Quarta-feira, 26 de março de 2025
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Durante a Segunda Guerra Mundial, um grupo de prisioneiros em um campo de concentração nazista consegue subjugar os soldados e empreender uma fuga espetacular usando um avião da própria Força Aérea alemã.

Pode parecer roteiro de um filme de ficção, mas esse fato realmente ocorreu.

Há 80 anos, o piloto soviético Mikhail Devyatayev e outros nove prisioneiros de guerra empreenderam uma fuga histórica do campo nazista de Usedom, sequestrando um bombardeiro alemão e voando de volta até a União Soviética.

Mikhail Devyatayev

Mikhail Devyatayev nasceu Torbeyevo, na Rússia, em 8 de julho de 1917, em uma família de camponeses mordovianos. Ele se formou pela Escola de Navegação Fluvial em 1938 e começou a trabalhar nesse mesmo ano como capitão de um pequeno navio do Volga.

Com o início da Segunda Guerra Mundial, Mikhail foi convocado pelo Exército Vermelho e enviado para aprender a pilotar na Escola de Voo Chkalov, onde se graduou em 1940.

No ano seguinte, em junho de 1941, as tropas da Alemanha nazista invadiram a União Soviética. A ofensiva alemã teve alto custo para a família de Mikhail: sete de seus 12 irmãos foram mortos pelos nazistas.

Enviado para o campo de batalha, Mikhail foi um dos primeiros pilotos soviéticos a conseguir abater uma aeronave da Luftwaffe, derrubando um Junkers Ju 87. O excelente desempenho nas missões rendeu-lhe a condecoração com a Ordem da Bandeira Vermelha.

Em setembro de 1941, Mikhail foi gravemente ferido em combate, permanecendo afastado das campanhas por um longo período. Ele retomou a função de piloto de caça como comandante do 104º Regimento de Aviação de Caça de Guardas, onde conheceu o célebre ás soviético Alexander Pokryshkin. Como comandante do regimento, Mikhail derrubou outras nove aeronaves inimigas.

A captura

Em julho de 1944, o avião de Mikhail foi abatido durante uma missão nos arredores de Lviv e o piloto foi capturado pelos militares alemães e enviado para uma prisão em Lodz.

Ele tentou fugir da prisão, mas foi impedido e transferido para o campo de concentração de Sachsenhausen.

Informado sobre a brutalidade dos guardas nazistas contra pilotos, Mikhail conseguiu trocar sua identidade com a de um soldado soviético de infantaria já falecido. Sob sua nova identidade, foi enviado para o campo de concentração de Peenemünde, na ilha de Usedom, onde a Alemanha nazista desenvolvia seu programa de mísseis.

Neste local, Mikhail passou a integrar a força de trabalho escrava utilizada na manutenção das pistas de pouso e na desativação manual de bombas. O campo de Usedom era conhecido pela crueldade dos guardas e pela alta taxa de letalidade dos prisioneiros e Mikhail logo concluiu que, por mais remotas que fossem as chances de fuga, era preferível tentar escapar do que aguardar a morte certa no campo.

Mikhail Devyatayev
Autor desconhecido / Wikimedia Commons
Mikhail Devyatayev retratado por volta de 1957

Mikhail convenceu então outros três soldados soviéticos aprisionados — Vladimir Sokolov, Ivan Krivonogov e Vladimir Nemchenko — a auxiliá-lo com a criação de um plano de fuga.

O plano foi posto em prática no dia 8 de fevereiro de 1945. Aproveitando-se do horário do almoço, quando a maioria dos guardas do campo estavam ausentes, Krivonogov matou o único soldado que estava vigiando o grupo com um pé de cabra.

Enquanto Krivonogov escondia o corpo, um prisioneiro chamado Peter Kutergin vestiu-se com a farda do guarda alemão. Em seguida, simulou que estava escoltando os prisioneiros soviéticos até o pátio das aeronaves para executar uma manutenção.

No pátio, 10 soldados soviéticos sequestraram um bombardeiro Heinkel He 111. Mikhail acionou os motores e o grupo escapou do campo nazista voando.

De volta à União Soviética

Os alemães tentaram interceptar o bombardeiro, mas Mikhail, experiente e habilidoso, conseguiu escapar. O avião voou diretamente para a União Soviética, mas os soldados não conseguiram contatar as bases aéreas do país para informar sobre o status da aeronave.

Assim, as defesas aéreas soviéticas atacaram o bombardeiro alemão tão logo o detectaram, danificando a aeronave e forçando o seu pouso.

Os militares explicaram o ocorrido, mas a NKVD — a polícia secreta soviética — suspeitou do relato, argumentando que seria impossível prisioneiros fugirem de avião de um campo de concentração nazista sem consentimento dos alemães.

Sob suspeita de espionagem, o grupo foi colocado em observação em uma unidade militar até que os oficiais soviéticos se convencessem de que o relato era verídico.

Mikhail e os demais soldados forneceram informações essenciais para o Exército Vermelho sobre o programa de mísseis alemão, nomeadamente sobre o desenvolvimento dos mísseis V-1 e V-2. As informações levaram a União Soviética a priorizar o controle das instalações militares em Usedom após o fim da guerra.

O acesso ao projeto do V-2, por sua vez, forneceria importantes subsídios para o desenvolvimento do programa espacial soviético.

Mikhail foi oficialmente reconhecido como Herói Nacional da União Soviética em 1957. Também foi condecorado com a Ordem de Lenin e com a Ordem da Guerra Patriótica. Em 1959, ele se filiou ao Partido Comunista.

Dispensado da força aérea, Mikhail passou a morar com a esposa e os filhos em Kazan, onde retomou a atividade de capitão de barcos de passageiros do Volga. Foi encarregado de testar e comandar o “Raketa”, o primeiro hidrofólio soviético. O ex-piloto publicou uma autobiografia em 1972.

Mikhail Devyatayev faleceu em em 24 de novembro de 2002, aos 85 anos. Há um museu dedicado à sua memória na sua cidade natal e monumentos o homenageando em Usedom e Kazan.

A história da heroica fuga empreendida pelo piloto foi contada no filme Devyatayev, lançado na Rússia em 2021, dirigido pelo cineasta Timur Bekmambetov. Em outros países, o filme recebeu o título de V2 – Fuga do Inferno.