Há 133 anos, nascia o sindicalista Minervino de Oliveira. Militante do Partido Comunista, ele foi o primeiro negro a ser eleito como vereador do Rio de Janeiro. Foi também o primeiro operário negro e comunista a se candidatar à presidência do Brasil.
Filho de Augusta Laura e de José de Oliveira, Minervino nasceu no Rio de Janeiro em 1º de outubro de 1891, apenas três anos após a abolição da escravatura. Ainda criança, tornou-se aprendiz de tecelagem na Fábrica São João. Trabalhou também como lavrador e carvoeiro. Aos 14 anos, aprendeu o ofício de marmorista. Iniciou sua atuação política em 1911, participando das greves operárias, das campanhas salariais e de outras mobilizações dos trabalhadores
Na década de vinte, Minervino se filiou ao Partido Comunista do Brasil (antigo PCB) e ascendeu ao posto de dirigente sindical. Ele foi um dos primeiros militantes comunistas a discursar em um comício de 1º de maio, representando o Centro dos Operários Marmoristas nas celebrações de 1924. Também escreveu textos para o jornal “A Classe Operária“, semanário oficial do PCB, e para outros veículos da imprensa operária.
A atuação política do PCB foi bastante limitada pela repressão do Estado. O partido foi posto na ilegalidade poucos meses após sua fundação, mas seguiu atuando clandestinamente, buscando se aproximar dos tenentistas e forjar alianças que possibilitassem a participação de representantes da classe operária na política institucional e nos parlamentos.
Em 1927, logo após reconquistar a legalidade por um breve período, o PCB criou o Bloco Operário Camponês (BOC) — uma frente política que visava angariar o apoio de forças externas para ampliar a base social do partido. O BOC também tinha por objetivo de servir de cobertura legal ao PCB, fornecendo uma legenda alternativa para o partido lançar seus candidatos. Em 1927, o BOC elegeu o médico Azevedo Lima para a Câmara dos Deputados. Não obstante, Lima não era um militante comunista e logo romperia com o partido.
O PCB retornou à ilegalidade já em agosto de 1927, após a sanção da Lei Celerada, mas o BOC manteve seu registro eleitoral ativo, possibilitando que os comunistas participassem das eleições municipais no ano seguinte. Em 1928, o BOC lançou dois candidatos operários para o Conselho de Intendência (a Câmara Municipal) do Rio de Janeiro: Minervino de Oliveira e o farmacêutico Octávio Brandão.
A candidatura incomodou as autoridades. Policiais e agentes dos órgãos repressivos passaram a monitorar as campanhas, seguindo os candidatos comunistas nos comícios e visitas a bairros e fábricas. Em setembro de 1928, a polícia dissolveu com extrema violência um comício organizado pelos dois candidatos na porta do Arsenal da Marinha. Minervino e Octávio foram presos. Raimundo de Morais, um trabalhador do arsenal, foi morto a tiros pelos policiais.
A truculência não impediu que os comunistas obtivessem bons resultados eleitorais e Octavio Brandão foi eleito intendente pelo Primeiro Distrito. Minervino de Oliveira amealhou 8.160 votos pelo Segundo Distrito, ficando em 13º lugar. A Câmara Municipal, entretanto, tinha apenas 12 vagas. Minervino obteve 197 votos a menos do que o 12º colocado, Carreiro de Oliveira, que tinha 745 votos “sub judice” por suspeita de fraude.
A questão foi levada à apreciação da mesa diretora, mas havia pouca expectativa de uma decisão favorável. A morte de um dos intendentes eleitos em um acidente aéreo, no entanto, possibilitou que Minervino assumisse um dos assentos da Câmara Municipal, tornando-se o primeiro vereador negro do Rio de Janeiro.
A conquista de 2 dos 12 assentos do legislativo da capital animou a militância comunista. O jornal “A Classe Operária” celebrou com entusiasmo: “Vitória! Pela primeira vez na história do Brasil, após 428 anos de luta, os trabalhadores abrem uma brecha nas formidáveis muralhas do legislativo e penetram na cidadela inimiga para iniciar uma política de classe independente”. No discurso de posse, Octavio e Minervino prometeram respeitar a Constituição Federal e a Lei Orgânica do Distrito Federal, com uma ressalva: “submetemos, porém, essas disposições aos interesses do operariado”.
