Há 165 anos, em 2 de dezembro de 1859, o líder abolicionista norte-americano John Brown era enforcado na Virgínia. Oriundo de uma família protestante, ele acreditava que a escravidão era um pecado mortal intolerável.
Brown dedicou toda sua vida a lutar pelo fim do regime escravagista, auxiliando na fuga de escravizados e liderando as milícias em uma guerrilha contra os escravizadores.
Sentenciado à morte por tentar articular uma revolta dos cativos, tornou-se um símbolo do movimento abolicionista e contribuiu ativamente para o início da Guerra Civil nos Estados Unidos.
John Brown nasceu em 9 de maio de 1800 em Torrington, Connecticut, filho de Ruth Mills e Owen Brown. Seu pai era proprietário de um curtume de Ohio e um destacado abolicionista. Owen oferecia abrigo aos escravizados que fugiam através da “Underground Railroad” — uma rede de rotas secretas usadas pelos cativos do sul para escapar rumo aos “estados livres”. Ele também foi um dos fundadores da Sociedade Antiescravagista de Western Reserve.
Brown foi influenciado tanto pelas visões políticas quanto pelos ensinamentos cristãos de seu pai, um devotado calvinista que acreditava que todos os seres humanos eram iguais perante Deus. Ele também cursou as primeiras letras na escola do abolicionista Elizur Wright.
Aos 12 anos de idade, durante uma viagem ao Michigan, Brown testemunhou o espancamento brutal de um negro escravizado — uma experiência que o marcou profundamente.
Ao longo de sua vida, Brown se dedicou a diversas profissões. Ele abriu seu próprio curtume em Ohio, administrou uma fazenda na Pensilvânia, comercializou lã em Massachusetts, criou gado e loteou terrenos. Não obstante, nenhum desses negócios prosperou e ele era obrigado a se mudar constantemente com sua família em busca de novas oportunidades.
Durante todo esse período, Brown se manteve firmemente dedicado à causa abolicionista. Ele construiu uma sala secreta no celeiro de sua fazenda para abrigar os escravizados que fugiam das propriedades da região. Brown também transportava os fugitivos até os estados livres ou os conduzia até as rotas secretas que levavam ao Canadá. Em um período de 10 anos, ele auxiliou na fuga de mais de 2.500 cativos.
Brown intensificaria sua participação no movimento antiescravagista após o assassinato de Elijah Parish Lovejoy — um pastor presbiteriano que foi linchado por uma multidão pró-escravidão, em represália à produção de materiais abolicionistas. Em um juramento público, comprometeu-se a consagrar sua vida a lutar contra o regime escravagista. Ele passou a confrontar a segregação racial dentro das próprias igrejas, repreendendo e desafiando as congregações que proibiam a entrada de fiéis negros.
Posteriormente, em Massachusetts, então um dos epicentros do movimento contra a escravidão, Brown contribuiria com a republicação do Apelo aos Cidadãos de Cor do Mundo, famoso manifesto abolicionista de David Walker, exortando os afro-americanos à luta contra a escravidão.
Quando o governo norte-americano aprovou a Lei do Escravo Fugitivo, obrigando os estados do Norte a devolverem os escravizados aos proprietários rurais do Sul, Brown fundou a “Liga dos Gileaditas” — uma milícia de negros livres dedicada a proteger e impedir o retorno dos escravizados que conseguiram obter refúgio em Massachusetts. Pouco tempo depois, Brown e sua família se mudaram para uma comunidade negra localizada em North Elba, no estado de Nova York, fundada a partir de uma concessão de terras feita pelo filantropo abolicionista Gerrit Smith.
Em 1855, Brown e seus filhos partiram para o Kansas, a fim de auxiliar na luta contra a escravidão. O estado estava à beira de uma guerra civil. Uma lei proposta pelo senador Stephen Douglas havia determinado que os habitantes de Kansas e Nebraska deveriam decidir por meio do voto se os territórios seriam incorporados aos Estados Unidos como estados livres ou como estados escravagistas. A decisão levou a confrontos violentos entre abolicionistas e partidários da escravidão, servindo como um prelúdio da Guerra de Secessão.
No Kansas, Brown organizou diversas incursões pelas grandes propriedades, estimulando e auxiliando na fuga dos escravizados e organizando caravanas para levar os negros até a fronteira com o Canadá. Ele também participou ativamente dos esforços para conscientizar a população local sobre a importância de superar a escravidão. A reação dos escravizadores, entretanto, se tornava cada vez mais agressiva.
Em 1856, um grupo de colonos pró-escravidão atacou e saqueou a cidade de Lawrence, principal núcleo dos abolicionistas do Kansas. Pouco tempo depois, o senador abolicionista Charles Sumner seria insultado e espancado por partidários da escravidão. A violência dos escravagistas convenceu Brown de que o fim da escravidão não poderia ser obtido através de meios pacíficos. Ele se tornou um crítico inclemente do pacifismo abolicionista, identificando seus partidários como covardes, e passou a fazer discursos inflamados exortando a luta armada contra a escravidão.
