Sexta-feira, 11 de julho de 2025
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Há 103 anos, entre os dias 4 e 5 de julho de 1922, tinha início a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, a primeira de uma série de rebeliões do movimento tenentista.

A insurreição mobilizou militares de baixa e média patente do Exército Brasileiro que se contrapunham ao domínio das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais sobre o país — a chamada “política do café com leite”.

Os tenentistas também reivindicavam a reforma do sistema político, o fim do voto de cabresto e mais investimentos em educação e serviços públicos. O estopim da revolta foi a eleição de Artur Bernardes à presidência, marcada por fraudes eleitorais.

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Os rebeldes tomaram o Forte de Copacabana, de onde tentaram coordenar o levante, mas a insurreição não obteve o apoio do alto comando das Forças Armadas, sendo rapidamente esmagada.

Apesar da derrota, o movimento inspiraria uma série de revoltas ao longo dos anos 20, incluindo a Revolta Paulista de 1924, a Comuna de Manaus, a Coluna Prestes e a Revolução de 1930.

A Primeira República

A década de 1920 foi marcada pela intensa agitação política, impulsionada pelas transformações sociais e econômicas e pelas tensões decorrentes da crise do sistema oligárquico da Primeira República.

Em meio ao acelerado crescimento urbano e à expansão das indústrias no Sudeste, observou-se a eclosão do movimento operário. Influenciados por ideias anarquistas e socialistas, os trabalhadores organizaram as primeiras grandes greves e protestos exigindo melhores salários e condições dignas de vida.

Havia uma insatisfação generalizada com o sistema político. O país seguia há décadas subordinado à chamada “política do café com leite”, em que as elites oligárquicas de São Paulo e Minas Gerais se revezavam no poder, gastando recursos vultosos subsidiando cafeicultores e pecuaristas mineiros e paulistas, ao passo que outros setores da economia nacional eram negligenciados.

Práticas de corrupção e clientelismo eram generalizadas e as eleições eram sempre marcadas por fraudes, manipulações e pelo chamado “voto de cabresto”. A maior parte da população, incluindo parte substancial dos setores médios urbanos, não tinham voz nas decisões políticas.

Agravando o quadro, o Brasil vivia desde o fim da Primeira Guerra Mundial uma grave crise fiscal, acentuada pela queda abrupta das exportações durante a gestão de Epitácio Pessoa. A crise gerou desemprego e o aumento do custo de vida, ampliando a insatisfação popular.

O movimento tenentista

Dentro do Exército, o clima também era de descontentamento. Os oficiais se ressentiam do desmonte ao qual a instituição estava sendo submetida desde o fim da chamada “República da Espada”. Os militares de baixas e médias patentes começaram a se organizar politicamente, a princípio exigindo mais investimentos no Exército, melhores soldos e assistência aos soldados.

Aos poucos, as críticas ultrapassaram os limites da caserna e começaram a ser dirigidas ao próprio sistema político. Os militares passaram a reivindicar reformas políticas e sociais, como a modernização do sistema eleitoral, o fim das práticas clientelistas, a instituição do voto secreto, maior independência entre os poderes e a ampliação dos investimentos em educação e nos serviços públicos. Esse processo ganharia força a partir de 1922, resultando na criação do movimento tenentista.

O tenentismo não era um movimento ideologicamente homogêneo. Embora fosse fortemente inspirado no positivismo de Benjamin Constant, o movimento absorveu influências de diversas correntes do nacionalismo e do pensamento progressista. Englobava, portanto, desde membros que seriam futuramente associados à esquerda radical (como Luiz Carlos Prestes) até figuras vinculadas à extrema-direita (caso de Filinto Müller).

O elemento de coesão que unificava o grupo era reivindicação da superação do sistema político vigente e a crença de que o Exército era a instituição capaz de liderar a transformação do país, corrigindo as injustiças e promovendo o desenvolvimento nacional.

A eleição de 1922

A eleição presidencial de 1922 aprofundou a crise política da Primeira República. O candidato governista ao pleito era o advogado Artur Bernardes, representante das oligarquias de São Paulo e Minas Gerais. Ele foi fortemente favorecido por Epitácio Pessoa, o presidente em exercício.

Já a oposição estava representada pela candidatura do fluminense Nilo Peçanha. Nilo encabeçava a chapa da Reação Republicana, apoiada por estados como Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Rio Grande do Sul. Os tenentistas se engajaram fortemente na campanha de Nilo, articulando alianças com outros setores da sociedade civil que estavam descontentes com o governo federal.

Os tenentes Eduardo Gomes, Siqueira Campos, Nílton Prado e o civil Otávio Correia durante a Marcha da Morte, ao término da revolta em Copacabana
Zenóbio Couto/Wikimedia Commons

Além de ser repudiado como candidato governista, Artur Bernardes atraíra a rejeição dos militares desde o episódio das chamadas “cartas falsas”. Em outubro de 1921, o jornal Correio de Manhã reproduziu duas correspondências atribuídas a Bernardes com insultos e críticas à integridade moral das Forças Armadas. Embora sempre tenha negado de forma veemente a autenticidade das cartas, Bernardes teve sua imagem irreversivelmente arranhada pelo episódio.

A eleição de 1922 foi repleta de denúncias de irregularidades, abusos políticos e fraudes eleitorais. Artur Bernardes foi declarado o vencedor do pleito, angariando 59% dos votos válidos — uma margem relativamente apertada para os padrões da época. Beneficiados pela manipulação eleitoral, os candidatos governistas facilmente se aproximavam de 90% dos votos.

