O dia 25 de julho é celebrado como Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra. A data foi criada pela Lei n°. 12.987, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 2014, e coincide com o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, instituído pela ONU em 1992.
A patronesse da celebração é Tereza de Benguela, líder quilombola que viveu no Mato Grosso durante o século XVIII. Sua data e local de nascimento são desconhecidos. O cognome sugere que ela seria proveniente do antigo reino africano de Benguela (hoje uma província de Angola), mas não há consenso entre os historiadores.
É possível que Tereza tenha aportado no Brasil com uma leva de africanos escravizados que desembarcaram em Belém e São Luís na década de 1730, revendidos clandestinamente para atuar nas minas de ouro e pedras preciosas recém-descobertas em Mato Grosso.
Conforme o anuário de Vila Bela da Santíssima Trindade de 1770, Tereza de Benguela teria sido escravizada pelo capitão Timóteo Pereira Gomes. Após fugir, Tereza se refugiou no Quilombo do Quariterê (ou Quilombo do Piolho), onde se tornaria esposa de José Piolho, líder do assentamento. O Quariterê se localizava no vale do Rio Guaporé, próximo à fronteira entre Mato Grosso e a Bolívia, nos arredores de Vila Bela da Santíssima Trindade. O quilombo foi fundado pelo próprio José Piolho na década de 1740 e cresceu enormemente nos anos seguintes, acolhendo centenas de negros e indígenas que haviam escapado do trabalho escravo.
Por volta de 1750, José Piolho foi assassinado por caçadores de escravos. Tereza de Benguela, sua viúva, assumiu então a liderança do quilombo.
Tereza comandava a estrutura política, econômica e administrativa, mas instaurou uma espécie de parlamento, através do qual dividia a responsabilidade pela gestão do quilombo com a comunidade. O sistema político do quilombo, mais democrático do que a gestão da colônia e da própria metrópole, foi registrado no anuário de Vila Bela de 1770: “A rainha Tereza governava esse quilombo a modo de parlamento, tendo para o conselho uma casa destinada, para a qual, em dias assinalados de todas as semanas, entravam os deputados. (…) Eram chamados pela rainha, que era a que presidia e que naquele negral Senado se assentava, e se executava à risca, sem apelação nem agravo”.
A sociedade quilombola tinha como base o trabalho cooperativo. Os quilombolas praticavam a agricultura de subsistência. Plantavam milho, feijão, mandioca, banana e outros alimentos. Cultivavam fumo e algodão. A produção era repartida de forma comunal e os excedentes eram vendidos.
Também dominavam as técnicas de fundição do metal e utilizavam correntes e objetos de ferro dos escravagistas como matéria-prima na fabricação de instrumentos de trabalho. O quilombo possuía alguns teares para fabricação de tecidos, igualmente comercializados com a comunidade externa.
O crescimento do quilombo incomodou a coroa portuguesa, que intensificou as investidas contra a comunidade. Teresa respondeu ampliando o aparato de defesa, criando uma guarda composta por soldados equipados com mosquetes, espadas e pistolas. As armas eram fabricadas pelos quilombolas, tomadas dos vilarejos e fazendas próximas ou obtidas através de trocas com os brancos. Os registros historiográficos coevos relatam o rigor de Tereza contra os que atacavam a comunidade visando devolver os quilombolas à escravidão: “Mandava enforcar, quebrar pernas, e sobretudo enterrar vivos os que pretendiam vir por seus senhores”.
De difícil acesso e bem protegido, o Quilombo do Quariterê prosperou e resistiu à escravidão por mais de duas décadas. A fartura do quilombo e seu sistema de trabalho cooperativo atraíam cada vez mais fugitivos, ao passo que as características do terreno e a proximidade com os domínios espanhóis facilitavam a fuga e dificultavam a realização de expedições punitivas. Determinada a dizimar o quilombo, a coroa portuguesa incumbiu o governo da capitania de Mato Grosso a organizar uma grande ofensiva militar.
Em 27 de junho de 1770, uma tropa de bandeirantes comandados por Luiz Pinto de Souza Coutinho invadiu a comunidade e iniciou um massacre contra os quilombolas.
Tereza comandou a defesa, ordenando aos combatentes que pegassem armas para resistir. “Seus súditos assim o fizeram, acudindo à voz e pegando em armas; mas não puderam usar delas pela força que viram contra si”, registra o anuário colonial. Sobreviveram ao ataque 79 negros e 30 indígenas, que foram aprisionados e levados para Vila Bela, onde foram publicamente humilhados, torturados e marcados a ferro com a letra “F”, de fugitivo. Em seguida, foram entregues para os seus escravizadores.
Tereza esteve entre os quilombolas capturados, mas os registros históricos divergem sobre seu destino. Alguns relatos afirmam que a rainha do Quariterê teria cometido suicídio para não se submeter aos seus captores. Outros dizem que Tereza foi assassinada pelos bandeirantes. O anuário de Vila Bela afirma que morreu de “pasmo” e que teve seu cadáver execrado: “Morta, se lhe cortou a cabeça e se pôs no meio da praça daquele quilombo, em um alto poste, onde ficou para memória e exemplo dos que a vissem”.
Os quilombolas que fugiram do ataque ainda se mobilizaram para reerguer o quilombo. Em 1795, uma nova expedição militar destruiria definitivamente o assentamento rebelde.
Apagada por séculos da historiografia oficial, a figura de Tereza de Benguela como heroína da resistência negra foi reabilitada apenas a partir de meados do século XX, em paralelo com o avanço do movimento negro e das ações de valorização da cultura afro-brasileira. Em 1994, Tereza foi homenageada com um desfile da escola de samba Unidos do Viradouro, com o enredo “Tereza de Benguela – Uma Rainha Negra no Pantanal”. A líder quilombola também foi saudada pela escola de samba paulistana Barroca Zona Sul no carnaval de 2020, com o enredo “Benguela… A Barroca Clama a Ti, Teresa”.