Em maio de 1856, em retaliação ao saque de Lawrence efetuado pelos defensores da escravidão, Brown, seus filhos e um grupo de abolicionistas invadiram a comunidade de Pottawatomie Creek e mataram cinco homens identificados como caçadores de escravos e militantes pró-escravidão. O episódio enfureceu os escravagistas, que reagiram com uma onda de ataques retaliatórios — levando ao ápice do confronto civil denominado “Bleeding Kansas”.
Brown liderou as milícias antiescravagistas em uma verdadeira guerrilha contra os escravizadores e as forças do governo. Na Batalha de Black Jack, ele derrotou os homens de Henry Clay Pate, vice-marechal dos Estados Unidos, assegurando a defesa da comunidade livre de Palmyra. Posteriormente, durante uma ofensiva comandada pelo general John Reid, Brown conseguiu evitar sua captura, mas perdeu diversos homens na batalha. Após reorganizar seu exército, Brown invadiu o Missouri em setembro de 1856, libertando dezenas de cativos e matando vários escravizadores.
As ações de Brown o tornaram uma figura conhecida nacionalmente — exaltado como um herói pelos abolicionistas e vilanizado como um terrorista e assassino pelos defensores da escravidão. Após os conflitos no Kansas e no Missouri, Brown passou dois anos e meio viajando pela região da Nova Inglaterra, buscando apoio político e financiamento expandir a guerra contra a escravidão nos estados do Sul. Ele pretendia ampliar suas milícias e distribuir armas para os escravizados, incitando uma grande rebelião dos cativos.
Brown também intencionava criar um território livre para abrigar os escravizados na região das montanhas entre Maryland e Virgínia. Ele chegou a propor a criação de uma constituição provisória para os Estados Unidos e foi eleito comandante-em-chefe de um governo paralelo, contando com o respaldo de Gerrit Smith e de outros proeminentes líderes abolicionistas do Norte, tais como Samuel Gridley Howe, Franklin Benjamin Sanborn, George Stearns e Theodore Parker.
Em meados de 1859, Brown deu início aos preparativos para sua empreitada mais ousada: tomar o Arsenal Federal localizado em Harpers Ferry, na Virgínia Ocidental. O arsenal era o maior depósito de armas de fogo dos Estados Unidos, abrigando mais de 100 mil mosquetes e rifles. Sua tomada permitiria a distribuição de armas em larga escala, assegurando o sucesso de uma rebelião de escravizados.
O ataque ao arsenal ocorreu em 16 de outubro de 1859. Liderando um grupo de 21 homens, Brown conseguiu subjugar os guardas e invadir o depósito, fazendo 60 homens como reféns. Ao longo de dois dias, os rebeldes conseguiram manter o controle do arsenal e neutralizar os ataques das milícias locais. No dia 18 de outubro, entretanto, o depósito foi cercado por uma divisão de fuzileiros navais liderada pelo general Robert E. Lee. Subjugados pela superioridade numérica das tropas federais, Brown e os rebeldes se renderam. Brown ficou ferido durante a invasão e dez de seus homens foram mortos — incluindo dois de seus filhos.
Após sua captura, John Brown foi julgado por traição, assassinato e incitação à revolta. Condenado à morte por enforcamento, reafirmou sua convicção na legitimidade de suas ações: “Se é necessário que eu perca minha vida para promover a justiça e que meu sangue seja derramado sobre o sangue dos meus filhos e sobre o sangue de milhões neste país escravocrata, cujos direitos são desconsiderados por decretos perversos, cruéis e injustos, eu me submeto. Que assim seja feito.”
Em 2 de dezembro de 1859, John Brown foi enforcado. A execução causou comoção internacional. O poeta francês Victor Hugo havia liderado uma campanha para pressionar o governo norte-americano a perdoar o abolicionista. Brown se tornaria um mártir do movimento pelo fim da escravidão e sua morte causaria o acirramento das tensões entre o Norte e o Sul dos Estados Unidos — ajudando a cristalizar a percepção de que a coexistência de estados livres e escravagistas dentro de uma mesma federação era impossível.
Um ano e meio após a execução de John Brown, os estados do Norte e do Sul dos Estados Unidos entrariam em conflito, dando início à Guerra de Secessão. A guerra se arrastaria por quatro anos, deixando mais de um milhão de mortos. Ao seu término, a escravidão nos Estados Unidos finalmente seria abolida. Comprovava-se assim o caráter profético das últimas palavras ditas por John Brown, antes de sua morte: “Estou convencido de que os crimes deste país nunca serão purgados, exceto com derramamento de sangue.”