Segunda-feira, 9 de junho de 2025
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Há dez anos, uma reportagem do jornal britânico “The Sun” gerou uma celeuma na imprensa e repercutiu mundialmente. A matéria trazia imagens de um vídeo caseiro mostrando a futura rainha do Reino Unido, Elizabeth II, fazendo a saudação nazista.

O filme foi produzido em 1933, quando Elizabeth tinha sete anos de idade. Nas imagens, ela aparece acompanhada da irmã Margaret, da mãe, a rainha consorte Elizabeth Bowes-Lyon, e do tio Eduardo VIII, Príncipe de Gales e Duque de Windsor. Todos fazem a saudação, exceto a pequena Margaret.

O filme tem duração de 17 segundos e foi produzido no mesmo ano em que Adolf Hitler ascendeu ao cargo de chanceler da Alemanha. As imagens mostram a família real britânica brincando com um cachorro nos jardins do Castelo de Balmoral, na Escócia.

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Em um dado momento, a rainha-mãe levanta o braço realizando a saudação nazista. Eduardo VIII a imita e ambos incitam as crianças a repetirem o gesto.

A família real britânica reagiu com indignação, questionando como o periódico teve acesso a um vídeo do seu acervo pessoal e afirmando que a publicação desconsiderava o contexto histórico: “Ninguém nesse momento tinha ideia de como evoluiria o nazismo (…). Essa é uma família brincando e, em um momento, fazendo referência a um gesto que muitos tinham visto nas notícias”, afirmou o porta-voz do Palácio de Buckingham.

Elizabeth, de fato, era apenas uma criança que mal sabia o significado do seu gesto. Mas a história mostra que as ligações entre a família real britânica e o nazismo iam muito além desse vídeo — e envolviam adultos que sabiam muito bem o que estavam fazendo.

As elites britânicas e o nazifascismo

Para a elite britânica, as ideias defendidas pelos nazistas não eram uma novidade. Alguns dos mais importantes ideólogos do nazismo tinham origem britânica. É o caso de Houston Stewart Chamberlain. Ele foi uma figura central na propagação da tese da superioridade ariana — a ponto de o próprio Hitler considerá-lo como seu mentor intelectual.

As obras de Francis Galton, criador do movimento eugênico na era vitoriana, influenciaram diretamente as concepções nazistas sobre hierarquia de raças e ajudaram a naturalizar a aceitação de ideias como aperfeiçoamento racial e esterilização forçada nos ambientes intelectuais.

A crise política do período entreguerras forneceria o cenário ideal para que os movimentos que reivindicavam as teses eugenistas e ultrarracistas ascendessem politicamente na Europa. O avanço dos movimentos operários e a radicalização dos trabalhadores preocupava a burguesia europeia — que temia ver o exemplo da Revolução de Outubro na Rússia se espalhar pelo continente.

Não demorou para que os regimes fascistas passassem a ser vistos como tábuas de salvação da elite diante da “ameaça do socialismo”. O discurso inflamado e demagógico dos líderes da extrema-direita simulava uma postura antissistêmica, atendendo à ânsia das massas por mudanças — o que ajudaria a neutralizar a expansão da esquerda radical.

Ao mesmo tempo, o fascismo prometia ordem, estabilidade e proteção à propriedade privada, oferecendo um modelo de governo que reprimia os sindicatos e movimentos trabalhistas e garantia mão de obra barata e subserviente, submetida a um rígido controle social.

No Reino Unido, a burguesia industrial e financeira apoiou em peso os movimentos fascistas. O país chegou a reunir dezenas de organizações políticas extremistas — incluindo a União Britânica de Fascistas, liderada por Oswald Mosley, que foi efusivamente saudada por veículos da grande imprensa como o Daily Mail.

Até meados da década de 1930, Hitler era apresentado como um exemplo de estadista pelo establishment britânico. Figuras como Winston Churchill, que seria posteriormente exaltado como um bastião da luta antinazista, se derramavam em elogios ao “Führer”.

Em um discurso de 1935, intitulado “A Verdade sobre Hiler”, Churchill descreve o líder nazista como “um funcionário altamente competente, tranquilo e bem-informado, dotado de maneiras agradáveis e de um sorriso que desarma”, e pontua que “poucos conseguiriam resistir ao seu sutil magnetismo pessoal”.

Imagem da saudação feita pela jovem Elizabeth
Print de vídeo da revista The Sun

Eduardo VIII

O nazismo também encontrou ampla aceitação nos círculos das monarquias europeias. As teses nazistas, afinal, ofereciam respaldo ao princípio da “pureza do sangue”, tão caro às linhagens aristocráticas, e reforçavam a percepção de que a “superioridade racial” justificava os privilégios das elites.

É fartamente documentada a simpatia que o príncipe Eduardo VIII do Reino Unido nutria pelo nazismo. Eduardo chegou a ocupar o trono britânico em 1936, mas abdicou da coroa em favor de seu irmão, Jorge VI, para poder se casar com Wallis Simpson, a Duquesa de Windsor.

Wallis era uma socialite norte-americana que também nutria fervorosa admiração pelo “Führer” — e que teria sido, segundo relatado pelo Duque de Württemberg, ex-amante de Joachim von Ribbentrop, ministro das relações exteriores da Alemanha Nazista em Londres.

Em 1937, Eduardo e Wallis visitaram a Alemanha a convite de Adolf Hitler, que os recepcionou em sua casa de campo em Obersalzberg. Durante a viagem, o duque britânico distribuiu saudações nazistas e elogios ao regime hitlerista, que definiu como “um baluarte da luta contra o comunismo”, chegando propor uma aliança entre Reino Unido e Alemanha contra a União Soviética.

