Quinta-feira, 24 de abril de 2025
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Há 81 anos, em 9 de abril de 1944, nascia Leila Khaled, militante histórica da resistência palestina. Expulsa de sua terra natal durante a Nakba, a revolucionária ingressou na Frente Popular para a Libertação da Palestina — uma organização marxista-leninista, ativa na luta armada contra a ocupação israelense.

Leila ganhou notoriedade ao se tornar a primeira mulher a comandar a captura de uma aeronave, forçando um voo que ia de Roma a Tel-Aviv a desviar sua rota até a Síria — uma ação que resultou na libertação de presos políticos e ajudou a dar visibilidade internacional à luta do povo palestino.

Além das ações armadas, Leila também se dedicou às atividades políticas institucionais e serviu como representante no Conselho Nacional Palestino, o órgão legislativo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Vivendo na Jordânia, ela permanece ativa na luta contra a opressão israelense até hoje, tendo se convertido em um símbolo vivo da resistência palestina.

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A juventude de Leila Khaled após a Nakba

Leila Khaled nasceu em Haifa, uma cidade portuária milenar localizada ao norte da Palestina. Ela era a sexta dos 12 filhos de Jamila Lattuf e Ali Khaled. Seu pai era proprietário de um café, com o qual sustentava a numerosa família.

À época do nascimento de Leila, o território palestino ainda estava sob domínio britânico. Em 1947, entretanto, como resultado da articulação política conduzida pelo movimento sionista internacional, a Assembleia Geral da ONU aprovaria a Resolução 181, determinando a partilha do território palestino e a criação do Estado de Israel.

A partição proposta pela ONU designou Haifa como parte do território israelense. Buscando garantir o domínio da região, grupos paramilitares e milícias sionistas iniciaram uma série de ataques e atentados terroristas, que visavam afugentar a população palestina de Haifa.

Essas ofensivas israelenses eram parte da “Nakba” — “A Catástrofe”, uma gigantesca operação de limpeza étnica conduzida por Israel que resultou na expulsão de quase 800 mil palestinos de suas terras. Centenas de vilarejos palestinos foram destruídos e a população civil foi submetida a uma série interminável de chacinas e massacres.

Assim como tantas outras, a família Khaled foi submetida ao êxodo forçado. Leila tinha apenas 4 anos de idade quando sua família foi obrigada a abandonar sua cidade natal — uma ferida que deixaria marcas profundas e motivaria o seu envolvimento na luta do povo palestino desde muito cedo.

A família de Leila buscou abrigo em um campo de refugiados no Líbano. Eles passariam a viver na cidade de Tiro, onde Leila cursou as primeiras letras. A jovem daria continuidade aos estudos em uma escola secundária de Sídon.

Do MNA ao Fatah

Aos 15 anos de idade, Leila teve seus primeiros contatos com a militância anticolonial organizada. Em 1959, movida pelo ímpeto de lutar contra os ocupantes de sua terra natal, ela se juntou ao Movimento Nacionalista Árabe (MNA) — uma organização panarabista fundada por George Habash, que congregava elementos do nacionalismo árabe e princípios do socialismo revolucionário.

Desde sua fundação, o MNA havia estabelecido a libertação da Palestina como um de seus objetivos centrais. A militância na organização teria profunda influência na percepção política de Leila e fomentaria o seu desejo de atuar diretamente na luta armada contra a ocupação israelense. Três de seus irmãos (Mohammad, Zakiah e Rahaab) também se filiaram ao MNA.

mural leila khaled
Mural em homenagem à revolucionário Leila Khaled < br / > Jon Evans / Wikimedia Commons

Em 1962, Leila ingressou na Universidade Americana de Beirute — instituição onde muitos de seus companheiros de luta também estudaram. Ela foi eleita nesse mesmo ano para integrar o comitê administrativo da União Geral de Estudantes Palestinos. Contudo, as dificuldades financeiras impediram a conclusão do curso superior.

Em busca de oportunidades de trabalho, Leila se mudou para o Kuwait em setembro de 1963. Ela iniciaria uma carreira como professora de inglês, dando aulas nas escolas públicas do país por seis anos.

O desfecho da Guerra dos Seis Dias, travada em 1967, ampliaria a ânsia de Leila em atuar na luta armada. Após o término do conflito, Israel estendeu seu domínio sobre todo o território palestino, ocupando a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental. A violenta expansão territorial do regime sionista indignou e enfureceu o povo palestino.

Em agosto de 1967, Leila ingressou na filial kuwaitiana do Fatah — movimento palestino fundada por Yasser Arafat. Não obstante, ela logo se frustraria com a resistência da filial local da organização em alocar mulheres para participar das ações armadas.

A adesão à FPLP e o Voo TWA 840

Pouco tempo depois, Leila seria convidada por Abu Nidal para se unir à recém-formada Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP) — uma organização marxista-leninista, fundada pelo mesmo criador do MNA, George Habash.

A FPLP defendia a centralidade da luta armada como estratégia de enfrentamento à ocupação israelense e preconizava o estabelecimento de um Estado palestino secular e socialista.

Entre 1968 e 1970, a FPLP realizaria uma campanha de sequestros de voos internacionais. Essas ações visavam forçar Israel a libertar presos políticos palestinos e, ao mesmo tempo, atrair a atenção internacional para a causa da resistência anticolonial.

Após se voluntariarem a auxiliar nas ações armadas da FPLP, Leila e um grupo de 20 mulheres partiram para realizar o treinamento militar em um campo na Transjordânia. Alguns meses depois, Leila recebeu sua primeira missão.