A intervenção de Epitácio Pessoa em favor de seu candidato também enfureceu os tenentistas. O mandatário chegou a empregar as tropas do Exército para intimidar os eleitores no dia da votação, coagindo-os a votar em Bernardes.

O resultado da eleição foi imediatamente contestado pela oposição, que convocou comícios populares e protestos nas grandes cidades. O marechal Hermes da Fonseca, um dos principais líderes oposicionistas, afirmou abertamente que a eleição havia sido fraudada e exigiu a anulação do pleito.

Protestos contra o resultado eleitoral eclodiram por todo o país e os governadores aliados a Pessoa e Bernardes se tornaram alvos dos militares. Movimentos insurrecionais foram registrados em Alagoas, Ceará, Paraná e Santa Catarina. No Maranhão, o governador Raul da Cunha Machado chegou a ser temporariamente deposto pela Força Pública.

Alarmado pelo vigor do movimento oposicionista, o governo de Epitácio Pessoa ordenou o fechamento do Clube Militar e a prisão de Hermes da Fonseca, presidente da instituição, aumentando ainda mais a insatisfação da categoria.

A Revolta do Forte de Copacabana

O descontentamento dos oposicionistas chegou ao ápice pouco tempo depois, quando os tenentistas deram início a um levante armado. A ação visava derrubar o governo de Epitácio Pessoa e impedir a posse de Artur Bernardes, prevista para novembro.

Entre os dias 4 e 5 de julho de 1922, um grupo de 300 militares tomou o Forte de Copacabana, uma fortificação estratégica no Rio de Janeiro, então sede do governo federal. O plano havia sido elaborado por Hermes da Fonseca e executado com o auxílio dos tenentes Antônio de Siqueira Campos, Eduardo Gomes e Newton Prado e dos capitães Euclides Hermes da Fonseca (filho do marechal Hermes) e João Maria Xavier de Brito Júnior.

Os rebeldes previam o início de uma onda de sublevações nas guarnições militares da cidade, mobilizando unidades como a Vila Militar e a Escola Militar do Realengo. A tomada dos fortes cariocas permitiria manter os encouraçados da Marinha afastados da costa até que os revoltosos controlassem a capital e tomassem o Palácio do Catete.

A ação, entretanto, foi mal coordenada e a adesão dos soldados ficou muito aquém do esperado. O governo havia sido informado por espiões e infiltrados sobre os planos dos rebeldes e se antecipou à insurreição, prendendo parte dos líderes — incluindo Hermes da Fonseca.

A tomada dos fortes de Santa Cruz e Imbuí, aguardada pelos revolucionários, jamais se concretizou. O alto comando das Forças Armadas manteve-se leal a Epitácio Pessoa e o governo agiu rapidamente para suprimir o levante. A tentativa de insurreição na Vila Militar logo foi debelada.

Sob o comando do capitão Euclides Hermes, os 300 militares amotinados no Forte de Copacabana tentaram resistir, disparando tiros de canhão contra as tropas federais e os prédios do governo. Os canhões, entretanto, foram inutilizados pelas tropas federais, eliminando a capacidade ofensiva dos amotinados. Três mil soldados foram enviados para cercar a fortaleza.

O governo decretou estado de sítio e intensificou o cerco aos rebeldes. Entre os dias 5 e 6 de julho, o Forte de Copacabana foi bombardeado a partir dos canhões da Fortaleza de Santa Cruz e dos encouraçados São Paulo e Minas Gerais. A Aviação de Guerra também foi mobilizada e atacou os rebeldes com bombardeios aéreos.

A Marcha da Morte

Cercados por terra e por mar, o capitão Euclides Hermes e o tenente Siqueira Campos informaram aos revoltosos que não pretendiam desistir da luta e que a morte era o provável desfecho dos que seguissem lutando, liberando os que quisessem desistir para se entregarem. Dos 300 militares amotinados, apenas 28 permaneceram.

Euclides Hermes saiu do forte com uma bandeira branca para tentar negociar a rendição, mas foi imediatamente capturado pelo governo.

No início da tarde de 6 de julho, os demais revoltosos, cientes da impossibilidade de vitória, decidiram deixar o forte e sair em marcha pela Avenida Atlântica, em direção ao Palácio do Catete. Eles rasgaram a bandeira do forte em pedaços, distribuindo-os entre si, como símbolos da determinação de lutar até o fim.

Durante a marcha, 10 rebeldes se dispersaram. Restaram então 18 amotinados — 17 militares e o civil Otávio Correia, um estudante de direito que se juntou ao grupo espontaneamente em apoio à causa tenentista. Os rebeldes avançaram até o Posto 3 de Copacabana, quando foram interceptados por um grupo de 10 mil soldados do governo. Os militares abriram fogo, matando quase todo o grupo. Somente Siqueira Campos e Eduardo Gomes sobreviveram.

Após a revolta, o governo de Epitácio Pessoa intensificou a repressão. O estado de sítio foi prorrogado por um ano, permitindo a suspensão das liberdades civis, a censura da imprensa, a repressão às organizações de esquerda e aos opositores do governo.

Mesmo malsucedida, a Revolta dos Dezoito de Copacabana serviria de inspiração para militares e civis que se opunham aos desmandos da política do café com leite, fortalecendo o movimento tenentista e dando origem a outros levantes como a Revolta Paulista de 1924, a Comuna de Manaus e a Coluna Prestes, rebeliões que preparariam o caminho para a Revolução de 1930, que, enfim, sepultou a Primeira República.