílio. Ocorre que os bispos travam os avanços e as reformas mais estruturais não chegam, como permitir o sacerdócio das mulheres.

Como você analisa as autocríticas institucionais feitas pela Igreja Católica sob o comando do papa Francisco, especialmente com relação às responsabilidades da Santa Sé durante o período da colonização?

Ousadas e justas. A Igreja carrega demasiados pecados, como a Inquisição e a colonização. Mas faltam muitas outras autocríticas penitenciais, como a misoginia e a anistia a figuras importantes como Mestre Eckhart e Giordano Bruno.

Em uma eventual sucessão, caso se concretizem os rumores de renúncia, é possível termos outro papa com uma postura progressista, como tem sido Francisco, ou é mais provável que seja um nome vindo de setores mais conservadores da Igreja?

No próximo conclave muitos cardeais eleitores vão propor um papa africano, já que nos últimos tempos tivemos europeus e um latino-americano. Mas vaticanistas que conheço preveem uma volta do papado aos italianos. Os cardeais africanos são em geral conservadores. E há italianos mais afinados com Francisco.

Frei Betto, durante encontro com o papa Francisco no Vaticano, em agosto de 2023
Vatican Media

Você assistiu o filme Conclave? Qual é a sua opinião sobre a obra e o quanto de realidade ela mostra sobre como funciona um conclave de verdade?

Assisti e gostei imensamente, porque reflete com fundamento o que se passa numa eleição papal. Há anos, um cardeal brasileiro que participou de dois conclaves me confidenciou os bastidores e toda a trama política ali dentro. Confere com o filme.

Como você vê a Igreja Católica no Brasil atualmente, sobretudo diante do fenômeno do crescimento das igrejas evangélicas, inclusive do ponto de vista da sua influência política, e da aliança tática de alguns líderes desse setor com a extrema direita?

Se os bispos (católicos) fossem a um culto evangélico veriam os motivos do crescimento exponencial desse segmento cristão. Há cultos que duram duas ou três horas sem aborrecer os fiéis, ao contrário de muitas de nossas missas. Porque lá os fiéis têm participação ativa. Dão testemunhos de vida, vídeos atrativos são exibidos, os músicos e cantores aprimoram seus talentos, há escolas bíblicas.

Os fiéis se conhecem pelo nome, o aniversário de cada um é comemorado em comunidade, há forte corrente de entreajuda, seja de um dentista ou médico que atende irmãos e irmãs. Ali as pessoas não são anônimas; ganham autoestima. Um cuida de arrumar emprego para o outro. Há entre eles forte vínculo afetivo. E a pauta de costumes leva-os a conhecer a prosperidade, pois abandonam os vícios e, assim, aumentam a poupança familiar.

O Brasil tende a ter mais evangélicos que católicos em 2030, segundo prognósticos. O que explica essa mudança no país, que vem sendo produzida desde o final do século passado?

O catolicismo era, no Brasil, a confissão religiosa majoritária na década de 1950, abraçada por 93,5% da população, segundo o IBGE. No censo de 2010, declararam-se católicos 64,6% da população. Os evangélicos, 30%. Enquanto os católicos declinam um ponto percentual ao ano, os evangélicos crescem na mesma proporção. A hierarquia católica cometeu dois pecados capitais nos últimos 60 anos: fragilizou o apoio às Comunidades Eclesiais de Base, que era o movimento eclesial mais expressivo da história da Igreja no Brasil e de maior capilaridade nacional; mas o primeiro pecado foi, após o golpe militar de 1964, levar a Ação Católica à agonia e morte.

Por que, em nossas missas dominicais em paróquias de classe média, os patrões comparecem, mas seus empregados (cozinheiras, faxineiras, porteiros de prédios etc.) vão para a Igreja evangélica? Diz-se que a Igreja Católica fez opção pelos pobres, e os pobres, pelas Igrejas evangélicas.

Nosso ecumenismo não ultrapassa os limites de algumas Igrejas protestantes históricas. O que é uma lástima. Os seminaristas não são incentivados a abraçar o diálogo interreligioso e, em geral, têm visão preconceituosa das outras confissões religiosas. O que sabem de nossas religiões indígenas? Alguma vez foram a um terreiro de candomblé ou umbanda? Ou a um centro espírita? A maioria ignora as matrizes da religiosidade brasileira.

O ex-presidente Jair Bolsonaro e mais aliados viraram réus, incluindo militares. Pela primeira vez o país pode julgar e condenar uma alta cúpula de militares. Você foi uma das vítimas da ditadura. O que representa esse momento e como avalia o movimento “sem anistia”?

É muito importante, para o fortalecimento de nossa frágil democracia, que os golpistas sejam todos condenados. E jamais anistiados, para que o crime de lesa-pátria não se repita. Anistia antes de julgamento e condenação, como fez a ditadura com torturadores e assassinos, é como dar o prêmio da Mega Sena a quem sequer apostou.

Como você avalia a posição das comunidades católicas com relação ao que acontece na Faixa de Gaza? O papa Francisco tem se posicionado em diversas ocasiões defendendo a causa palestina, outros setores e organizações têm feito o mesmo?

Sim, a Igreja Católica está dividida. Os conservadores são pró-sionismo. Os progressistas, pró-palestinos.