O próximo fim de semana marcará o aniversário de 89 anos do Levante Comunista de 1935 — insurreição militar que visava deter o avanço do integralismo e a escalada repressiva do governo de Getúlio Vargas. O levante foi organizado pela Aliança Nacional Libertadora e apoiado pelo Partido Comunista. Os rebeldes chegaram a instalar um governo revolucionário em Natal e focos insurrecionais também eclodiram em Recife e no Rio de Janeiro. O levante, entretanto, não era respaldado por bases populares e nem tinha a capilaridade necessária dentro das forças armadas, sendo debelado em poucos dias. Após a derrota dos militares sublevados, Vargas iniciou uma violenta repressão anticomunista que desarticulou a esquerda radical e a oposição institucional ao seu governo.
Passados quatro anos desde a ascensão de Getúlio Vargas à presidência — como parte do novo arranjo institucional gerado pela crise do liberalismo após a quebra da Bolsa de Valores de Nova York — a insatisfação persistia junto aos setores médios. Vargas havia promovido iniciativas de modernização da estrutura produtiva, em paralelo com a instituição de um governo centralizado e autoritário, mas os preços no mercado interno seguiam elevados, as exportações continuavam em queda e a dívida externa aumentava.
Sem conseguir mitigar os conflitos de classe, o governo testemunhou a radicalização do movimento operário, marcado pela expansão das ideias anarquistas, socialistas e comunistas. Reagindo à expansão da esquerda radical, a burguesia buscou insuflar os movimentos de cariz fascista — nomeadamente a Ação Integralista Brasileira (AIB), organização de extrema-direita, tradicionalista e conservadora, inspirada no fascismo italiano.
Financiada por banqueiros, industriais e outros setores da elite brasileira, a AIB expandiu-se rapidamente, conquistando grande apoio dos setores médios, atraídos pelo discurso chauvinista e pelo forte apelo ao moralismo cristão. No ápice, o movimento integralista chegou a agregar mais de um milhão de filiados, tornando-se uma ameaça concreta. Visando neutralizar o avanço do integralismo, o Partido Comunista do Brasil (antigo PCB) aderiu à política de frentes populares, adotado pela Internacional Comunista (Comintern) como método de ação para barrar a expansão da extrema-direita.
Assim, lideranças políticas vinculadas ao PCB fundaram a Aliança Nacional Libertadora (ANL), um movimento antifascista e anti-imperialista que congregava comunistas, socialistas, anarquistas e um grande número de militares egressos do movimento tenentista, responsável por conduzir uma série de insurreições contra a política da República Velha na década de vinte. Sob a liderança de Luís Carlos Prestes, os tenentistas haviam constituído o maior movimento guerrilheiro que existira no Brasil até então — a Coluna Prestes, que percorreu 25.000 quilômetros por treze estados do Brasil entre 1924 e 1927.
Radicado em Moscou desde 1931, Prestes havia sido integrado aos quadros do PCB por ordem expressa do Partido Comunista da União Soviética e ocupava um assento na comissão executiva da Internacional Comunista.
Após as conferências internacionais do Comintern em 1934, Prestes foi incumbido de articular o movimento revolucionário no Brasil. Em maio de 1935, Prestes retornou ao Brasil acompanhado da militante alemã Olga Benário, com quem se envolveria afetivamente. Para apoiá-los na missão e no trabalho de agitação das massas, o Comintern mobilizou o militante alemão Arthur Ernest Ewert, sua esposa, Elisabeth Saborowsky, o dirigente argentino Rodolfo Ghioldi, os agentes ucranianos Sofia e Pavel Stuchevski e o italiano Amleto Locatelli.
Após retornar ao Brasil, Prestes assumiu o cargo de presidente de honra da ANL e buscou aprofundar os vínculos entre o PCB e a organização, buscando cooptar sobretudo os militares tenentistas que poderiam auxiliá-lo a criar as bases para deflagrar um movimento armado no país. A organização estava em franco crescimento, recebendo a adesão de populares atraídos pelo discurso radical que pregava a constituição de um governo popular, a nacionalização das empresas imperialistas e a anulação das dívidas agrícolas e das execuções hipotecárias.
