Há 65 anos, em 17 de junho de 1959, o governo de Juscelino Kubitschek rompia relações com o FMI. A ação ocorreu em resposta às exigências do “tratamento de choque” imposto pelo organismo internacional ao governo brasileiro, que estavam comprometendo o Plano de Metas — base do projeto nacional-desenvolvimentista de JK.
No Brasil, o nacional-desenvolvimentismo tem como marco inicial o governo de Getúlio Vargas. A Crise de 1929, instaurada após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, pôs em xeque o programa liberal que predominava desde o início da Primeira República, gerando a necessidade de um novo arranjo político que superasse os pactos oligárquicos da “República do Café com Leite”. Alçado à presidência pela Revolução de 1930, Getúlio Vargas instituiu um governo centralizado e privilegiou iniciativas de modernização da estrutura produtiva, com a participação ativa do Estado na economia.
Visando diminuir a dependência do Brasil do setor primário, Vargas implementou uma série políticas de incentivo à industrialização e à diversificação econômica, fundou estatais como a Companhia Siderúrgica Nacional e a Companhia Vale do Rio Doce e implementou a política de substituição de importações, estimulando a produção nacional. Esse processo de modernização foi retomado durante o segundo governo Vargas, quando foram criados projetos que ampliavam a regulamentação do mercado e limitavam a remessa de lucros para o exterior. Vargas também inaugurou a Petrobrás, propôs a criação da Eletrobrás e tocou projetos de expansão do parque fabril, levados a cabo pela Comissão de Desenvolvimento Industrial.
O processo de modernização da estrutura produtiva brasileira enfrentou a reação incisiva das velhas oligarquias, politicamente representadas pela União Democrática Nacional (UDN). Defendendo os interesses dos grandes proprietários de terras, a UDN tentou a todo custo boicotar o projeto nacional-desenvolvimentista, ao mesmo tempo em que defendia um retorno ao programa econômico liberal, calcado na primazia do modelo agroexportador e na subordinação ao capital internacional. Apoiada pelos setores conservadores das Forças Armadas, a burguesia oligárquica iniciou uma oposição cerrada ao que chamava de “populismo getulista”, tendo como ponta de lança a grande imprensa — sobretudo os impérios midiáticos de Assis Chateubriand e Roberto Marinho, que controlavam emissoras de rádio, televisão e os jornais e revistas de maior circulação. A inflamada pressão midiática contribuiria para gerar uma grave crise política, que culminaria no suicídio de Getúlio Vargas em 1954.
Café Filho assumiu a presidência após a morte de Vargas. Sob pressão dos udenistas, o mandatário implementou um projeto de orientação liberal, reduzindo drasticamente os investimentos públicos, concedendo incentivos ao setor privado e adotando uma política de austeridade fiscal. O programa nacional-desenvolvimentista, entretanto, seria retomado já em 1956, após a eleição de Juscelino Kubitschek (JK).
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JK se lançou candidato à eleição de 1955 com um discurso fortemente desenvolvimentista, sintetizado pelo slogan “50 anos em 5” — prometendo 50 anos de desenvolvimento em 5 anos de mandato. À época, o cargo de vice-presidente não era decidido por chapa, mas por eleição independente. João Goulart, o ex-Ministro do Trabalho de Vargas, também ligado à tradição desenvolvimentista, foi eleito para a vice-presidência no mesmo pleito.
Confirmada a vitória dos dois varguistas, a oposição reacionária partiu imediatamente para o golpismo. Parlamentares da UDN tentaram impugnar a posse, sob o pretexto de que JK não fora eleito pela maioria absoluta dos votos. A posse do presidente foi garantida pela firme reação do marechal Teixeira Lott, que mobilizou suas tropas e depôs o udenista Carlos Luz, sucessor de Café Filho e articulador do movimento golpista no parlamento. Duas semanas após a posse, JK teve de enfrentar mais uma crise: a Revolta de Jacareacanga, uma rebelião de oficiais da Aeronáutica que exigiam a derrubada do novo mandatário. O movimento se prolongou por três semanas, até ser debelado pelas tropas legalistas.
Superados os intentos golpistas iniciais, JK se dedicou a construir sua base de apoio. A aliança articulada entre o PDS e o PTB foi fundamental para garantir a estabilidade política e avançar o programa consagrado pelas urnas. A base do projeto nacional-desenvolvimentista de JK era o chamado “Plano de Metas” — o mais arrojado programa de planejamento estatal e modernização econômica já implementado no Brasil. O plano abrangia 31 metas, divididas em seis eixos centrais: energia, transportes, alimentação, indústria de base, educação e a construção de Brasília.
