Há 11 anos, em 21 de novembro de 2013, uma onda de protestos antigovernamentais tinha início na Ucrânia — o chamado “Euromaidan”. Cooptado pela extrema direita, o movimento chancelaria um golpe de Estado e teria consequências devastadoras, fomentando a ascensão de grupos neofascistas no Leste Europeu e incrementando as tensões regionais, que atingiriam o paroxismo com a eclosão da Guerra da Ucrânia.
O termo “Euromaidan” combina “Euro”, evocando a União Europeia, e “Maidan”, ou praça, em referência à Praça da Independência (Maidan Nezalezhnosti), o epicentro das manifestações em Kiev. O nome foi dado à série de protestos que teve início pouco tempo após o presidente ucraniano, Viktor Yanukovich, aliado histórico da Rússia, suspender as negociações do Acordo de Associação a ser firmado com a União Europeia.
O acordo incluía cláusulas prejudiciais e limitava a soberania econômica da Ucrânia, subordinando o país a regras fiscais ditadas pelo FMI e pelo Banco Mundial. Após rejeitar o acordo, o governo ucraniano tornou-se alvo de uma intensa campanha antigovernamental levada a cabo por veículos de imprensa, organizações do terceiro setor e think tanks, exortando a população do país a demandar o rompimento dos vínculos com a Rússia e uma maior integração com a União Europeia e com os Estados Unidos.
A princípio, os protestos reuniam estudantes universitários, mas logo passaram a atrair os setores médios, partidos de oposição, empresários, e associações patronais. As reivindicações iniciais incluíam pautas como maior abertura política, respeito aos direitos humanos e melhores condições de vida, mas logo foram subvertidas em favor de um virulento discurso antigovernista, calcado sobretudo em acusações de corrupção dirigidas contra Yanukovich — que havia sido convenientemente apontado pela ONG Transparência Internacional como “o líder mais corrupto do mundo”. O partido ultranacionalista Svoboda ganhou respaldo de uma parcela substancial dos manifestantes e os protestos antigovernamentais logo se converteram em um movimento de cariz neofascista.
Militantes armados da extrema-direita se agruparam para criar organizações paramilitares neonazistas como o Setor Direito e o Batalhão de Azov, passando a atacar as instalações públicas e a reprimir os apoiadores do governo e os manifestantes pró-Rússia.
O movimento se caracterizou pela profunda aversão à esquerda e ao legado socialista na Ucrânia. Centenas de estátuas de líderes comunistas e monumentos da era soviética foram vandalizados e destruídos, ao passo que colaboracionistas do regime nazista passaram a ser reabilitados como figuras heroicas — nomeadamente Stepan Bandera, líder da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN) que ajudou a exterminar os judeus durante os Pogroms de Lviv. Em diversas partes do país, extremistas de direita tomaram as sedes executivas e legislativas locais.
Uma violenta ofensiva contra as organizações sindicais ocorreria em 2 maio de 2014 — o Massacre na Casa dos Sindicatos de Odessa. O prédio que servia de sede a diversas organizações sindicais e abrigava o comitê regional do Partido Comunista da Ucrânia foi invadido e incendiado por neonazistas e ultranacionalistas apoiadores do Euromaidan. O ataque foi seguido de uma chacina e do incêndio do prédio, culminando com a morte de 42 pessoas.
Reagindo à escalada fascista e ultranacionalista, os habitantes do leste da Ucrânia e da península da Crimeia, regiões que mantêm vínculos culturais históricos com a Rússia, passaram a organizar uma série de protestos e a exigir autonomia política, sendo severamente reprimidos pelas milícias pró-Euromaidan. A Rússia respondeu anexando a Crimeia e Sevastopol ao seu território, baseando-se na realização de referendos que, em tese, avalizaram a incorporação (mais de 90% de aprovação). Grupos pró e contra a Rússia também travaram violentos combates na capital ucraniana, Kiev, resultando em dezenas de mortes. Em fevereiro de 2014, Viktor Yanukovich foi afastado da presidência e substituído pelo interino Oleksandr Turtchynov. Poucos meses depois, o bilionário Petro Poroshenko, magnata da imprensa ucraniana, assumiu o governo.
O processo de fascistização se aprofundou sob o governo Poroshenko, que incorporou as milícias neonazistas à estrutura da Guarda Nacional e instituiu a repressão sistemática da minoria pró-Rússia. Na região de Donbass, milhares de pessoas foram presas e centenas de manifestantes anti-Euromaidan foram assassinados. Habitantes do leste ucraniano foram submetidos a uma violenta campanha xenófoba e russofóbica. Vilas e aldeias foram bombardeadas e atacadas com armas proibidas.
Estima-se que a repressão do governo ucraniano já tenha deixado mais de 13.000 mortos entre 2014 e 2020. O governo ucraniano baniu os partidos comunistas e organizações da esquerda radical e instituiu um processo de revisionismo e censura nos livros didáticos, visando modificar os relatos históricos sobre o nazifascismo e o Terceiro Reich. Também instaurou uma narrativa apologética ao nazifascismo, transformando os colaboracionistas ucranianos em heróis nacionais.
Os protestos na Ucrânia e o governo neofascista que emergiu durante o Euromaidan foram financiados diretamente pelos Estados Unidos e seus aliados europeus. John Brennan, diretor da CIA, e Joe Biden, então vice-presidente dos Estados Unidos na gestão Barack Obama, se reuniram com as lideranças da oposição antes, durante e depois do golpe.
O senador republicano John McCain chegou a ser nomeado como conselheiro de Poroshenko e auxiliou diretamente na articulação das milícias neonazistas. Victoria Nuland, subsecretária do Departamento de Estado, admitiu que o governo dos Estados Unidos gastou 5 bilhões de dólares financiando o movimento que retirou o segundo maior país da Europa da órbita de influência da Rússia e a transformou em um Estado-vassalo de Washington. Por sua vez, a baronesa Catherine Ashton, responsável pela política externa da União Europeia, notabilizou-se pela indiferença que manifestou ao ser informada sobre o massacre dos manifestantes pró-Rússia cometido pelos neonazistas ucranianos.
O alto investimento de Washington se justifica pelo retorno financeiro proporcionado às corporações europeias e estadunidenses, agraciadas com a política agressiva de privatizações dos setores estratégicos instituída pelo novo governo ucraniano, que abrange da entrega do setor energético ao controle das telecomunicações. A incorporação da Ucrânia à esfera de influência da Casa Branca também traz enormes vantagens geopolíticas e fornece a OTAN novas oportunidades de expansão de sua capacidade militar. Potencializava, por fim, o plano de obstruir a operação dos gasodutos Nordstream, que permitiram à Rússia fornecer gás natural para a Europa, enfraquecendo a exportação do gás liquefeito dos Estados Unidos.
As tensões com a Rússia se agravariam sob o governo de Volodymyr Zelensky, que intensificou a aproximação da Ucrânia com o Ocidente e deu início a negociações para aderir à OTAN — o que permitiria aos Estados Unidos ampliar o cerco militar de bases e mísseis contra o território russo. Em fevereiro de 2022, alegando a necessidade de proteger a Rússia e as populações russófonas do território ucraniano, Vladimir Putin ordenou a invasão da Ucrânia. O conflito segue em andamento desde então e já deixou mais de 200 mil mortos.