Há 107 anos, em 7 de novembro de 1917 (25 de outubro no calendário juliano), as tropas bolcheviques tomavam Petrogrado, consagrando a vitória dos comunistas na Revolução de Outubro, fase derradeira da Revolução Russa. O movimento levou à instauração do primeiro Estado socialista do mundo — a República Soviética da Rússia, embrião da União Soviética — e estabeleceu um ponto de inflexão na história contemporânea, insuflando a radicalização do movimento operário e difundindo os ideais do socialismo e do comunismo por todo o mundo.
O movimento revolucionário de 1917 é tributário do contexto de forte instabilidade política e conflitos sociais que se prolongavam há várias décadas na Rússia. A nação mais populosa da Europa era também a mais pobre do continente, mantendo uma estrutura econômica semifeudal e relegando a maior parte de sua população à miséria. A emancipação dos servos e a expansão da industrialização fomentaram o surgimento de uma nova classe operária urbana, que começou a se organizar politicamente, sofrendo grande influência dos movimentos operários europeus — nomeadamente das ideias marxistas.
Como fruto desse contexto, surgiu o Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR), que logo se converteria na principal organização de oposição à autocracia czarista. Perseguida pela Okhrana (polícia política do Império Russo), a agremiação seguiu ativa no exterior e logrou estabelecer um bem sucedido trabalho de agitação das massas, majoritariamente articulado por Lenin, líder da facção bolchevique. Membros da tendência majoritária do POSDR, os bolcheviques defendiam a conquista do poder pela luta revolucionária, opondo-se à tese do “possibilismo” e à defesa da institucionalidade exercida pela minoria (mencheviques).
Os bolcheviques participaram ativamente da Revolução de 1905. O levante foi insuflado pela chacina dos trabalhadores grevistas de São Petersburgo, massacrados pela Guarda Imperial durante o Domingo Sangrento. Insatisfeitos com o regime do czar Nicolau II, trabalhadores de toda a Rússia iniciaram uma série de sublevações e greves massivas, organizadas por meio de um soviete (conselho operário). A insurreição reverberou dentro das forças armadas, ocasionando o motim da tripulação do Encouraçado Potemkin e as insurreições dos marinheiros de Kronstadt e Sebastopol.
Pressionado, Nicolau II incumbiu Sergei Witte de instituir uma série de reformas visando debelar o movimento revolucionário, levando à criação da Duma (parlamento russo) e à promulgação do Manifesto de Outubro, estabelecendo direitos e garantias constitucionais. Após obter a concordância da oposição liberal, Nicolau II enviou as tropas especiais (cossacos) para reprimir os focos revolucionários remanescentes, encerrando o levante. Não obstante, tão logo neutralizou a insurreição, o czar passou a reverter as concessões, frustrando a pretensão dos liberais de converter a Duma em uma assembleia constituinte. O descontentamento com o regime czarista seria ampliado em função da derrota humilhante do país na Guerra Russo-Japonesa.
A oposição ao regime czarista recrudesceu após o ingresso da Rússia na Primeira Guerra Mundial. O esforço de guerra foi pessimamente organizado e o exército russo viu-se obrigado a evacuar a Polônia, a Galícia e a Lituânia, sofrendo enormes perdas humanas e materiais. Já submetida a condições precárias, a população russa viu seu poder de compra decair ainda mais em função da crise hiperinflacionária. São Petersburgo (já renomeada Petrogrado) e Moscou vivenciaram uma grave escassez de comida e combustíveis, que se agravou ainda mais durante o rígido inverno de 1916/1917.
Alheia ao sofrimento das massas, a família Romanov isolou-se ainda mais da opinião pública ao submeter-se à influência nociva do místico Grigori Rasputin, que os convenceu a tomar medidas governamentais desastrosas e os implicou em escândalos de corrupção. O descontentamento generalizado desencadeou uma sucessão de greves e revoltas populares, que ganharam a simpatia dos militares de baixa patente. Em dezembro de 1916, Rasputin foi assassinado a mando da aristocracia russa.
Em 8 de de março de 1917, as operárias de Petrogrado iniciaram uma greve geral e fizeram uma enorme manifestação contra a carestia nas ruas da cidade. Nicolau II ordenou aos militares que disparassem contra a multidão e debelassem o protesto. Os soldados, entretanto, negaram-se a cumprir as ordens e juntaram-se aos manifestantes. Os oficiais que tentaram encerrar o levante foram contidos por seus próprios comandados. Em 12 de março, operários apoderaram-se do Arsenal e dos edifícios públicos, tomando o controle de Petrogrado. Presos políticos e revolucionários foram então libertados, enquanto burocratas ligados ao governo russo foram detidos.
Reconhecendo a debilidade do regime czarista, a Duma decidiu formar um comitê provisório, enquanto o soviete dos deputados operários e soldados rebelados de Petrogrado era reorganizado. Confrontado por distúrbios generalizados, abandonado por seus generais e impedido de retornar a Petrogrado pelos ferroviários em greve, Nicolau II decidiu abdicar do trono em 15 de março, sendo seguido pelo irmão e pelo filho.
