Há 63 anos, em 29 de novembro de 1961, era fundado o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) — o mais importante núcleo de oposição ao governo de João Goulart.
Financiado pelo governo norte-americano, o IPES foi uma das organizações responsáveis por articular a conspiração que levou ao golpe de 1964, pavimentando o caminho para a instauração da ditadura militar brasileira (1964-1985).
A partir dos anos 50, em meio à intensificação da Guerra Fria, o governo dos Estados Unidos ampliou seus esforços para deter o avanço do comunismo na América Latina e cooptar os aparelhos ideológicos locais para a defesa dos valores liberais, capitalismo e do “American Way of Life”.
Criação do IPES
A Agência Central de Inteligência (CIA), serviço secreto do governo norte-americano, foi responsável por coordenar boa parte desse esforço, empreendendo planos de desestabilização de governos de esquerda e avançando projetos alinhados aos interesses estratégicos de Washington.
A criação de think tanks anticomunistas, apresentados sob a fachada de instituições de pesquisa e de fomento ao desenvolvimento, foi uma das principais estratégias utilizadas pela CIA nesse processo. Em 1959, a agência fundou seu primeiro think tank brasileiro — o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD).
A iniciativa foi liderada por Ivan Hasslocher, ex-integralista e informante da CIA ativo no Brasil, Bolívia e Equador. Os principais alvos do IBAD eram o governo de Juscelino Kubitschek e as lideranças políticas identificadas com o Partido Comunista, com a tradição varguista e com o nacional-desenvolvimentismo.
Quando João Goulart tomou posse em 1961, o IBAD intensificou seu ativismo e a CIA resolveu fundar seu segundo think tank: o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES). A instituição começou a operar dois meses após a posse de Goulart.
À frente do IPES estavam os empresários Antônio Gallotti, ligado à Light S.A., e Augusto Trajano de Azevedo Antunes, proprietário da mineradora Icominas, sócio da siderúrgica norte-americana Bethlehem Steel e amigo pessoal do banqueiro David Rockefeller.
O IPES se apresentava como um órgão apartidário, voltado a realizar pesquisas e estudos que ajudassem a fomentar o desenvolvimento do país. Seu verdadeiro objetivo, entretanto, era se infiltrar nas instituições e organizações sociais, combater os movimentos de esquerda, manipular a opinião pública e desestabilizar o governo Goulart, visto com grande desconfiança pelo empresariado nacional e pelo governo norte-americano, em função de sua ligação com os movimentos sindicais e com a tradição nacional-desenvolvimentista.
O instituto era sediado no Rio de Janeiro e possuía escritórios em São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Brasília e Recife.
O IPES era financiado por fontes legais e clandestinas. Possuía expressivo apoio da nata do empresariado brasileiro, de multinacionais, associações empresariais, órgãos de imprensa e militares ligados à Escola Superior de Guerra (ESG). O principal financiador do instituto era o governo norte-americano, então presidido por John Kennedy, que enviava subvenções por meio do embaixador Lincoln Gordon e da Câmara de Comércio.
Mais de 300 empresas nacionais e 297 corporações estrangeiras (sobretudo norte-americanas, britânicas, suecas e alemãs) também colaboravam com o financiamento do IPES, incluindo, entre várias outras, Coca-Cola, Refinaria União, Texaco, Esso, Souza Cruz, Banco Itaú, etc. Entidades filantrópicas cristãs também foram grandes apoiadoras do IPES. Os fundos arrecadados eram vultuosos.
A título de exemplo, somente a seção paulista arrecadou, no segundo trimestre de 1962, 20 milhões de cruzeiros para atividades regulares, 15 milhões para atividades especiais e 5 milhões para propaganda.
O que foi o IPES?
O instituto pregava a necessidade de implementar um novo projeto de desenvolvimento subordinado ao capital estrangeiro, com vocação francamente autoritária, aliado a uma plataforma moralista de defesa dos “bons costumes”, da família e propriedade privada. Para isso, financiava filmes publicitários, panfletos, livros, propagandas de rádio e televisão, publicava artigos nos principais jornais e revistas do país, organizava cursos, seminários e conferências públicas.
