Há 41 anos, em 25 de outubro de 1983, as Forças Armadas dos Estados Unidos invadiam a pequena nação caribenha de Granada durante a “Operação Fúria Urgente”. Lançada sob o pretexto de “proteger os cidadãos norte-americanos” e “restaurar a democracia”, a invasão tinha por objetivo derrubar o governo socialista da ilha e instalar um regime alinhado aos interesses norte-americanos.
As primeiras eleições de Granada foram realizadas em 1976, dois anos após a pequena nação insular do Caribe decretar sua independência do Reino Unido. O pleito, vencido pelo premiê conservador Eric Gairy, foi marcado por denúncias de fraude e manipulação.
Gairy era o chefe de governo de Granada desde 1967, ainda durante o domínio colonial britânico. Sua gestão era bastante impopular, marcada por escândalos de corrupção, crises econômicas e negligência em relação aos problemas sociais da ilha. Diversos observadores internacionais denunciaram que a eleição fora fraudada, mas Gairy conseguiu se impor no cargo de primeiro-ministro.
Gairy tentou abafar as denúncias de fraude e esmagar a oposição nos anos seguintes. Para isso, o premiê contava com seu próprio exército privado — a “Mongoose Gang”, uma força paramilitar incumbida de intimidar e eliminar adversários e opositores e de reprimir as manifestações populares. Gairy também mantinha relações estreitas com a máfia norte-americana e com o regime ditatorial de Augusto Pinochet, que lhe fornecia apoio militar e financeiro.
A despeito da repressão, Gairy não conseguiu conter a crescente insatisfação popular e as acusações de que seu governo era ilegítimo. Greves e protestos eclodiram por toda a ilha, exigindo a renúncia do premiê. O revolucionário Maurice Bishop, principal expoente da esquerda radical granadina, assumiu o comando da oposição e conclamou as massas a se rebelarem. Ativo nas lutas sindicais e populares de Granada desde os anos 60, Bishop era o líder do partido marxista-leninista Movimento New Jewel. Ele havia sido duramente perseguido pelo regime de Gairy — que chegou ao ponto de assassinar o seu pai, morto a tiros pelos homens da Mongoose Gang.
Em 13 de março de 1979, eclodiu no país uma grande insurreição armada, liderada por Bishop e pelo Movimento New Jewel. Aproveitando-se da ausência do primeiro-ministro, que se encontrava em viagem aos Estados Unidos, os rebeldes tomaram os quartéis, estações de rádio e instalações do governo. A operação transcorreu quase sem violência e contou com amplo respaldo popular. Os rebeldes decretaram então a deposição de Eric Gairy e fundaram o Governo Revolucionário Popular de Granada.
Maurice Bishop assumiu o cargo de primeiro-ministro e estabeleceu um governo de inspiração socialista. Entre 1979 e 1984, o governo revolucionário de Granada conduziu uma série de reformas políticas e econômicas e implementou diversos programas sociais. Bishop introduziu um sistema universal de saúde pública e investiu pesado na ampliação das redes de ensino. Também instituiu programas para estimular a criação de empregos e fundou uma campanha nacional de alfabetização, contando com auxílio técnico de Cuba. Em quatro anos, a taxa de analfabetismo de Granada foi reduzida de 35% para 5% da população e a taxa de desemprego caiu de 50% para 14%.
Bishop criou uma legislação de proteção aos direitos trabalhistas, estabeleceu leis de combate ao racismo, decretou a igualdade formal entre homens e mulheres, determinou a equiparação de salários, adotou a licença remunerada, tornou ilegal a discriminação sexual e criou as organizações populares de autogestão regional. O objetivo do governo revolucionário era substituir gradualmente o regime parlamentar por um sistema de democracia participativa, com assembleias populares assumindo a gestão política do país. O líder granadino também substituiu as Forças Armadas pelo Exército Popular Revolucionário.
No campo da política externa, o governo Bishop buscou se aproximar das nações socialistas, estabelecendo acordos de cooperação com Cuba, Alemanha Oriental, Vietnã e União Soviética. A colaboração com o governo cubano foi particularmente extensa. Cuba forneceu armas e técnicos militares para Granada e auxiliou na implementação do sistema de saúde e no desenvolvimento da infraestrutura — chegando até mesmo a financiar a construção de um novo aeroporto internacional no país, visando fomentar o turismo na ilha.
Incomodado com a adoção de políticas anticapitalistas em Granada e com a aproximação entre a ilha e os governos socialistas, o presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, passou a acusar Granada de estar “militarizando o Caribe” e se tornando uma “ameaça potencial aos Estados Unidos”. Reagan apontava como evidência de “militarização” a construção do Aeroporto de Point Salines, financiado pelo governo cubano — alegando que a ampla pista fora projetada para recepcionar grandes aeronaves soviéticas.
A Casa Branca lançou uma ofensiva diplomática para isolar Granada, acusando o governo de Bishop de cometer violações de direitos humanos e atentar contra a democracia. O governo norte-americano também articulou a criação de uma frente internacional de oposição a Granada, composta por chefes de governo do Caribe. Por fim, a Marinha dos Estados Unidos iniciou a realização de manobras militares em águas caribenhas, visando intimidar o governo de Granada.