Os comícios e atos organizados pela ANL atraíam dezenas de milhares de pessoas, alarmando o governo Vargas e a burguesia brasileira. A retórica cada vez mais vigorosa de Prestes levou o governo a reagir. Após a publicação de um manifesto conclamando os filiados da ANL a se empenharem na derrubada de Vargas e na concretização da revolução, o governo federal recorreu à Lei de Segurança Nacional para ordenar o fechamento de todos os núcleos da organização e o cancelamento de seu registro.
Com a ANL relegada à clandestinidade, o PCB decidiu agir, iniciando a preparação da insurreição. Prestes acreditava que a ANL possuía capilaridade suficiente para se converter em um movimento de massas, apto a sustentar uma revolução. O plano consistia em incitar os levantes nos quartéis, ao mesmo tempo em que os comitês do PCB mobilizariam os civis nos principais centros urbanos. Após consolidar o apoio da classe operária, do campesinato e da burguesia progressista, e contando com assistência do Comintern, os sublevados poderiam tomar o poder nos estados e provocar a queda do governo central. A tese não era consensual e alguns dirigentes do PCB — incluindo Antônio Bonfim — a consideravam improvável. Prestes, entretanto, conseguiu isolar a oposição interna e convenceu o Comintern a apoiar a ação.
A insurreição estava prevista para começar simultaneamente em todo o país no fim de dezembro, mas os militares vinculados à seção norte-rio-grandense da ANL se anteciparam, obrigando os dirigentes do PCB a adiantarem os planos e improvisarem ações. O Levante Comunista teve início em Natal, em 23 de novembro de 1935, quando sargentos, cabos e soldados do 21º Batalhão de Caçadores prenderam seus oficiais e se apoderaram do arsenal da unidade.
A insurreição foi liderada por Lauro Cortez. Após asseguraram o comando do batalhão, os militares distribuíram armas para civis e tomaram o quartel da Polícia Militar, a Casa de Detenção e o Esquadrão de Cavalaria. Os rebeldes chegaram a derrubar o governador do Rio Grande do Norte, Rafael Fernandes Gurjão, e a dissolver a Assembleia Legislativa, instalando em Natal o único governo revolucionário de inspiração socialista da história do Brasil. Além de Lauro Cortez, integravam o governo popular Quintino Clementino de Barros, José Praxedes de Andrade, José Macedo e João Batista Galvão, entre outros.
Entre as medidas tomadas pelo Governo Popular Revolucionário estavam a reforma agrária, a expropriação dos cofres dos bancos do estado e a requisição de alimentos para distribuir ao povo faminto. Após consolidar o poder em Natal, os revolucionários avançaram para o interior do estado, divididos em três colunas. Conseguiram tomar o poder nos municípios de Ceará-Mirim, Baixa Verde, São José do Mipibu, Santa Cruz e Canguarentana. Em Serra do Doutor, entretanto, os rebeldes encontraram a forte resistência das tropas de jagunços contratados por Dinarte Mariz. O governo federal também ordenou às forças legalistas estacionadas na Paraíba e Ceará que se deslocassem para o estado, forçando os rebeldes a retornarem a Natal. Os revolucionários resistiram por quatro dias, até serem derrotados em 27 de novembro.
O segundo levante teve início em Recife, Pernambuco, na manhã de 24 de novembro. Militares liderados pelos tenentes Lamartine Coutinho e Roberto Besouchet se rebelaram simultaneamente no 29º Batalhão de Caçadores e no quartel-general da 7ª Região Militar. A esses, juntaram-se grupos de civis armados comandados por Gregório Bezerra, que atacaram a Cadeia Pública e as delegacias de polícia de Olinda, Torre e Casa Amarela. Gregório Bezerra conseguiu dominar o Quartel-General, o Tiro de Guerra e o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), mas teve de recuar após ser ferido e ficar sem munição.
Os militares tomaram a Vila Militar de Socorro e as guarnições do exército em Jaboatão dos Guararapes. Houve também mobilização popular em Moreno e Tejipió. Em Recife, os rebeldes instalaram metralhadoras na torre da igreja no Largo da Paz, visando neutralizar a reação das tropas legalistas, retardando em mais de um dia o avanço dos 20º e 22º batalhões de caçadores. Os comunistas chegaram a tomar Olinda e houve focos de insurreição em Limoeiro, Garanhuns e Paudalho. Os combates se estenderam por quatro dias, mas os revolucionários foram finalmente subjugados pelas tropas legalistas, reforçadas por soldados vindos de Alagoas e Paraíba.