Com a queda do czar, instalou-se um governo republicano provisório, encabeçado pelo príncipe Georgy Lvov e articulado por seu Ministro da Guerra, Alexander Kerenski. Dominado por liberais, o novo gabinete defendia a propriedade privada, a economia de mercado e era favorável à continuidade da Rússia na Primeira Guerra Mundial, vislumbrando a criação de uma Assembleia Constituinte concebida sob a égide da institucionalidade burguesa. O governo provisório passou a sofrer a oposição dos operários, que reivindicavam a legitimidade dos sovietes para governar. Desde fevereiro de 1917, mais de 600 sovietes haviam sido criados em toda Rússia, sob controle de bolcheviques, mencheviques, socialistas revolucionários, trabalhistas e anarquistas.
Dotado de uma boa capacidade de leitura do estado de ânimo da população, Lenin retornou à Rússia em abril de 1917, publicando em seguida suas “Teses de Abril”, em que declarava oposição ao governo provisório e reconhecia os sovietes como legítimos representantes do povo russo. Difundindo lemas como “Paz, Terra e Pão” e “Todo Poder aos Sovietes”, Lenin respondia aos anseios das massas famintas e desiludidas e consolidava seu papel como liderança máxima do movimento operário. Em seguida, o líder bolchevique iniciou a articulação dos sovietes, viabilizada pela criação do Comitê Executivo Central Panrusso, estabelecendo uma verdadeira estrutura de poder paralelo.
A insistência em manter a Rússia na guerra custou ao governo provisório a erosão acelerada do apoio popular. Após as enormes manifestações em favor do fim do conflito registradas no início de maio, Alexander Guchkov e Pavel Miliukov renunciaram aos seus postos no ministeriado, sendo substituídos por representantes do Soviete de Petrogrado. Não obstante, o antigo Estado russo já estava em franco processo de desintegração. A inflação ultrapassava a casa dos 1.000%, a comida permanecia escassa e as propriedades da nobreza e dos grandes latifundiários eram alvos de saques e incêndios, ao passo que os militares começavam a desertar em massa. Em junho, a Rada Central de Kiev proclamou a autonomia da Ucrânia, evidenciando o risco de fragmentação do território russo.
Uma enorme manifestação popular de operários e soldados, conduzida sob gritos de “Todo Poder aos Sovietes”, levou o governo provisório a expedir um mandado de prisão contra Lenin, acusando-o de estar a serviço dos alemães. O revolucionário refugiou-se então na Finlândia, onde começou a planejar a insurreição bolchevique. Em 24 de julho, Kerenski formou um novo governo de coalizão, mas não conseguiu conter o clima crescente de sublevação.
Em 9 de setembro, auxiliado por parte dos liberais, o general Lavr Kornilov tentou empreender golpe de Estado contrarrevolucionário, mas foi impedido pela mobilização conjunta de operários e soldados. O apoio popular aos bolcheviques aumentava, enquanto se aprofundava a decadência do governo provisório. Ao fim de outubro, o POSDR já contava com 225 mil filiados e milhões de simpatizantes, convertendo-se em um partido de massas, dotado de um braço armado — a Guarda Vermelha.
Encampando a defesa das “Teses de Abril”, Josef Stalin e Yakov Sverdlov tomaram a dianteira na preparação da insurreição armada, acordada após o VI Congresso do POSDR. Uma estratégia bem sucedida de cooptação garantiu aos bolcheviques a adesão quase integral dos sovietes, então liderados pelo conselho de Petrogrado, presidido por Leon Trotsky. Após retornar secretamente à Rússia, Lenin assumiu o comando do levante, dirigido a partir do Instituto Smolny, convertido em sede do POSDR.
Em 6 de novembro (24 de outubro no calendário juliano), com apoio do cruzador Aurora e de parte dos militares russos, a Guarda Vermelha invadiu o Palácio de Inverno e prendeu os membros do governo provisório. No dia seguinte, Petrogrado foi tomada. Uma semana depois, em 15 de novembro, os últimos focos de resistência do governo provisório capitularam em Moscou, consolidando a vitória dos bolcheviques.
Após o triunfo da Revolução de Outubro, convocou-se o II Congresso dos Sovietes, que aprovou a insurreição e formalizou o primeiro governo soviético: o Soviete dos Comissários do Povo (Sovnarkom), integrado exclusivamente por bolcheviques e presidido por Lenin. Em 31 de janeiro de 1918, o III Congresso Panrusso dos Sovietes formalizaria a criação da República Socialista Federativa da Rússia, o primeiro Estado socialista do mundo.
Seguindo à risca a promessa do lema “Paz, Terra e Pão”, Lenin retirou a Rússia da Primeira Guerra Mundial e deu início às reformas socialistas, redistribuindo a terra entre os camponeses, estabelecendo a igualdade formal entre homens e mulheres, nacionalizando bancos e determinando o controle das indústrias pelos operários. Em 1919, Lenin fundou a Internacional Comunista, visando promover a revolução socialista em escala global, e em 1922 instaurou a União Soviética.
A experiência socialista russa implementada após a Revolução de Outubro foi o evento histórico mais relevante desde a Revolução Francesa, moldando em grande parte as bases das organizações da esquerda contemporânea, influenciando diversos movimentos revolucionários e consolidando os avanços do movimento operário em todo o mundo.