Há 40 anos, em 29 de janeiro de 1985, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) realizava seu primeiro Congresso Nacional, sediado em Curitiba. O evento ocorreu um ano após a fundação do MST e estabeleceu as diretrizes para a atuação do movimento. Desde então, o MST ampliou enormemente sua atuação, realizando a ocupação de terras consideradas improdutivas, viabilizando a criação de assentamentos, organizando cooperativas agrícolas e projetos de educação e desenvolvimento social.
Atuação do MST
Com mais de 1,5 milhão de integrantes, o MST é o maior movimento social organizado do Brasil. O MST atua em 25 estados, pressionando pela reforma agrária, combatendo a concentração fundiária e desenvolvendo ações em prol da transformação social. O movimento já assentou mais de 450.000 famílias e mantém outras 70.000 famílias mobilizadas em seus acampamentos.
A estratégia de luta pela reforma agrária do MST inclui a ocupação de terras improdutivas — latifúndios que não são utilizados para o plantio, descumprindo o princípio constitucional da função social da terra e a legislação do Estatuto da Terra. A atuação do movimento, entretanto, é muito mais abrangente.
O MST é um dos maiores produtores de alimentos do país, atuando em pelo menos 15 cadeias produtivas. O movimento administra uma ampla rede com mais de 1.900 associações, 185 cooperativas e 120 agroindústrias, atuando na produção, beneficiamento e distribuição de mais de 1.700 produtos da reforma agrária.
Além de ser o maior produtor de leite e de alimentos orgânicos do Brasil, o MST detém o título de maior produtor de arroz orgânico da América Latina. Parte de sua produção é comercializada em feiras, supermercados e na sua rede própria (Armazém do Campo) e outra parte é distribuída para escolas públicas, hospitais e para as ações sociais.
O MST também se destaca como um dos maiores doadores de alimentos do Brasil, atendendo milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade. Desde 2020, o movimento já doou 9,8 mil toneladas de alimentos e distribuiu 2,7 milhões de marmitas. Recentemente, o MST enviou 13 toneladas de alimentos para os refugiados palestinos na Faixa de Gaza.
O MST também tem uma importante atuação educacional, administrando uma rede com mais de 2.000 escolas, garantindo acesso à educação a mais de 200.000 pessoas. Também organiza mais de 100 cursos de graduação em parceria com universidades de todo o país, por intermédio do Programa Nacional de Educação nas Áreas de Reforma Agrária (Pronera). As iniciativas educacionais do movimento obtiveram reconhecimento internacional e chancela da UNICEF.
O MST atua também na área da saúde popular. Por meio de um convênio com a Escola Latino-Americana de Medicina, o MST já conseguiu formar mais de 100 médicos, que hoje atuam na rede pública de 16 estados do Brasil. O movimento também formou mais de 2.000 agentes populares de saúde.
A história do movimento
O MST surgiu em um contexto de rearticulação da luta pela democratização da terra. A concentração de terra nas mãos de poucos proprietários rurais é uma das causas fundacionais dos problemas sociais e econômicos do Brasil. O país possui uma estrutura agrária dominada pelo latifúndio, com 1% dos proprietários rurais concentrando 49% das terras.
Essa disparidade, originada no modelo econômico agroexportador estabelecido no período colonial, agravou-se ainda mais após o golpe de 1964. Ao longo dos anos 60, a ditadura militar desarticulou a luta no campo, reprimindo violentamente as Ligas Camponesas, e incentivou a grilagem, a concentração fundiária e a violência contra os sem-terra.
No fim dos anos 70, reagindo às investidas da ditadura, os camponeses iniciaram ações de contestação ao latifúndio, ocupando as granjas Macali e Brilhante, no Rio Grande do Sul. Em 1981, os sem-terra criaram o acampamento da Encruzilhada Natalino, que se tornaria um símbolo de resistência à ditadura, atraindo apoio popular e inspirando o surgimento de novos focos de resistência em todo o país.
Em 22 de janeiro de 1984, ao término do 1º Encontro Nacional dos Sem Terra, sediado em Cascavel, no Paraná, os trabalhadores rurais que protagonizavam essas lutas unificaram seus movimentos, fundando assim o MST.
A partir de 1985, o movimento começou a se expandir nacionalmente, com dezenas ocupações em todas as regiões do Brasil — incluindo-se o acampamento da Fazenda Annoni, no Rio Grande do Sul, que se tornaria o primeiro latifúndio ocupado a ser desapropriado e dividido entre famílias assentadas, um marco histórico do movimento e da reforma agrária no Brasil.
Como fruto da pressão exercida pelo MST e do contexto de abertura política, o governo Sarney criou o Plano Nacional da Reforma Agrária. Não obstante, apenas 6% dos assentamentos previstos no plano saíram do papel.

