Há 300 anos, em 18 de novembro de 1724, falecia o inventor brasileiro Bartolomeu de Gusmão. Detentor da primeira patente de invenção do continente americano, Bartolomeu se destacaria como precursor da navegação aérea, ao construir o primeiro protótipo de um aeróstato funcional. O experimento impressionou a corte portuguesa e rendeu a Bartolomeu a alcunha de “Padre Voador”. O brasileiro daria diversas outras contribuições para a ciência, mas teve sua vida arruinada pela Inquisição da Igreja Católica.
Bartolomeu de Gusmão nasceu em Santos, no litoral paulista, em dezembro de 1685, como um dos doze filhos do cirurgião Francisco Lourenço e sua esposa, Maria Álvares. Era irmão do célebre diplomata Alexandre de Gusmão, responsável por elaborar a doutrina “uti possidetis”, que legitimou a expansão colonial portuguesa sobre as terras da Espanha nas negociações do Tratado de Madri. Após cursar as primeiras letras em Santos, Bartolomeu se mudou para a Bahia a fim de prosseguir com os estudos e iniciar sua carreira sacerdotal no Seminário de Belém, em Cachoeira, então uma das mais destacadas instituições de ensino da colônia portuguesa.
Destacando-se por sua grande inteligência e enorme curiosidade científica, Bartolomeu iniciou em Cachoeira seus primeiros inventos mecânicos. Situado em uma colina de 100 metros de altura, o Seminário de Belém sofria com o abastecimento de água precário, dependendo do transporte de vasos de água do Rio Pitanga. Para resolver o problema, Bartolomeu concebeu um maquinário que permitia bombear a água até o edifício por uma rede de canos.
A bomba hidráulica funcionou com perfeição, impressionando o reitor do seminário. Em 1705, Bartolomeu requereu à Câmara de Salvador a patente do “invento para fazer subir água a toda distância e altura que se quiser levar”. O pedido foi aceito. Em 1707, Bartolomeu se tornou detentor da primeira patente outorgada a um inventor do continente americano — sendo por isso alcunhado “o primeiro cientista das Américas”.
Após concluir o curso no Seminário de Belém, Bartolomeu se transferiu para Salvador, onde ingressou na Companhia de Jesus. A fama sobre seus dotes intelectuais chegou à corte portuguesa. Em 1701, Bartolomeu embarcou para Lisboa, onde permaneceu hospedado na casa do fidalgo Rodrigo Anes de Sá, o 3º Marquês de Fontes.
De volta ao Brasil, Bartolomeu foi ordenado como sacerdote secular e seguiu estudando filosofia, matemática e física experimental — em especial os textos do polímata grego Arquimedes. Interessou-se ainda pela poesia, oratória e mitologia, aprendeu latim, francês e italiano e iniciou os estudos de grego e hebraico, tornando-se um dos maiores intelectuais da colônia.
Em 1708, Bartolomeu retornou a Portugal, matriculando-se no curso de Direito Canônico da Universidade de Coimbra. Abandonou o curso para se mudar para Lisboa, onde foi pessoalmente recebido pelo rei Dom João V e pela rainha Maria Ana de Áustria. Na capital portuguesa, aprofundou seus estudos sobre o empuxo arquimediano, com base nos quais concebeu um projeto de aeróstato — um grande balão esférico, revestido por tela consistente, apto a se elevar do chão ao ser preenchido com ar quente. Pediu então a patente de um “instrumento para que se ande pelo ar”, concedida em abril de 1709.
A notícia de registro de uma invenção capaz de voar causou celeuma nas cortes europeias. Concepções artísticas fantasiosas do aeróstato começaram a circular, representando o balão como uma embarcação com formato de pássaro, à qual se deu o nome de “Passarola”. Tais desenhos foram baseados em uma ilustração enganosa feita por Joaquim Francisco de Sá, o Conde de Penaguião, intencionalmente vazada por Bartolomeu com o objetivo de proteger sua invenção.
Em agosto de 1709, Bartolomeu recebeu autorização do rei de Portugal para demonstrar o invento à corte portuguesa. Foram feitos cinco experimentos com modelos de pequenas dimensões. Na primeira tentativa, realizada na Casa do Forte, o protótipo pegou fogo antes de subir. Dois dias depois, em 5 de agosto, realizou-se uma nova apresentação na Casa Real. O balonete se elevou a 4,6 metros de altura, mas pegou fogo no ar, sendo derrubado por funcionários receosos de um incêndio no recinto. Na terceira experiência, o protótipo fez um voo curto, mas incendiou-se ao pousar. Na quarta tentativa, levada a cabo na Praça do Comércio, o balão se elevou a uma grande altitude e pousou com perfeição.
A quinta demonstração, conduzida no Palácio Real no dia 8 de agosto, diante do rei e dos embaixadores das nações europeias, foi a mais bem sucedida. O balão subiu até o teto, permaneceu suspenso no ar por um bom tempo e então desceu suavemente ao chão. Uma nova demonstração bem sucedida do invento foi realizada em 3 de outubro de 1709, na Casa da Índia, com um protótipo bem maior do que os anteriores.
Embora tenha despertado a curiosidade do público, a invenção de Bartolomeu não bastou para garantir investimentos da corte. Os balões não tinham capacidade de transportar objetos muito pesados, a trajetória do voo não podia ser controlada e ainda havia o risco de provocar acidentes. Assim, a coroa portuguesa descartou a ideia de financiar aeróstatos tripuláveis.
Bartolomeu seguiu projetando novos inventos. Em 1713, apresentou na Holanda um pedido de patente para um novo modelo de bomba hidráulica, capaz de impedir o alagamento de navios (“uma máquina para a drenagem de água alagadora de qualquer embarcação em alto mar”), expedida três meses depois. Concebeu ainda um sistema de espelhos e lentes convergentes que permitiam assar carne ao sol, trabalhou com fabricação de carvão artificial e inventou uma máquina para ampliar a potência dos moinhos hidráulicos, também contemplada com patente.
Em 1720, após concluir o curso de Direito Canônico, Bartolomeu foi convocado pelo rei de Portugal para servir no Ministério das Relações Exteriores. Nesse mesmo ano, tornou-se membro fundador da Academia Real de História Portuguesa, encarregando-se de registrar a história eclesiástica do Bispado do Porto. Dois anos depois, foi laureado com o título de fidalgo-capelão da Casa Real portuguesa.
O enorme prestígio intelectual de Bartolomeu, entretanto, não o manteve a salvo das intrigas e campanhas de difamação movidas por seus detratores. Além dos boatos de que seus inventos eram derivados de um pacto com o Diabo, Bartolomeu foi acusado de ser simpatizante dos cristãos-novos. Acusado de conversão ao judaísmo, o inventor caiu em desgraça e passou a ser perseguido pela Inquisição. Fugiu para a Espanha, percorrendo longas distâncias a pé, objetivando exilar-se em seguida na Inglaterra — sem sucesso. Adoeceu gravemente durante a fuga, sendo levado ao Hospital da Misericórdia de Toledo, onde faleceu em 18 de novembro de 1724, aos 38 anos de idade.
Os estudos de Bartolomeu de Gusmão com aeróstatos seriam retomados quase 80 anos mais tarde pelos irmãos franceses Joseph e Etienne Montgolfier, responsáveis por construir o primeiro balão tripulado do mundo, em 1783. E o sonho de alcançar os céus seguiria inspirando ao longo dos séculos seguintes as jornadas dos pioneiros da aviação, levadas a um outro patamar graças a um brasileiro igualmente singular em genialidade: Alberto Santos Dumont.