Em 29 de agosto de 1969, Leila e seu companheiro de missão, Salim Issawi, sequestraram o voo 840 da TWA, que sairia de Roma com destino a Tel Aviv. O alvo principal da ação era Yitzhak Rabin, embaixador israelense nos Estados Unidos e futuro primeiro-ministro de Israel. Salim, entretanto, não embarcou no voo.

Os guerrilheiros forçaram o piloto a desviar sua rota para Damasco, na Síria. Durante o trajeto, Leila instruiu o piloto a sobrevoar Haifa, sua cidade natal, à qual nunca pôde retornar. Ninguém ficou ferido e nenhum passageiro foi submetido a violência física durante a operação.

Após o desembarque, os guerrilheiros evacuaram os passageiros e explodiram a cabina da aeronave. Dois israelenses permaneceram detidos. Eles seriam soltos em troca da libertação de palestinos aprisionados pelo governo de Israel.

Leila e Salim foram detidos pelas autoridades sírias, mas seriam libertados já em outubro do mesmo ano, sem acusações formais.

O voo EL AI 219

No ano seguinte, em 6 de setembro de 1970, Leila participou da tentativa de sequestro do voo 219, da companhia aérea israelense El Al, que faria o trajeto de Amsterdã a Nova York.

A ação foi conduzida em conjunto com Patrick Argüello, um revolucionário nicaraguense da Frente Sandinista de Libertação Nacional. A captura do voo fazia parte de uma série de ações coordenadas pela FPLP no contexto do “Setembro Negro”. O plano previa que cinco aeronaves fossem sequestradas simultaneamente e desviadas para o Campo Dawson, na Jordânia.

A ação no voo 219, entretanto, fracassou. Seguranças armados a bordo reagiram à tentativa de sequestro, matando Argüello e imobilizando Leila. A militante palestina carregava duas granadas de mão, mas preferiu não usá-las para não por a vida dos passageiros em risco.

O voo aterrissou em Londres e Leila foi entregue às autoridades britânicas. Ela ficaria detida por 28 dias em uma prisão de Brixton, até ser libertada como parte de um acordo de troca de prisioneiros negociado pela FPLP.

As ações revolucionárias da FPLP tiveram um impacto significativo na forma como a luta palestina era percebida pelo mundo. Boa parte da imprensa reduziu a captura de aeronaves a atos terroristas, sem nenhum propósito além de gerar o caos. Mas o objetivo dos guerrilheiros de atrair a atenção internacional para a luta do povo palestino foi atingido. A pergunta “quem são os palestinos?” finalmente começou a ecoar pelo mundo.

Primeira mulher a comandar uma operação de captura de um avião, Leila também foi tratada de forma ambivalente — rotulada como terrorista por defensores do sionismo e exaltada como uma heroína pelos partidários da resistência palestina.

A fotografia de Leila tirada por Eddie Adams, mostrando a guerrilheira usando a hata palestina e portando um fuzil, tornou-se uma das mais célebres do século 20 — sendo reproduzida em pôsteres e murais e atraindo comparações entre Leila e Che Guevara. A imagem ficou tão famosa que Leila foi obrigada a fazer cirurgias plásticas, para evitar que fosse reconhecida em suas missões.

Leila Khaled
Leila Khaled permanece na luta contra a opressão israelense
David Segarra / Wikimedia Commons

Atividades no Líbano e na Jordânia

Durante os anos 1970, Leila integrou a resistência palestina no Líbano. Ela serviria como porta-voz da FPLP e atuaria em várias campanhas diplomáticas da organização.

Em 1973, a revolucionária publicou sua autobiografia, intitulada “O meu povo viverá”. Posteriormente, ela fundou a Casa dos Filhos da Resistência, dedicada a acolher os órfãos deixados pelos mártires palestinos.

Desde 1979, Leila ocupa um assento no Conselho Nacional Palestino — o órgão legislativo da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Ao lado das atividades institucionais, ela também ampliou seu enfoque sobre as pautas femininas, participando de conferências e debates sobre a situação das mulheres no conflito e sobre a atuação das guerrilheiras nos movimentos de resistência.

Já entre 1978 e 1980, Leila estudou nas universidades de Moscou e Rostov, na União Soviética, aprofundando seus estudos sobre marxismo e estratégias revolucionárias. Em 1982, entretanto, ela teve de interromper os estudos e retornar para o Líbano, em meio aos ataques de Israel contra a OLP.

Leila teve um papel de suma importância durante a invasão israelense ao Líbano, ajudando a organizar o deslocamento dos refugiados palestinos e a prestação de ajuda médica às vítimas da operação.

Em 1986, Leila assumiu o cargo de Secretária-Geral da União das Mulheres Palestinas. Nessa função, ela defendeu a interseção entre a luta pela libertação nacional e a luta pela igualdade de gênero, argumentando que as mulheres palestinas enfrentavam uma dupla opressão — do ocupante israelense e das estruturas patriarcais internas.

Seis anos depois, em 1992, Leila se mudou para Amã, na Jordânia, onde reside com seu marido, o médico Fayez Rashid Hilal, e seus dois filhos. Ela foi eleita para o Comitê Central da FPLP em 1993 e integra o Bureau Político da organização desde 2005.

Leila segue até hoje como um ícone da resistência palestina e da luta anticolonial. Aos 81 anos, ela persiste na tentativa de mobilizar a comunidade internacional na luta contra o imperialismo, o colonialismo e as atrocidades cometidas pelo Estado do Israel.

E aos que insistem em rotulá-la como “terrorista”, Leila já respondeu de forma enfática: “Sempre que ouço essa palavra, faço outra pergunta. Quem plantou o terrorismo em nossa terra? Eles vieram aqui e tomaram nossos lares, nos forçaram a sair, nos forçaram a viver em acampamentos. Eu acho que isso é terrorismo. Usar todos os meios para resistir a esse ataque? O nome disso é luta”.