Segunda-feira, 9 de junho de 2025
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A luta pelo uso da terra é tão antiga quanto a história das civilizações. Em quase todas as sociedades, a posse da terra foi o fator preponderante para angariar poder e riqueza — e ao mesmo condenar os que estavam excluídos da posse da terra à miséria e à exploração.

Uma das primeiras tentativas conhecidas de reforma agrária ocorreu na Roma Antiga, no século II a.C.. Eleitos tribunos da plebe da República Romana, os irmãos Caio e Tibério Graco se notabilizaram pela defesa da distribuição das terras e de políticas sociais de auxílio aos despossuídos. Temendo que as medidas instituídas pelos irmãos resultassem na perda de privilégios, a aristocracia romana passou a persegui-los de forma inclemente. Tibério Graco foi assassinado ao lado de 300 de seus partidários, ao passo que Caio Graco, acossado pelas tropas de Lúcio Opímio, tiraria sua própria vida. Mais de 3.000 de seus seguidores também foram massacrados.

O século II a.C. foi marcado pelo acirramento da desigualdade econômica e dos conflitos sociais na República Romana. A vitória sobre os cartaginenses nas Guerras Púnicas possibilitou a Roma expandir seu território e consolidar o domínio sobre o Mar Mediterrâneo, mas ao mesmo tempo acarretou o aumento da concentração fundiária e o empobrecimento da plebe — as classes baixas da Roma Antiga. A convocação de camponeses para servir como legionários privava as famílias de braços para cultivar a terra, ao mesmo tempo em que gerava despesas adicionais para a manutenção dos familiares na guerra, uma vez que as expensas não eram cobertas pelo Estado.

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Endividados, os camponeses acabavam tendo de vender suas terras para os proprietários ricos — os patrícios, como eram chamados os aristocratas romanos. Despojados de suas terras, os camponeses emigravam para as cidades, vivendo em condições precárias e convertendo-se em “proletários” — a população socialmente excluída, que tinha como única “função” gerar prole para aumentar a mão de obra e o efetivo dos exércitos da República.

Esse cenário da exclusão social levou ao incremento dos conflitos de classe, revoltas e greves, com os plebeus reivindicando melhorias e os patrícios buscando a preservação de seus privilégios. No Senado Romano, essa disputa era transposta para os embates entre a facção dos Populares (senadores progressistas, que representavam os interesses gerais da sociedade) e a facção dos Optimates (senadores conservadores a serviço dos aristocratas).

Essas facções também buscavam influenciar nos rumos do Tribunato da Plebe — órgão formado por representantes políticos de origem plebeia, que servia de contrapeso ao domínio dos aristocratas sobre o Senado e a Magistratura. Esses representantes eram chamados de tribunos da plebe e tinham a incumbência de lutar pelos interesses populares.

Dentre os mais destacados tribunos da plebe, estavam dois irmãos oriundos da família Graco, ramo plebeu da reputada linhagem Semprônia. Tibério Graco, o irmão mais velho, notabilizou-se por sua carreira militar bem sucedida e por sua demonstração de bravura e presteza durante a Terceira Guerra Púnica, sendo posteriormente indicado par atuar como questor junto ao cônsul Hostílio Mancino.

Eleito tribuno da plebe em 133 a.C., Tibério formulou um abrangente projeto de reforma agrária, propondo a divisão dos latifúndios entre pobres e legionários sem terra. Intitulado “Lex Sempronia Agraria”, o projeto limitava as propriedades agrícolas à extensão máxima de 500 iugera (cerca de 120 hectares). Os que excedessem essa medida, seriam desapropriados, divididos em lotes de 30 iugera (7 hectares) e distribuídos entre os despossuídos.

A proposta de Tibério recebeu amplo apoio popular, mas irritou profundamente a facção conservadora do Senado, composta por aristocratas que possuíam grandes extensões de terra. Ciente de que os senadores pretendiam vetar a proposta, Tibério levou a matéria para ser apreciada pela Assembleia da Plebe, onde contava com ampla maioria. Para tentar barrar a aprovação, o Senado mobilizou Marco Otávio, um dos nove tribunos, convencendo-o a vetar a proposta. Tibério acusou Marco Otávio de violar as atribuições fundamentais do Tribunato da Plebe ao agir contra os interesses do povo e requisitou sua deposição. Em seguida, utilizou seu poder de veto para obstruir todas as decisões até conseguir a adesão necessária para aprovar a lei.

