Terça-feira, 10 de junho de 2025
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Há 83 anos, em 31 de outubro de 1941, o governo norte-americano inaugurava o Memorial Nacional de Monte Rushmore, em Dakota do Sul. Considerado um dos marcos mais famosos dos Estados Unidos, o local atrai mais de dois milhões de visitantes anualmente, que se locomovem até lá para observar os gigantescos rostos gravados sobre a rocha de quatro ex-presidentes norte-americanos — George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln.

Muito antes da inauguração do monumento, entretanto, a imponente montanha de granito já era um importante ponto de peregrinação, visitado pelos povos originários que habitavam a região de Black Hills, nas Grandes Planícies.

A história do Monte Rushmore espelha a própria história de opressão sobre os povos nativos — dos massacres e do roubo de terras ao violento apagamento de suas culturas, tradições e religiões.

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O território onde se localiza o monumento era considerado terra sagrada por diversos povos indígenas desde a era pré-colombiana — e o Monte Rushmore era o principal centro de devoção. A montanha era chamada pelos indígenas de “Tunkasila Sakpe Paha”, ou Montanha dos Seis Avôs.

Ela servia de como sítio de oração e veneração aos ancestrais para os povos indígenas das Grandes Planícies, incluindo os Lakota, Cheyenne, Omaha, Kiowa, Apaches e os Arapaho. A Montanha dos Seis Avôs era particularmente importante para a cosmologia do povo Sioux, que a consideravam como o “centro do universo” e referência basilar de seu sistema de crenças.

Durante o período da Marcha para o Oeste, as terras indígenas de Black Hills passaram a ser invadidas por colonos euro-americanos, causando uma série de conflitos com a população nativa que habitava a região. Em 1868, o governo dos Estados Unidos e os líderes indígenas assinaram o Tratado de Fort Laramie.

O tratado reconhecia a região de Black Hills como reserva indígena e legitimava o direito dos nativos sobre a posse do território. Em contrapartida, o governo norte-americano passou a forçar a realocação de diversos grupos indígenas na reserva de Black Hills, tomando posse de territórios vistos como mais valiosos.

Menos de uma década depois, os colonos descobriram ouro na reserva de Black Hills. O governo norte-americano imediatamente rompeu o tratado e passou a reivindicar o controle da região. Sucessivas campanhas militares foram organizadas para ocupar o território. A princípio, os nativos conseguiram resistir aos ataques e preservar a posse da terra.

Em 1876, entretanto, o Exército dos Estados Unidos organizou uma grande expedição, com soldados bem armados, dando início à Grande Guerra Sioux, ou Guerra de Black Hills. As batalhas se arrastaram por dois anos, terminando com o massacre do povo Sioux e a tomada da região.

Imediatamente após a derrota dos indígenas, o governo norte-americano começou a incentivar a exploração econômica da reserva de Black Hills. Seis Avôs, a montanha sagrada dos nativos, seria rebatizada como Monte Rushmore em homenagem a um dos primeiros empresários a estabelecer atividades comerciais na região. O milionário Charles Rushmore visitou Black Hills em 1884 para fundar uma mina de estanho.

Rushmore retornaria à região diversas vezes, em viagens de negócio ou atividades de caça, e passou a brincar que as visitas frequentes lhe davam o direito de rebatizar a montanha sagrada dos indígenas com o seu nome. Em 1925, o milionário doou fundos para a construção do monumento com as faces dos presidentes. O governo norte-americano lhe retribuiu, oficializando a denominação “Monte Rushmore”.

Thomas Wolf / Wikimedia Commons
Monte Rushmore tem os rostos gravado sde George Washington, Thomas Jefferson, Theodore Roosevelt e Abraham Lincoln

O monumento foi idealizado por Doane Robinson, membro da Sociedade Histórica do Estado de Dakota do Sul. Pouco tempo antes, Robinson conhecera um monumento na Geórgia cuja construção havia sido financiada por membros da Ku Klux Klan — Stone Mountain, um grupo escultural gravado na rocha em homenagem aos líderes confederados que lutaram a favor da manutenção da escravidão durante a Guerra da Secessão.

Inspirado pela ideia, Robinson lançou uma campanha em prol da construção de um monumento similar em Dakota do Sul, que homenageasse figuras históricas e ao mesmo tempo ajudasse a incrementar o turismo na região.

A ideia foi imediatamente encampada pelos moradores do estado e pelo governo norte-americano. Gutzon Borglum, o mesmo escultor que concebeu o monumento confederado de Stone Mountain, foi contratado para executar a obra em Dakota do Sul. Fervoroso adepto da ideia da supremacia branca, Borglum era membro da Ku Klux Klan, integrando comitês da organização e comparecendo às suas manifestações. Também era amigo de David Curtiss Stephenson, um dos maiores líderes da KKK, que seria posteriormente condenado pelo estupro e assassinato de Madge Oberholtzer.

Cartas assinadas por Borglum registram sua indignação com a chegada de imigrantes aos Estados Unidos, rotulando-os como “uma horda de mestiços que ameaçam a pureza nórdica do Ocidente”. Outros manuscritos de Borglum dão testemunho de seu desprezo pelos povos indígenas.

A construção do monumento teve início em 1927, com Borglum à frente de uma equipe de 400 operários. Dinamite, picaretas e martelos pneumáticos foram utilizados para retalhar a antiga montanha sagrada dos indígenas e remover 450 mil toneladas de granito. A execução levou 14 anos.

Borglum morreu antes de concluir o monumento, incumbindo seu filho Lincoln de finalizar a obra. Os fundos arrecadados não foram suficientes para esculpir os bustos dos presidentes, conforme originalmente planejado. Após a execução das faces, o monumento foi declarado concluído e inaugurado em 31 de outubro de 1941.

Assim, a sagrada Montanha dos Seis Avós, centro do universo do povo Sioux, converteu-se numa ode ao patriotismo chauvinista norte-americano, erguida sobre terra indígena roubada dos nativos massacrados. Não por acaso, os quatro rostos representados contribuíram para o genocídio das culturas nativas.

Os escravagistas George Washington e Thomas Jefferson autorizaram as grandes campanhas contra dos povos indígenas das 13 colônias. Theodore Roosevelt desmantelou o Território Nativo de Oklahoma e Abraham Lincoln enviou tropas para massacrar os indígenas que se sublevaram em Minnesota em 1862.