O terceiro e derradeiro levante ocorreu no Rio de Janeiro, em 27 de novembro, tendo sido deflagrado simultaneamente no 3º Regimento de Infantaria (Praia Vermelha), no 2º Regimento de Infantaria e no Batalhão de Comunicações (Vila Militar) e na Escola de Aviação (Campo dos Afonsos). Ações de menor vulto também foram registradas no CPOR, no Grupo de Obuses e no Ministério da Guerra. A insurreição no Rio de Janeiro foi comandada pelo capitão Agildo Barata e pelo tenente Francisco Antônio Leivas Otero.
Após aprisionarem o coronel Afonso Ferreira e parte dos legalistas, os revoltosos tentaram dominar as unidades militares para dar continuidade ao plano — que incluía a tomada do Palácio do Catete, do Arsenal da Marinha e do Regimento da Aviação. Os rebeldes conseguiram dominar o 3º Regimento de Infantaria, mas ficaram sob fogo cerrado dos soldados da 1ª Região Militar, cujos ataques reduziram a edificação a escombros. Os revoltosos resistiram por algumas horas, mas acabaram por se render.
Após a derrota do Levante Comunista de 1935, o governo Vargas instituiu uma violenta repressão em todo o país, prendendo mais de 10 mil pessoas, acusadas de terem vínculos ou simpatia pelo comunismo. O PCB foi totalmente desarticulado e a boa parte de seus dirigentes foram presos, torturados e assassinados pela polícia política de Vargas, chefiada por Filinto Müller. Prestes permaneceu encarcerado por nove anos e sua esposa, Olga Benário, foi deportada para Alemanha nazista, onde foi executada na câmara de gás do campo de concentração de Ravensbrück, em função de sua ascendência judaica — malgrado o fato de que estava grávida. A repressão não se limitou aos comunistas, sendo estendida aos socialistas, anarquistas e esquerdistas em geral, incluindo pessoas sem quaisquer ligações com o levante ou que pertenciam à oposição institucional do governo Vargas. O levante também seria usado como uma das justificativas para a implantação da ditadura do Estado Novo em 1937.
O Levante Comunista foi submetido a uma intensa campanha de desmoralização, recebendo do oficialato militar a denominação pejorativa de “Intentona Comunista”. Visando desqualificar e vilanizar os revolucionários, a cúpula militar passou o vinculá-los a acusações forjadas de práticas cruéis, covardes e desumanas. Os relatos governamentais exageraram o número de baixas e inventaram a história de que revolucionários teriam assassinado legalistas enquanto dormiam. Em resposta à insurreição, o oficialato militar a iniciou um processo de expurgo de “influências exógenas” nas Forças Armadas, e instituiu uma inflamada retórica anticomunista que perdura até os dias de hoje. Um monumento às “Vítimas da Intentona Comunista” foi erguido no Rio de Janeiro em 1940.
São vários os fatores que explicam o insucesso do levante. Os dirigentes do PCB se equivocaram em relação à própria capacidade de cooptar o apoio das massas e Prestes supervalorizou seu prestígio e influência entre os militares. Os comunistas também foram traídos por Johann de Graaf, agente duplo do serviço de inteligência britânico (MI6) que estava infiltrado entre os comunistas. Para Gregório de Bezerra, “o comando [da insurreição] não se ligou às organizações partidárias para que estas mobilizassem as massas trabalhadoras”.
Avaliação semelhante foi feita por Arthur Ewert, do Comintern: “enquanto os comunistas não se ligarem às massas camponesas e conquistarem seu apoio, é impossível obter a vitória”, afirmou. Os erros de condução, entretanto, não diminuem a importância histórica e simbólica do levante. Pela primeira vez, os comunistas expressaram de forma inequívoca o programa de emancipação do proletariado brasileiro e conheceram os limites e obstáculos para a concretização dos anseios revolucionários. A principal lição, como observou Pedro Pomar, é compreender que a revolução deve ser obra das próprias massas, “de sua iniciativa, de sua unidade, de seus sacrifícios, de suas ações combativas, de uma orientação justa”.