Há 58 anos, em 22 de outubro de 1966, o agente britânico George Blake realizava uma fuga espetacular de uma prisão na Inglaterra e partia para o exílio em Moscou. George Blake foi um dos mais famosos espiões da Guerra Fria, atuando no serviço secreto britânico. Após testemunhar as atrocidades cometidas pelas potências ocidentais durante a Guerra da Coreia, Blake passou a apoiar as nações socialistas e tornou-se um agente duplo a serviço da União Soviética.
George Blake nasceu em Roterdã, nos Países Baixos, em 11 de novembro de 1922, filho de Catherine e Albert Behar. Seu pai era um judeu sefardita egípcio naturalizado inglês, que serviu no Exército Britânico durante a Primeira Guerra Mundial. Blake estudou no Cairo, onde conviveu com seu primo, o militante comunista Henri Curiel, que se tornaria líder do Movimento Democrático pela Libertação Nacional. A convivência com Curiel teria grande impacto na sua visão de mundo.
Blake retornou aos Países Baixos pouco tempo antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial. Ele participou da luta contra os nazistas, voluntariando-se para servir como mensageiro e entregar correspondências aos partisans da Resistência Holandesa. Próximo ao fim da Segunda Guerra, Blake ingressou na Marinha Real britânica, onde rapidamente se destacou. Foi recrutado então pelo Serviço Secreto de Inteligência do Reino Unido, o MI6. Continuou a combater o Terceiro Reich no MI6 e tomou parte dos interrogatórios de militares nazistas após o fim da guerra.
Em 1947, o MI6 incumbiu Blake de aprender russo e coreano para atuar em missões de espionagem e contraespionagem junto aos países socialistas. Em 1948, ele foi enviado para a Coreia do Sul ao lado do diplomata britânico Vyvyan Holt, disfarçado de vice-cônsul do Reino Unido, com a missão de reunir inteligência sobre Coreia do Norte, China e União Soviética. Quando o Reino Unido ingressou na Guerra da Coreia para auxiliar as tropas norte-americanas, Blake e os diplomatas britânicos foram capturados pelo Exército Popular da Coreia e feitos prisioneiros de guerra, a princípio em Pyongyang, depois transferidos para uma base militar no vale do rio Yalu, onde permaneceram por três anos.
Durante o período em que ficou preso na Coreia do Norte, Blake testemunhou os devastadores bombardeios perpetrados pela Força Aérea dos Estados Unidos e as atrocidades cometidas contra os civis coreanos. Ele também começou a ler obras de Karl Marx e teóricos socialistas e a discutir sobre as causas do conflito com os carcereiros norte-coreanos. A experiência fez com que Blake se tornasse um simpatizante dos ideais comunistas, levando-o à conclusão de que ele estava lutando pelo lado errado.
Comentando sobre esse assunto, Blake confidenciou: “O que me fez mudar de lado foi o bombardeio implacável de pequenas aldeias coreanas por enormes aviões bombardeiros americanos. Bombardeios contra mulheres, crianças e idosos, pois os homens estavam lutando no exército. Nós mesmos, prisioneiros de guerra, poderíamos ter sido vítimas. Senti vergonha de vir de um desses países opressores e tecnicamente superiores que lutam contra o que me parecia ser um povo indefeso. Senti que estava do lado errado. Quer seria melhor para a humanidade se o sistema comunista prevalecesse. Isso sim acabaria com a guerra”.
Ainda na prisão, Blake se ofereceu para trabalhar como agente duplo a serviço das agências de inteligência socialistas, ajudando-as a desarticular redes de espionagem dos países ocidentais. A despeito das desconfianças iniciais, a proposta foi aceita e Blake se tornou dos quadros do Ministério de Segurança de Estado (MGB), uma agência de inteligência doméstica e de contraespionagem da União Soviética.
Libertado em 1953, George Blake retornou para o Reino Unido, onde foi recebido como herói de guerra. Em 1955, o MI6 o enviou para Berlim, onde foi incumbido da tarefa de cooptar oficiais soviéticos para servirem como agentes duplos. O próprio Blake, entretanto, era um agente duplo e informava a União Soviética sobre quais agentes não eram confiáveis ou estavam agindo contra o país. Ele também repassava ao Comitê de Segurança do Estado da União Soviética (KGB) detalhes sobre planos e operações de espionagem conduzidas por agências britânicas e norte-americanas. Foi Blake que informou Moscou sobre a Operação Ouro — um túnel sob Berlim Oriental que era utilizado por agentes do MI6 e da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) para grampear as linhas telefônicas usadas por militares soviéticos.
Ao longo de nove anos, Blake expôs 40 agentes do MI6 e da CIA para a KGB e ajudou a desarticular boa parte das operações anticomunistas conduzidas pelos serviços secretos britânico e norte-americano na Europa Oriental. Em 1959, ele denunciou um agente encoberto da CIA que operava infiltrado nos quadros do Diretório Central de Inteligência da União Soviética (GRU). Foi Blake também que descobriu e expôs o agente duplo Pyotr Semyonovich Popov, um major soviético que estava conduzindo operações de sabotagem contra o governo soviético — e que seria fuzilado por traição em 1960.
Blake foi descoberto em 1961, após ser entregue por um desertor polonês chamado Michael Goleniewski. Antes que pudesse escapar, ele foi capturado em Londres e condenado a uma pena de 42 anos de prisão. Após cumprir cinco anos na prisão de Wormwood Scrubs, Blake conseguiu empreender uma impressionante fuga do cárcere, com auxílio do prisioneiro Sean Bourke e dos militantes antinucleares Michael Randle e Pat Pottle. Após conseguir quebrar a janela de sua cela, Blake escalou o muro da prisão. Ele cruzou o Canal da Mancha e ingressou na Alemanha Oriental, de onde prosseguiu viagem em segurança rumo ao exílio na União Soviética.
Blake passaria o resto da vida na União Soviética/Rússia, onde se aposentou como agente da KGB, casou-se e teve filhos. Publicou sua autobiografia em 1990, sob o título de “No Other Choice” (“Sem Outra Escolha”). Nos anos noventa, ganhou o direito a receber uma indenização do governo britânico por violação de direitos humanos, concedida por força de sentença do Tribunal Europeu.
Publicou outro livro em 2006, denominado Transparent Walls (Paredes Transparentes). Permaneceu como um marxista-leninista convicto até o fim da vida. Em certa ocasião, ao ser questionado se achava desconfortáveis as acusações de que era um traidor do Reino Unido, respondeu sem titubear que não era um traidor: “Para trair um país, é necessário pertencer a ele. Eu nunca pertenci.” George Blake faleceu em Moscou em 26 de dezembro de 2020, aos 98 anos de idade.