Paralelamente à crise diplomática com os Estados Unidos, Granada viu-se mergulhada em uma crise política interna, quando o vice-primeiro-ministro do país, Bernard Coard, começou a desafiar a liderança de Bishop. Coard pertencia a uma facção ultrarradical do Movimento New Jewel, que acusava Bishop de estar se afastando dos ideais revolucionários e de ser excessivamente influenciado por sua popularidade pessoal. Eles demandavam uma governança mais rígida e centralizada, assentada sobre a autoridade do Estado, e acusavam Bishop de tomar decisões unilaterais e de tentar minar a força política do partido.
A disputa interna chegou ao ápice em 13 de outubro de 1983, quando Coard e membros do Exército Popular Revolucionário detiveram Maurice Bishop e o colocaram sob prisão domiciliar. O ato foi rechaçado pela grande maioria da população, que enxergava Bishop como líder legítimo do país. Protestos exigindo a libertação do primeiro-ministro mobilizaram multidões em todo a ilha.
Libertado no dia 19 de outubro, Bishop iniciou de imediato um movimento para tentar retomar o controle de Granada, conclamando os seus apoiadores a ocuparem o Forte Rupert. Negando-se a costurar uma saída negociada e pacífica para a crise, Coard enviou tropas para “restaurar a ordem”. No mesmo dia, Bishop e sete de seus aliados foram capturados e sumariamente executados por um pelotão de fuzilamento.
O assassinato de Bishop revoltou a população granadina, que saiu às ruas em peso, construindo barricadas, depredando e invadindo os prédios públicos. Os protestos foram reprimidos pelo exército, que instituiu um rigoroso toque de recolher. Um conselho militar provisório assumiu o comando do país e ordenou a prisão do governador-geral Paul Scoon.
Enxergando a crise política como um cenário ideal para concretizar uma operação de mudança de regime, o governo dos Estados Unidos decidiu intervir militarmente em Granada. Reagan justificou a intervenção dizendo que precisava agir para “restaurar a estabilidade” e “proteger os 600 estudantes norte-americanos” que viviam no país. A operação foi planejada pelo Secretário de Defesa Caspar Weinberger e por seu assistente militar Colin Powell, com base em invasões simuladas de Granada conduzidas pelos militares norte-americanos desde 1981.
A ofensiva, denominada “Operação Fúria Urgente”, começou às 5 horas da manhã do dia 25 de outubro de 1983 e contou com a participação de 7.000 soldados, transportados por aeronaves e navios de guerra e comandados pelo vice-almirante Joseph Metcalf III. Os governos vassalos de Jamaica e de Barbados e a Organização dos Estados do Caribe Oriental (Antígua e Barbuda, Dominica, São Cristóvão e Névis, Santa Lúcia e São Vicente e Granadinas) também despacharam tropas para auxiliar os Estados Unidos na invasão.
Somando apenas 1.500 homens, equipados com armas leves ou obsoletas, as tropas granadinas lutaram em grande desvantagem. Cuba disponibilizou 600 combatentes, em sua maioria civis, para auxiliar Granada. A União Soviética também ajudou com o envio de veículos blindados, canhões antiaéreos, fuzis e submetralhadoras.
Já no primeiro dia da invasão, as tropas norte-americanas capturaram o Aeroporto de Point Salines e a Rádio Free Grenada. Avançaram em seguida para a capital do país, Saint George’s, tomando o controle do Forte Rupert, um dos principais centros de comando do governo granadino. Durante a missão, os norte-americanos bombardearam um hospital psiquiátrico da capital, matando 18 civis.
Os combatentes cubanos e as forças locais impuseram forte resistência, mas foram subjugadas pela superioridade numérica e bélica dos invasores. Em 28 de outubro, as principais áreas estratégicas de Granada já estavam sob controle norte-americano e o governo revolucionário havia sido efetivamente desmantelado. A operação foi oficialmente concluída em 2 de novembro de 1983, quando os últimos focos de resistência foram neutralizados e os líderes do governo granadino foram presos. A invasão deixou centenas de mortos e feridos.
Os Estados Unidos seguiram ocupando militarmente a ilha de Granada até dezembro de 1983, quando Herbert Blaize, líder da agremiação conservadora Novo Partido Nacional, assumiu a chefia do governo. A operação militar foi criticada até mesmo por aliados dos Estados Unidos, que a enxergaram como uma intervenção desproporcional nos assuntos internos de uma nação muito menor. A invasão também foi condenada pela Assembleia Geral da ONU, que a considerou uma “violação flagrante do direito internacional” — embora nenhuma medida tenha sido tomada para punir os invasores.
Reagan ignorou as críticas internacionais e exaltou efusivamente a vitória norte-americana na operação, afirmando que “nossos dias de fraqueza acabaram” — em referência à humilhante derrota sofrida alguns anos antes pelo exército norte-americano no Vietnã. A imprensa norte-americana ecoou o entusiasmo do presidente, justificando a necessidade de combater um “perigoso regime comunista” vizinho aos Estados Unidos.
Para rebater as críticas, o Departamento de Estado lançou uma campanha de desinformação, disseminando boatos para vilanizar o governo revolucionário de Granada. O mais famoso deles dizia que os soldados norte-americanos tinham descoberto uma vala com mais de 100 corpos de civis assassinados por revolucionários socialistas. Provou-se posteriormente que a acusação era falsa.