JK se destacou por conseguir articular de forma mais fluída a participação do setor privado em seu programa econômico. O governo tinha a atribuição de planejar e coordenar as ações, mas incentivou de forma ativa a participação do empresariado e do capital estrangeiro nos projetos. Para fomentar a industrialização, JK liberou a importação de bens de capital, condicionando-a à associação ao capital nacional. Também foram criados órgãos administrativos paralelos, com a função de desburocratizar e dinamizar as ações governamentais.
Os investimentos feitos pelo governo JK tiveram um impacto muito significativo na economia, mas também foram apontados como responsáveis pela aceleração do processo inflacionário. JK sofreu muita pressão de sua própria equipe econômica para limitar a emissão de moeda — medida que vinha sendo largamente empregada para garantir o financiamento das obras. Assim, visando obter outras fontes de recursos para continuar com seu Plano de Metas, o governo recorreu ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
O Brasil integrava o FMI desde a criação do órgão em 1945, mas nunca havia solicitado recursos ao fundo. O governo JK iniciou as negociações em 1957, pleiteando um empréstimo de US$ 300 milhões. As negociações foram bem mais árduas do que o governo previa. O FMI determinou que o Brasil adotasse um verdadeiro “tratamento de choque” para liberar o empréstimo, exigindo medidas severas de austeridade fiscal, incluindo cortes nos gastos e investimentos públicos, fim dos subsídios de importação, restrição das linhas de crédito, medidas para reduzir o déficit comercial e conter o crescimento dos salários. Estabeleceu ainda uma meta de redução da inflação para o patamar de 6% ao ano — o que exigia sacrifícios fiscais de grande porte.
Em junho de 1958, obedecendo às exigências do FMI, JK demitiu o ministro da Fazenda, José Maria Alkmin (primo do atual vice-presidente Geraldo Alckmin) e entregou o comando da pasta a Lucas Lopes. O novo ministro foi incumbido de elaborar o Plano de Estabilização Monetária (PEM), idealizado em conjunto com o economista Roberto Campos. Apresentado ao Congresso em outubro de 1958, o plano previa a adoção de uma política monetária restritiva, extinguia os subsídios aos produtores e limitava drasticamente a capacidade de investimento do governo. O projeto provocou um debate acirrado e o descontentamento generalizado dos desenvolvimentistas, que apontavam que as medidas inviabilizariam a continuidade do Plano de Metas e a construção de Brasília.
As medidas recomendadas pelo FMI já vinham resultando na elevação do custo de vida e no crescente descontentamento popular. A influência do FMI na condução da política econômica também estava desgastando o governo, gerando a insatisfação dos nacionalistas e acusações de ingerência externa e desrespeito à soberania nacional. JK tentou criar uma alternativa, lançando a Operação Pan-Americana (OPA), — um programa que visava atrair investimentos do governo norte-americano aos países da América Latina — mas não obteve o respaldo de Washington para a iniciativa. Considerando que abandonar o Plano de Metas e as promessas de campanha para cumprir as exigências do FMI era algo fora de questão, JK decidiu encerrar as negociações e rompeu relações com o fundo.
Em 17 de junho de 1959, JK conclamou o povo a comparecer às portas do Palácio do Catete para um pronunciamento oficial. Diante de uma plateia de milhares de pessoas, o presidente anunciou que o Brasil estava rompendo com o FMI e explicou que as medidas exigidas pelo órgão prejudicavam o desenvolvimento nacional. Ainda em 1959, JK fez uma série de mudanças em sua equipe econômica, substituindo Lucas Lopes por Paes de Almeida no Ministério da Fazenda e trocando Roberto Campos por Lúcio Meira no comando do BNDE. As medidas tomadas por JK foram severamente criticadas pela imprensa liberal e pelos udenistas, mas o presidente reconquistou o apoio de sua base, que se viu contemplada pela continuidade do programa nacional-desenvolvimentista, respeitando a opção popular que havia prevalecido nas urnas.
Retomado por JK, o Plano de Metas resultou em uma transformação sem precedentes na infraestrutura e no parque industrial do Brasil. A rede rodoviária foi ampliada em mais de 20 mil quilômetros, com estradas ligando todas as regiões do país. A capacidade energética instalada foi enormemente expandida com a construção das usinas de Furnas e Três Marias. O governo fortaleceu a indústria petroquímica e siderúrgica e impulsionou a instalação da indústria automobilística. Os investimentos no setor agropecuário fomentaram a mecanização e ampliaram a produção de trigo e fertilizantes. Por fim, a construção de Brasília aqueceu enormemente o setor da construção civil e estimulou o desenvolvimento econômico da região Centro-Oeste. Como resultado dessas medidas, a economia brasileira cresceu a uma média de 7% ao ano durante o mandato de JK, ao passo que a produção industrial foi ampliada em mais de 80%.