Documentos encontrados no Castelo Marburg, em Hesse, revelam que os nazistas chegaram a orquestrar um plano para cooptar apoio oficial de Eduardo VIII à causa nazista e restabelecê-lo como monarca do Reino Unido no lugar de seu irmão.

Uma outra correspondência direcionada a Francisco Franco, publicada pelo diplomata espanhol Javier Bermejillo, revela que Eduardo VIII declarou ansiar por um bombardeio nazista contra a Inglaterra, de forma a assegurar a vitória nazista na Segunda Guerra Mundial.

Alertado pelo FBI de que o Duque de Windsor e sua esposa estariam ajudando Hitler com o repasse de informações confidenciais durante a guerra, o próprio Winston Churchill tratou de afastá-los das missões militares, enviando-os para as Bahamas.

Décadas mais tarde, Eduardo VIII negaria em sua biografia que fosse um simpatizante nazista, mas costumava dizer para pessoas próximas que Hitler “era uma pessoa boa”, que fez “um ótimo trabalho na Alemanha” e que as críticas que lhe dirigiam eram “calúnias inventadas por judeus”.

Outros simpatizantes do nazismo na aristocracia britânica

O irmão de Eduardo VIII, Jorge VI, também nutria simpatia pelo nazismo, mas era mais cauteloso e reservado em seus posicionamentos públicos, limitando-se a apoiar a política colaboracionista de Neville Chamberlain e criticar as lideranças britânicas que advertiam sobre a ameaça nazista.

Boa parte da aristocracia britânica que compunha o círculo imediato da família real simpatizava com o nazismo. É o caso de Lorde Londonderry, Henry Channon e das famílias Mitford, Westminster, Wellington, Buccleuch, Bedford, Marlborough e Hamilton.

Alguns empresários e aristocratas como o Duque de Wellington tinham ligações tão estreitas com os nazistas que tiveram de ser interditados durante a Segunda Guerra por motivos de segurança.

Conforme relatado pelos historiadores John Harris e Richard Wilbourn em sua obra sobre Rudolf Hess, vice-líder do Partido Nazista, outro irmão de Eduardo VIII, o príncipe Jorge, Duque de Kent, também tinha ligações com os nazistas e chegou a se envolver na articulação de um golpe de Estado para remover Winston Churchill do cargo de primeiro-ministro e forjar um tratado de paz com a Alemanha.

Os historiadores alegam que a articulação com o príncipe Jorge teria sido o motivo de Hess ter viajado para a Escócia em 1941.

O ramo alemão da família real britânica também estava repleto de nazistas. Um dos mais notáveis era Carlos Eduardo, neto da rainha Vitória, detentor do título de Duque de Saxe-Coburgo-Gota.

Carlos Eduardo foi filiado ao Partido Nazista e membro da Sturmabteilung, uma milícia paramilitar hitlerista. Frequentador assíduo do Palácio de Buckingham, Carlos Eduardo ocupou diversos cargos de destaque no Terceiro Reich e era considerado um ativo fundamental por Adolf Hitler, que chegou a alertar seus subordinados em um telegrama sobre a necessidade de impedir que o duque fosse capturado pelos inimigos.

A família do Príncipe Philip

O marido de Elizabeth II, príncipe Philip, Duque de Edimburgo, também pertencia a uma família aristocrática com vínculos nazistas. Três de suas irmãs foram casadas com príncipes alemães ativos no Partido Nazista.

Sofia, princesa da Grécia e da Dinamarca, era casada com Cristóvão, Conde de Hesse-Cassel, que foi chefe do serviço secreto de Hermann Göring, ajudante de Heinrich Himmler e membro dos esquadrões de morte da Schutzstaffel, a SS.

Cristóvão também era irmão de Filipe de Hesse-Cassel, um dos mais importantes aristocratas ligados à cúpula do Partido Nazista, que ajudou a coordenar o programa de eutanásia Aktion T4, responsável por assassinar quase 300.000 pessoas com deficiência física ou intelectual.

A mãe de Cristóvão e Filipe era uma apoiadora entusiasmada do nazismo e mantinha uma bandeira com a suástica hasteada na fachada de seu castelo.

As outras duas irmãs de Filipe eram Teodora e Cecília. Teodora era casada com Bertoldo, Marquês de Baden, que fez parte dos quadros da Wehrmacht, as Forças Armadas da Alemanha Nazista. Cecília e seu marido, o Grão-Duque Jorge Donatus, eram ambos filiados ao Partido Nazista.

O casal morreu em um acidente aéreo em 1937. Há uma fotografia do príncipe Philip no funeral dos dois, onde aparece ao lado de nazistas uniformizados e próximo aos caixões cobertos com suásticas.

A ponta de um iceberg

É provável que as ligações entre a família real britânica e os nazistas tenham sido muito mais próximas e amigáveis do que se sabe. Os documentos dos arquivos reais referentes às relações entre os Windsor, seus parentes alemães e os nazistas permanecem até hoje confidenciais e inacessíveis, mesmo após repetidos apelos de parlamentares e historiadores pela liberação.

A historiadora alemã Karina Urbach afirma que os documentos mais comprometedores provavelmente foram destruídos após 1945, para evitar a criminalização de membros da família real nos processos legais do pós-guerra.

Dessa forma, talvez nunca tenhamos elementos factuais que permitam estabelecer de forma fidedigna a profundidade dos vínculos entre a família real britânica e o nazismo.

Resta especular se aquelas outras fotografias reveladas pelo The Sun em 2005, mostrando o príncipe Harry, caçula de Charles e Diana, fantasiado de soldado nazista e portando uma braçadeira com suástica, eram meros indicativos de uma escolha de traje infeliz ou sintomas da persistência de valores inconfessáveis e obscuros no seio da família real.