A aprovação da proposta elevou Tibério ao status de herói, mas também o transformou em alvo da fúria dos senadores, que tentaram boicotar a reforma através do subfinanciamento. Tibério usou então seu poder tribunício para utilizar o espólio do Rei Átalo III de Pérgamo, recentemente falecido, para custear a reforma.

Agravando ainda mais sua relação com os patrícios, Tibério concorreu à reeleição, frustrando o plano dos senadores de processá-lo por desrespeito ao veto tribunício ao término do mandato. Defendendo a redução do tempo de serviço militar e a extensão do direito de exercer a magistratura a todas as classes sociais, Tibério foi reeleito. Inconformados, os senadores o acusaram de tentar se tornar um tirano e incitaram seu linchamento.

Após um tumulto na Assembleia da Plebe, Tibério foi espancado até a morte, junto com mais de 300 de seus seguidores. Seus corpos foram atirados no Rio Tibre, para impedir a realização de funerais.

Wikimedia Commons/The Appreciation of Sculpture/Russell Sturgis
Os irmãos Graco, retratados pelo escultor Eugène Guillaume

Em 123 a.C., dez anos após o assassinato de Tibério, seu irmão mais novo, Caio Graco, foi eleito como tribuno da plebe. Caio iniciou sua carreira política como membro da comissão responsável por implementar a reforma agrária aprovada por seu irmão, servindo posteriormente como questor da província da Sardenha. Após assumir o cargo de tribuno, Caio não apenas retomou a defesa da reforma agrária, como apresentou projetos de reformas sociais ainda mais abrangentes.

No âmbito jurídico, Caio propôs a proibição da reeleição de magistrados depostos pelo povo e estabeleceu o direito de populares processarem os magistrados que incorressem em abuso de poder. Aprovou a “Lex Acilia Repetundarum” limitando o corporativismo dos juízes e proibiu as cortes de aplicarem a pena de morte sem a concordância do povo.

A “Lex Militaris” formulada por Caio reduziu o tempo de serviço militar, repassou ao Estado a responsabilidade pelas despesas dos legionários e proibiu o alistamento de menores de 17 anos. A “Lex Frumentaria” obrigou a República Romana a comprar e estocar trigo e outros cereais para distribuí-los aos pobres a preços acessíveis.

Caio também ampliou a “Lex Sempronia Agraria”, expandindo as desapropriações de latifúndios e estipulando a criação de colônias romanas na Sicília e em Cartago. Por fim, Caio tentou estender a cidadania romana e o direito a voto para todos cidadãos latinos e conceder o status de cidadãos latinos para todos os povos aliados. As medidas lhe granjearam apoio da população, garantindo sua reeleição para o Tribunato da Plebe.

Sentindo-se ameaçada pelas reformas sociais implementadas por Caio, a aristocracia romana mobilizou o Senado para tentar suprimir as medidas. Os senadores cooptaram Marco Lívio Druso, outro tribuno da plebe, para vetar e obstruir os projetos em curso, ao mesmo tempo em que iniciaram uma severa campanha de desqualificação, rotulando as reformas sociais implementadas por Caio como medidas demagógicas e eleitoreiras. Influenciado por tal campanha, o poeta satírico Juvenal cunhou a expressão “pão e circo” para acusar Caio de manipular as massas satisfazendo suas necessidades básicas e provendo distrações para o povo.

Para a eleição do consulado em 122 a.C., o Senado apoiou o conservador Lúcio Opímio, membro da elite oligárquica de Roma, incumbindo-o da missão de depor Caio. Aliando-se a outros tribunos, Opímio logrou reverter parte substancial das reformas sociais de Caio. Quando um servo de Opímio chamado Quinto Antílio foi assassinado por seguidores de Caio após um desentendimento, o Senado obteve uma justificativa para a investida derradeira. Cientes da represália, Caio e seu aliado, Marco Fúlvio Flaco, mobilizaram uma multidão de populares para a batalha no Monte Aventino.

A resistência foi em vão. Encurralado pelas tropas comandadas por Opímio, Caio cometeu suicídio para não ter de se entregar. Os legionários, entretanto, deram continuidade à matança de seus seguidores, assassinando mais de 3.000 pessoas. A morte dos irmãos Graco e o massacre dos Populares encerrou a era das reformas sociais e fortaleceu o poder da aristocracia romana. Por pressão popular, a “Lex Frumentaria”, entretanto, não foi revogada, dando origem ao “direito ao pão”, que persistiu até a queda do Império Romano séculos depois.