Há 63 anos, em 30 de janeiro de 1962, falecia Manuel Dias de Abreu, um dos mais renomados médicos e cientistas do Brasil. Abreu foi o inventor da abreugrafia — método inovador de produção de chapas radiográficas a baixo custo.
A abreugrafia facilitou o diagnóstico precoce de doenças pulmonares, permitindo a testagem em massa da população. A invenção brasileira foi adotada por campanhas de saúde pública em diversos países, desempenhando papel fundamental no combate à epidemia de tuberculose que afligia o mundo até meados do século 20.
Quem foi Manuel Dias de Abreu
Manuel Dias de Abreu nasceu em 4 de janeiro de 1891 em São Paulo, terceiro filho do imigrante português Júlio Antunes de Abreu e de Mercedes da Rocha Dias. Em 1914, após se graduar pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, ele partiu para a Europa, a fim de se especializar nos hospitais de Paris.
A eclosão da Primeira Guerra Mundial o impediu de concluir a viagem, forçando-o a permanecer em Lisboa até 1915.
Já na França, Abreu se dedicou ao estudo da radiologia e trabalhou no Hospital da Misericórdia de Paris. Foi nesse local que o brasileiro desenvolveu sua primeira invenção — um engenhoso dispositivo capaz de fotografar a mucosa gástrica. Em 1916, assumiu a chefia do Laboratório Central de Radiologia do Hôtel-Dieu, onde pesquisou os recursos semióticos da tisiologia.
Ainda em Paris, Abreu trabalho no Hospital Laennec, onde criou uma nova técnica de densiometria que permitia mensurar diferentes densidades radiográficas no tórax. Em 1921, ele publicou o livro Radiodiagnóstico na tuberculose pleuropulmonar, obra pioneira versando sobre o emprego da medicina diagnóstica no controle da tuberculose.
Abreu retornou ao Brasil em 1922, instalando-se no Rio de Janeiro. A então capital federal enfrentava uma grave epidemia de tuberculose. Já reconhecido como um especialista na área, Abreu colaborou com a Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose para ampliar a capacidade de atendimento à população.
A maioria dos pacientes, entretanto, só procuravam o serviço médico quando a doença já estava muito avançada e as medidas profiláticas surtiam pouco efeito. Convicto quanto à necessidade de realizar diagnóstico em massa da população para obter um efetivo controle da epidemia, Abreu fundou o Dispensário de Tuberculose do Rio de Janeiro, o primeiro serviço de radiologia para o diagnóstico de tuberculose do Brasil.
A abreugrafia
Paralelamente, Abreu seguiu trabalhando na criação de seu próprio método de produção de chapas radiográficas dos pulmões. Desde os anos 20, o cientista buscava um novo método de baixo custo para realizar exames torácicos em massa, visando facilitar o diagnóstico, tratamento e profilaxia da tuberculose e de outras doenças pulmonares.
Em 1936, após mais de uma década de tentativas, Abreu finalmente conseguiu obter fluorografias com boa nitidez. Apresentou então sua invenção, que seria posteriormente batizada de abreugrafia em sua homenagem.

Manuel Dias de Abreu retratado em 1942
A abreugrafia diferenciava-se da radiografia convencional por permitir capturar a imagem gerada pelos feixes de raios X sobre a tela de material fluorescente utilizando um filme fotográfico comum. Isso é, a máquina tirava uma fotografia da imagem que aparecia na radioscopia, dispensando o uso do filme radiológico, que é muito mais caro. Dessa forma, o método permitia a produção de radiografias com mais rapidez e a um custo muito menor.
Os equipamentos abreugráficos foram confeccionados pela Casa Lohner, uma empresa do Rio de Janeiro. Abreu renunciou à patente que lhe garantiria lucros sobre as vendas dos aparelhos, pois desejava que o procedimento diagnóstico fosse disponibilizado a baixo custo para a maior quantidade possível de pessoas.
A invenção de Abreu permitiu a criação dos recenseamentos torácicos que começaram a ser realizados no fim da década de 1930 em várias cidades do Brasil. Os exames em massa da população dos centros urbanos brasileiros foram cruciais para debelar a epidemia de tuberculose que afetava o país em meados do século 20, possibilitando a detecção e tratamento da doença antes mesmo do surgimento de sintomas iniciais.
O impacto mundial da invenção
Ainda nos anos 30, a abreugrafia passou a ser utilizada nos demais países da América do Sul e logo foi adotada também pelos Estados Unidos e por países da Europa, espalhando-se em seguida por todo o planeta.
Popularizada como método de diagnóstico de massas em função do baixo custo, velocidade e facilidade de manuseio, a abreugrafia ajudou a salvar milhões de vidas, debelando surtos e epidemias de tuberculose em escala global.
Os aparelhos abreugráficos podiam ser vistos em quase todas as grandes metrópoles do mundo em meados do século 20. Também eram acoplados a equipamentos móveis, utilizados para realizar exames em massa em escolas, repartições públicas e empresas.
Com o avanço da ciência e da medicina diagnóstica, novos métodos mais efetivos para exames torácicos foram inventados a partir da segunda metade do século 20. Apesar disso, a abreugrafia segue até hoje sendo utilizada por dezenas de países.
O método é conhecido por diferentes nomes ao redor do mundo: nos Estados Unidos e em Portugal é chamada de minirradiografia; na Itália é conhecida como schermografia; na França, fotofluorografia; na Espanha, fotorradioscopia. No Brasil, o Congresso Brasileiro de Tuberculose nomeou o procedimento como abreugrafia, a fim de homenagear seu inventor.
Manuel Dias de Abreu foi indicado por seis vezes para o Prêmio Nobel de Medicina, mas nunca foi laureado. Seus trabalhos e pesquisas ajudaram não apenas a controlar a tuberculose, mas também forneceram base para importantes avanços na medicina diagnóstica. Foi condecorado com o título de Cavaleiro da Legião de Honra da França e agraciado com a Medalha de Ouro do Médico do Ano, fornecido em 1950 pelo Colégio Americano de Médicos Torácicos.
Manuel Dias de Abreu deixou importantes obras no campo da medicina (Ideias gerais sobre o radiodiagnóstico na tuberculose, Estudos sobre o pulmão e o mediastino, etc.) e também se dedicou à poesia, publicando Substância, um livro de poemas ilustrado por Di Cavalcanti.
No Brasil, sua data de nascimento, 4 de janeiro, tornou-se o Dia Nacional da Abreugrafia. Manuel Dias de Abreu faleceu no Rio de Janeiro, em 30 de janeiro de 1962, aos 71 anos de idade. Em 2012, a Sociedade Paulista de Radiologia lançou uma biografia em sua homenagem, escrita por Oldair de Oliveira.