Um dos principais métodos de ação do IPES era a produção de documentários. Um total de 14 obras de “doutrinação democrática” foram encomendados pelo instituto para exibição em salas de cinema e em sessões públicas organizadas em bairros de baixa renda, escolas, igrejas e empresas, abordando temas como “defesa de democracia”, economia, problemas sociais, livre iniciativa, “doutrinação comunista nas escolas”, sempre sob o viés anticomunista e reforçando a necessidade de mudar o governo em curso no Brasil.
Mais do que um disseminador de propaganda anticomunista, o IPES era um núcleo de conspiração golpista, dotado de uma agenda política própria. Assim, o instituto teve papel fundamental na organização de manifestações antigovernistas, apoiando financeiramente desde grupos e associações de oposição até milícias de extrema direita, incluindo o Grupo de Ação Patriótica (GAP) e o Comando de Caça aos Comunistas (CCC).
Sob a proteção do IPES, surgiram os grupos femininos conservadores responsáveis por organizar as Marchas da Família com Deus pela Liberdade, que precederiam o golpe militar, a Campanha da Mulher pela Democracia (Camde), União Cívica Feminina e Liga da Mulher Democrata. Esses grupos, muito próximos da Igreja Católica, buscavam insuflar na sociedade uma fobia moralista, difundindo boatos falsos sobre o governo ou organizando denúncias de livros supostamente imorais e subversivos distribuídos nas escolas.
O IPES atuou junto às organizações estudantis através da criação do Movimento Estudantil Democrático (MSD), Instituto Universitário do Livro e Movimento Universitário de Desfavelamento. Infiltrou-se nas igrejas por meio da Confederação Nacional dos Trabalhadores Cristãos. Ingressou nas organizações camponesas por intermédio do Serviço de Orientação Rural.
Sob a liderança e representação do banqueiro Jorge Oscar de Mello Flores, que atuava como representante da instituição no congresso, o IPES financiou a Ação Democrática Parlamentar — uma frente de deputados e senadores de diversos partidos de direita que tinha por propósito boicotar, sabotar e desestabilizar o governo Goulart.
O IPES também atuou junto aos militares, infiltrando-se na Associação de Diplomados da Escola Superior de Guerra. Assim como o IBAD, o IPES foi alvo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) aberta em maio de 1963 para investigar o financiamento ilegal de candidatos oposicionistas com recursos indevidos. O instituto, no entanto, não sofreu nenhuma punição.
As ações do IPES eram amplificadas pelo IBAD, que possuía sua própria agência de propaganda — a Incrementadora de Vendas Promotion, igualmente mantida com capital norte-americano e pautada pelo Escritório do Coordenador de Assuntos Interamericanos (OCIAA), um órgão do governo dos Estados Unidos. A Promotion disseminava propaganda anticomunista e contra o governo de Goulart em todas as mídias.
Apenas em 1963, o IBAD custeou, por meio da Promotion, 1.706 inserções de propaganda antigovernista e anticomunista na televisão e nos cinemas do Brasil, e enviou material de propaganda política para 179 mil militares em quartéis, escolas e navios.
Os esforços do IPES e do IBAD foram decisivos para a articulação do golpe de 1964, que depôs Goulart e instalou a ditadura empresarial-militar no Brasil. Após a vitória dos golpistas, os integrantes do IPES ascenderam a posições-chave no alto escalão do governo, sobretudo em cargos ligados à estrutura de planejamento governamental e de definição da política econômica.
O diretor do IPES, general Golbery do Couto e Silva, assumiria o cargo de chefe da Casa Civil do regime golpista. Os dados angariados pelo Grupo de Levantamento de Conjuntura do IPES seriam reaproveitados por Golbery do Couto e Silva para criar uma plataforma de informações de 400 mil brasileiros, que se tornaria a base de dados do Serviço Nacional de Informações (SNI) — órgão de inteligência e espionagem do governo de exceção, que ajudaria a reprimir politicamente os opositores da ditadura e a encobrir casos de corrupção envolvendo a alta burocracia do regime militar.
O SNI foi convertido na atual Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) após a redemocratização.
Em 1972, após a aprovação dos atos institucionais que aboliram as liberdades civis, nomeadamente o AI-5, e o controle dos focos de oposição ao regime, o IPES, já tendo cumprido o seu papel, foi extinto.