Terça-feira, 13 de maio de 2025
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Há 44 anos, em 30 de abril de 1981, um acontecimento insólito interrompia a comemoração do Dia do Trabalhador, sediada no Riocentro: uma bomba explodiu no interior de um veículo estacionado no pátio do centro de convenções.

O automóvel estava ocupado por dois oficiais do Exército: o sargento Guilherme Pereira do Rosário, que morreu na hora, e o capitão Wilson Dias Machado, que ficou ferido.

A detonação precoce do artefato impediu que os militares concretizassem uma operação de bandeira falsa das mais repugnantes. Os militares pretendiam plantar as bombas dentro do centro de convenções e detoná-las durante os shows, matando e ferindo centenas de civis.

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A ação foi planejada por setores das Forças Armadas que estavam descontentes com a abertura política. O plano era culpar grupos de esquerda pelo atentado, dando pretexto para interromper o processo de redemocratização e ampliar a repressão contra os opositores do regime.

A “distensão”

Após os chamados “Anos de chumbo”, —o período mais repressivo da ditadura militar, marcado pela suspensão de direitos civis, coerção dos movimentos sociais, tortura e assassinato de opositores — o general Ernesto Geisel adotou um processo gradual de distensão das medidas autoritárias, revogando a censura prévia dos órgãos de comunicação e limitando as ações dos aparelhos ditatoriais.

O general também suprimiu o Ato Institucional Nº. 5 (AI-5) e restaurou uma série de garantias constitucionais. Geisel tentava, dessa forma, encobrir a violência do regime sob um verniz de legalidade, buscando arrefecer as críticas à ditadura e aliviar as pressões internas e externas.

Na prática, o autoritarismo e as atrocidades continuavam ocorrendo. Ao mesmo tempo em que falava em “abertura política”, o governo Geisel massacrava os combatentes da Guerrilha do Araguaia, executava os dirigentes do PCB e PCdoB, cassava mandatos parlamentares, fechava o congresso, cancelava eleições e assassinava dezenas de opositores.

Ainda assim, o discurso institucional em favor da restauração das liberdades civis causou muita preocupação no oficialato. Descontentes com o processo de distensão, militares da chamada “linha dura”, sob a liderança do general Sylvio Frota, tentaram aplicar um golpe.

Geisel conseguiu neutralizar a ação de Frota e o exonerou em 1977. Mesmo relutante, o sucessor de Geisel, João Figueiredo, deu continuidade ao processo de abertura política, promulgando a Lei da Anistia e anulando uma série de processos contra os exilados e opositores do regime militar. Figueiredo também legalizou os partidos políticos e extinguiu o sistema bipartidário.

A “direita explosiva”

Receosos com a perda de poder político e o possível fim das regalias e temendo um possível revanchismo da oposição em um eventual processo de redemocratização, os militares da linha dura buscavam justificativas para o recrudescimento do Estado de exceção e a restauração do aparato repressivo nos moldes dos “Anos de Chumbo”.

Não havia, entretanto, nenhuma ameaça efetiva ao regime. A esquerda radical havia sido completamente desarticulada e os movimentos guerrilheiros foram exterminados. Os partidos recém-legalizados e novas agremiações de esquerda agiam estritamente nos limites ordem institucional.

Os militares passaram então a forjar ameaças que justificassem a suspensão dos direitos civis e a volta à repressão, orquestrando uma série de atentados e operações de bandeira falsa no início dos anos oitenta — quase sempre explosões, invariavelmente atribuídas às organizações de esquerda.

Após uma série de ataques em janeiro de 1980, registraram-se 25 atentados nos meses seguintes, a maioria das quais explosões em bancas de jornais que vendiam periódicos de esquerda ou da imprensa alternativa.

Cartas-bombas também foram enviadas a políticos e autoridades civis, incluindo-se Antônio Carlos de Carvalho, vereador do Rio de Janeiro da bancada do PMDB, e Eduardo Seabra Fagundes, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A secretária da OAB Lida Monteiro da Silva morreu em um dos atentados e José Ribamar de Freitas, chefe de gabinete de Carvalho, ficou gravemente ferido.

Exército apresenta o resultado de sua investigação, em 1981
Arquivo Nacional/Wikimedia Commons

O atentado fracassado

O principal atentado, entretanto, estava planejado para ocorrer no dia 1º de maio de 1981. Os militares pretendiam detonar bombas no Centro de Convenções Riocentro, no Rio de Janeiro, que sediava uma série de shows em comemoração ao Dia do Trabalhador.

Os militares planejavam posicionar dispositivos próximos ao palco principal do evento, onde 20.000 pessoas eram esperadas. As explosões no salão lotado resultariam um número elevado de vítimas. Além das pessoas diretamente atingidas pelas explosões, o ataque geraria pânico, podendo levar centenas de pessoas a morrerem pisoteadas.

O ataque causaria indignação e uma grande comoção nacional, que seria explorada pelo regime para interromper o processo de reabertura política e justificar ações de repressão contra a oposição.