Os dois parlamentares enfrentaram a oposição raivosa da imprensa carioca. Minervino, em especial, era alvo de ataques coléricos e insultos racistas. Um de seus maiores críticos era o jornalista Orestes Barbosa, que lhe dirigia ofensas quase diariamente. Os dois chegaram a trocar socos e Orestes ameaçou o vereador com uma pistola. Minervino processou o jornalista, mas a justiça arquivou o caso.
Os vereadores comunistas também se tornaram alvos das investidas dos intendentes conservadores. Em 1929, a Câmara Municipal aprovou uma lei proibindo qualquer tipo de “propaganda comunista” na tribuna parlamentar. Com isso, Octávio e Minervino passaram a ser censurados. Eram proibidos de discursar na tribuna e seus discursos e atos não eram publicados ou registrados nos diários oficiais. Os projetos de lei apresentados por ambos eram barrados antes mesmo de chegar ao plenário.
Apesar do boicote, os dois vereadores seguiram auxiliando na luta operária, ajudando a articular as mobilizações sindicais e encampando as reivindicações dos trabalhadores. Em abril de 1929, Minervino de Oliveira foi escolhido para presidir o Congresso Operário Nacional e se tornou membro-fundador e secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores do Brasil (CGTB), central sindical que reunia diversos sindicatos dirigidos por comunistas. Auxiliou igualmente na articulação da Liga Anti-Imperialista do Brasil.
Em 1929, o PCB convidou Luiz Carlos Prestes a disputar a eleição presidencial de 1930 pelo BOC. O partido visava oferecer uma alternativa à polarização entre Júlio Prestes e Getúlio Vargas, vista como uma disputa entre oligarquias, mas o líder tenentista declinou do convite.
Diante da recusa de Prestes, o BOC lançou a candidatura de Minervino de Oliveira à presidência. O ferroviário Gastão Valentim Antunes foi indicado como vice na chapa. O programa eleitoral trazia pautas como redução da jornada de trabalho para 44 horas semanais, criação do salário mínimo, nacionalização de empresas estratégicas, instituição do voto secreto, extensão do direito ao voto para mulheres e analfabetos, anistia aos presos políticos e o reconhecimento diplomático da União Soviética, entre outras propostas.
Mais uma vez, a candidatura de um operário negro e comunista gerou incômodo nos setores conservadores, na imprensa e nas organizações patronais. Em 5 de novembro de 1929, a polícia foi enviada para impedir a realização da cerimônia de lançamento das candidaturas do BOC. Durante a ação, Minervino e mais de 80 pessoas foram detidas. Dois dias depois, a polícia atacou brutalmente outro comício do BOC na escadaria do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. O tumulto escalonou para um tiroteio e vários trabalhadores ficaram feridos. Minervino e dezenas de apoiadores foram novamente presos. Os comitês do BOC foram invadidos e depredados e os materiais de campanha foram confiscados.
Minervino seria preso mais duas vezes durante a campanha — uma vez em Ribeirão Preto, enquanto participava de um congresso de trabalhadores agrícolas, e depois em um comício no bairro carioca de Bangu. Seus apoiadores e correligionários foram perseguidos, intimidados e ameaçados. A votação, por sua vez, foi repleta de fraudes. Atas eleitorais foram adulteradas e a grande maioria dos votos dados a Minervino foram subtraídos. A título de exemplo, as urnas do Rio Grande do Sul não computaram nenhum voto para o candidato comunista — embora o PCB contasse com centenas de militantes no estado. Em São Paulo, o BOC teve míseros 28 votos.
Júlio Prestes venceu a eleição, mas um movimento armado impediu que o representante das oligarquias paulistas tomasse posse e impôs Getúlio Vargas como presidente. Pouco tempo depois, Minervino de Oliveira e Octávio Brandão tiveram seus mandatos legislativos cassados e foram presos. Minervino foi enviado para a infame Colônia Correcional de Dois Rios, na Ilha Grande, onde permaneceu encarcerado até fevereiro de 1931. Octávio, libertado pouco tempo antes, foi deportado com sua família para a Alemanha, rumando em seguida para a União Soviética, onde ficou exilado por 15 anos.
O PCB foi novamente posto na ilegalidade durante o Estado Novo. Minervino seguiu militando no partido e foi monitorado durante vários anos pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Sua atuação política não voltaria a ser tão ostensiva e há poucas informações sobre sua trajetória ulterior, mas há registros que indicam sua participação nos acalorados debates travados dentro do PCB após a publicação do relatório de Nikita Khrushev durante o XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, que resultariam na cisão do movimento comunista internacional.
Minervino de Oliveira faleceu no Rio de Janeiro em 2 de março de 1977, aos 85 anos de idade.