Militantes participam da marcha de encerramento do 5º Congresso do MST em 2007
De Collor a FHC
Após a promulgação da Constituição de 1988, reconheceu-se oficialmente a legalidade da desapropriação de terras que não cumprissem a função social. O governo de Fernando Collor, entretanto, não realizou nenhuma desapropriação, preferindo iniciar uma forte repressão contra os movimentos sem-terra.
A Lei Agrária, aprovada no governo de Itamar Franco, agilizou o processo de desapropriação e os assentamentos retornaram a partir de 1993. Nesse mesmo ano, o MST encampou a criação da Via Campesina, um movimento internacional aglutinando organizações camponesas de todos os continentes.
A breve distensão observada após a queda de Collor seria revertida na gestão de Fernando Henrique Cardoso, marcada pela destruição da política de crédito para compra de terras e pelo aumento do êxodo rural, em decorrência da ação dos bancos contra pequenos agricultores endividados.
FHC aprovou duas medidas provisórias que buscavam criminalizar a ocupação de terras, ao mesmo tempo em que maquiou estatísticas de assentamento como ferramenta de propaganda, “clonando” assentamentos criados em governos anteriores e pelos executivos estaduais e registrando-os como assentamentos novos.
O governo FHC também foi marcado pelo recrudescimento da violência no campo, com a ocorrência de dois dos maiores massacres de sem-terra desde a redemocratização: o Massacre de Corumbiara, ocorrido em Rondônia em 1995, e o Massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996.
Em reação aos massacres, o MST organizou as grandes marchas de 1997, com três grandes colunas de manifestantes se locomovendo a pé de vários estados do país até Brasília, onde foram saudados por 100.000 manifestantes
O movimento ganhou visibilidade internacional e apoio de parte da classe artística. Ações de financiamento das atividades do MST passaram a ser organizadas por nomes como José Saramago, Chico Buarque e Sebastião Salgado. Noam Chomsky se referiu ao MST como “o movimento popular mais importante e estimulante do mundo”.
Em 1999, o MST foi um dos organizadores da Jornada Nacional de Lutas, protestando contra a agenda neoliberal do governo FHC e a política de privatização, austeridade e cortes de investimentos públicos.
De Lula I a Lula III
A vitória do PT na eleição presidencial de 2002 gerou grandes expectativas quanto ao cumprimento das reivindicações históricas do MST — em especial, a implementação de um programa abrangente de reforma agrária —, mas a ação do governo ficou aquém do esperado.
O governo Lula ampliou o número dos assentamentos, atendendo 614 mil famílias, e destinou mais de 48 milhões de hectares para a reforma agrária. Foram desenvolvidos 3.542 Projetos de Assentamentos durante a gestão Lula. Mais de 390 mil casas foram construídas ou reformadas em assentamentos e importantes programas de apoio à agricultura familiar foram criados.
Os incentivos dados pelo governo ao agronegócio e as concessões aos interesses dos grandes produtores rurais, entretanto, limitaram as conquistas. O ritmo dos assentamentos diminuiu no segundo mandato de Lula. Não houve a criação de programas visando democratizar a estrutura fundiária. Em 2005, visando pressionar por mais assentamentos, o MST realizou uma nova Marcha Nacional pela Reforma Agrária e organizou as ocupações nas fazendas da Suzano e da Cutrale.
O MST também criticou a diminuição no ritmo dos assentamentos durante o governo de Dilma Rousseff. Não obstante, o movimento foi um dos opositores mais vocais do impeachment, convocando seus filiados a lutarem nos atos contra o golpe em 2016.
Nos governos Temer e Bolsonaro, os assentamentos foram drasticamente reduzidos. O número de famílias assentadas despencou de 26.335 em 2015 para 1.374 em 2019. Em 2020, o governo Bolsonaro cortou 99% de toda a verba destinada à reforma agrária e paralisou 413 processos de desapropriação estavam sendo conduzidos pelo INCRA.
Além de interromper os assentamentos, Bolsonaro buscou criminalizar o MST, rotulando-o como uma “organização terrorista”. Seu governo tentou aprovar um projeto de lei que permitiria ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para reintegração de posse no campo. Ao mesmo tempo, Bolsonaro estimulou a repressão aos movimentos sociais e tentou viabilizar um projeto de “excludente de ilicitude” que isentaria de responsabilidade jurídica os agentes públicos que matassem em serviço.
A exortação à barbárie teve consequências. Em 2019, foram computados 1254 casos de conflitos no campo, incluindo o assassinato de lideranças do MST — o maior número registrado desde o fim da ditadura.
Em 2022, o MST se engajou fortemente na campanha pela eleição de Lula à presidência. O movimento também realizou, pela primeira vez, uma estratégia eleitoral coordenada, elegendo seis parlamentares para cargos estaduais e federais.
Após a eleição, Lula lançou o programa Terra da Gente, comprometendo-se a incorporar 295 mil famílias ao Programa Nacional de Reforma Agrária até 2026. O MST, entretanto, tem criticado a morosidade das ações, denunciando a paralisação da reforma agrária. O movimento reivindica junto ao governo o atendimento a um milhão de famílias.