Para incriminar a esquerda, os militares plantaram evidências falsas e picharam placas de trânsito com as iniciais “VPR” — acrônimo da Vanguarda Popular Revolucionária, um grupo armado da esquerda extraparlamentar que estava inativo desde 1973.

Na noite do dia 30 de abril, o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o capitão Wilson Dias Machado, ambos agentes do DOI-CODI, dirigiram-se até o Riocentro em um Puma GTE com placa falsa e estacionaram o carro no pátio do centro de convenções.

Antes que pudessem entrar no local para plantar as bombas, entretanto, o dispositivo foi acidentalmente acionado e detonou dentro do veículo. O sargento Guilherme morreu na hora e o capitão Wilson ficou gravemente ferido.

Uma segunda bomba foi detonada junto à casa de força do Riocentro, presumivelmente com o objetivo de interromper o fornecimento de energia elétrica para incrementar o pânico e potencializar o número de vítimas.

Duas bombas não detonadas foram encontradas no interior do veículo. Em 1999, o coronel da Polícia Militar Ile Marlen revelou que, pouco tempo depois da explosão, cinco agentes do governo ingressaram no Riocentro para desarmar outras duas bombas que já tinham sido plantadas no interior do edifício.

O cantor Gonzaguinha se apresentava no palco no momento da explosão e interrompeu a performance para comunicar aos trabalhadores que “pessoas contra a democracia jogaram bombas lá fora para nos amedrontar”.

As investigações

O Serviço Nacional de Informações (SNI) — órgão de inteligência da ditadura — tentou encobrir a culpa dos militares pelo atentado fracassado, atribuindo a ação à esquerda. A tentativa, entretanto, não encontrou ressonância na opinião pública.

Testemunhas declararam ter visto o sargento Guilherme e o capitão Wilson em companhia de agentes do DOI-CODI e do Centro de Informações do Exército, portando granadas e examinando mapas.

Um inquérito policial foi aberto para apurar a responsabilidade pela ação. A investigação levou à renúncia de Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil do governo Figueiredo, mas o caso foi arquivado pelos militares sem que ninguém fosse punido.

Em 1999, Gilda Berer, procuradora da República, conseguiu reabrir o caso e um novo inquérito policial militar (IPM) foi instaurado, sob a condução do general Sérgio Conforto.

O IPM concluiu que o atentado foi arquitetado em conjunto pelo SNI e pelo DOI-CODI e apontou o envolvimento dos generais Newton Cruz (ex-chefe da Agência Central do SNI) e Octávio Aguiar de Medeiros (ministro-chefe do SNI). O coronel Freddie Perdigão, chefe do escritório do SNI no Rio de Janeiro, foi indicado como mentor da ação.

Em depoimento, o general Octávio Medeiros afirmou que o presidente Figueiredo e o general Danilo Venturini, chefe do gabinete militar, haviam sido informados sobre o plano com um mês de antecedência.

O caso, entretanto, foi arquivado depois de alguns meses por determinação do Superior Tribunal Militar, que enquadrou o atentado na Lei da Anistia, mesmo tendo sido posterior à sua promulgação.

Comissão Nacional da Verdade

Novas informações sobre o atentado vieram a público em 2012, quando o coronel Júlio Miguel Molinas Dias, ex-comandante do DOI-CODI no Rio de Janeiro, foi assassinado. Durante as investigações, a Polícia Civil encontrou uma grande quantidade de materiais sobre o ataque ao Riocentro em posse do militar.

Esses documentos foram repassados para a Comissão Nacional da Verdade (CNV) e serviram para a confecção de um relatório preliminar sobre o atentado, publicado em 2014. No relatório, a CNV confirmou que o ataque fazia parte de uma ação articulada do Estado brasileiro.

Diante das novas informações, o Ministério Público Federal apresentou nova denúncia pedindo a prisão de seis pessoas. Os generais Newton Cruz e Nilton Cerqueira, o delegado Cláudio Antonio Guerra e o coronel Wilson Machado foram acusados de tentativa de homicídio. Já o general Edson Sá Rocha foi acusado de associação criminosa e o major Divany Carvalho Barros acusado de fraude processual.

A denúncia também responsabilizava nove pessoas já falecidas: os generais Octávio de Medeiros e Job Lorena de Sant’Anna, os coronéis Freddie Perdigão, Ary Pereira de Carvalho, Alberto Carlos Costa Fortunato, Luiz Helvecio da Silveira Leite, o tenente-coronel Júlio Miguel Molinas Dias, o sargento Guilherme Pereira do Rosário e o marceneiro Hilário José Corrales.

A ação, entretanto, não foi adiante. O Tribunal Federal da 2ª Região ordenou o arquivamento da denúncia, sob o argumento de que os crimes já estavam prescritos. O arquivamento foi contestado pelo Ministério Público, mas foi mantido por decisão do Superior Tribunal de Justiça. Um novo recurso remetido pelo MPF ao Supremo Tribunal Federal também foi rejeitado pelo ministro Marco Aurélio Mello.