Quarta-feira, 26 de março de 2025
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Há 80 anos, entre 9 e 10 de março de 1945, a cidade de Tóquio, capital do Japão, era devastada por um bombardeio em larga escala conduzido pela Força Aérea dos Estados Unidos.

Intitulado Operação Meetinghouse, o bombardeio é considerado o ataque aéreo individual mais letal da história. Quase meio milhão de bombas incendiárias foram lançadas sobre Tóquio, destruindo 50% das edificações da cidade e matando cerca de 140.000 pessoas.

Pearl Harbor e a reação norte-americana

Desde a queda do xogunato e a subsequente Restauração Meiji, o Japão buscava consolidar sua posição como potência regional. Visando contornar a escassez de recursos naturais e as limitações físicas de seu território, o país adotou uma violenta política expansionista, avançando militarmente sobre os territórios vizinhos.

A expansão imperialista do Japão logo se chocaria com a expansão ultramarina dos Estados Unidos, que havia estendido seus domínios coloniais a uma série de territórios no Pacífico. A disputa interimperialista entre os dois países se agravou de forma contínua, atingindo seu ápice após a eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Por fim, a decisão dos Estados Unidos de embargar o fornecimento de petróleo ao Japão precipitaria a ação militar.

Em 7 de dezembro de 1941, o Serviço Aéreo da Marinha Japonesa realizou um ataque a Pearl Harbor, a principal base naval dos Estados Unidos no Pacífico. O bombardeio justificou o ingresso formal dos Estados Unidos na Segunda Guerra, ao lado dos Aliados.

A primeira represália significativa ao Japão ocorreu em 18 de abril de 1942, quando a Força Aérea dos Estados Unidos bombardeou Tóquio e Yokohama.

A chamada “Incursão Doolittle” mobilizou o porta-aviões USS Hornet e 16 bombardeiros B-25 Mitchell. O ataque matou 50 pessoas, feriu outras 400, destruiu três aeronaves e cinco navios-patrulha. O bombardeio não chegou a afetar a capacidade militar japonesa, mas foi amplamente explorado pela propaganda de guerra norte-americana, a fim de inflamar o ânimo bélico da população.

O sentimento antijaponês já se encontrava em forte ascensão nos Estados Unidos desde os anos 20. Em 1924, incomodado com o crescimento da comunidade nipo-americana, o governo dos Estados Unidos chegou aprovar uma lei proibindo a entrada de imigrantes asiáticos no país.

Com o início do conflito, o fomento à nipofobia tornou-se parte de uma política oficial, apoiada na imprensa por campanhas racistas e discursos desumanizantes. Essas ações evoluíram para uma política segregacionista, que resultou no envio de 110.000 imigrantes japoneses e descendentes nipo-americanos para campos de concentração.

Uma pesquisa de opinião publicada em 1944 revelou que 13% dos civis norte-americanos e 50% dos militares eram favoráveis ao extermínio completo de todos os japoneses.

A escalada dos ataques

O ódio generalizado ao Japão serviu de base para a escalada da brutalidade empregada nos ataques militares. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento dos bombardeiros estratégicos Boeing B-29 Superfortress ampliou enormemente o potencial destrutivo da Força Aérea dos Estados Unidos.

A nova aeronave tinha alcance operacional de 6.000 quilômetros e era capaz de conduzir ataques em altitudes superiores a 30.000 pés, esquivando-se das defesas antiaéreas. Entre maio e setembro de 1943, os Estados Unidos iniciaram uma série de testes com bombas incendiárias, objetivando criar uma estratégia ofensiva capaz de forçar o Japão à rendição.

Satisfeito com o resultado dos testes, o alto comando das Forças Armadas autorizou o uso de bombas incendiárias nos ataques aéreos seguintes. Em meados de 1944, os Estados Unidos lançaram a Operação Matterhorn, conduzindo uma série de bombardeios a alvos militares e civis do Japão.

Em fevereiro de 1945, Tóquio foi alvo de um novo ataque dos B-29. Mais de 450 toneladas de bombas incendiárias e de fragmentação foram despejadas sobre a cidade, devastando uma área de 260 hectares.

No mês seguinte, outro bombardeio causou enormes estragos em Kobe, destruindo 21% de sua área urbana. O ataque matou 9.000 pessoas e deixou centenas de milhares desabrigados.

Tóquio destruída após bombardeio dos eua
Exército dos Estados Unidos / Wikimedia Commons
Cidade de Tóquio devastada pelos bombardeios de março de 1945

Operação Meetinghouse

A ofensiva mais avassaladora, entretanto, ainda estava por vir. Na noite de 9 para 10 de março de 1945, uma implacável chuva de bombas despencou sobre Tóquio. Os bombardeios foram realizados no âmbito da Operação Meetinghouse.

A operação foi liderada pelo general Curtis LeMay e envolveu o uso de 334 bombardeiros B-29, previamente estacionados nas Ilhas Marianas. Os aviões lançaram cerca de 2.000 toneladas de bombas sobre a capital japonesa.

A maioria eram bombas de fragmentação E-46, que se dividam em dezenas de bombas incendiárias de napalm antes de atingirem o solo, potencializando a destruição. Também foram empregadas bombas incendiárias de gasolina gelatinosa e de fósforo branco.

O ataque foi planejado para ocorrer durante a noite, visando dificultar a ação das baterias antiaéreas. Os civis estavam dormindo quando foram surpreendidos pelas bombas caindo nos quintais e telhados das casas. As construções japonesas, caracterizadas pelo uso abundante de madeira e papel, foram rapidamente engolidas pelas chamas.

Os incêndios individuais se somaram, conflagrando uma tempestade de fogo que varreu porções inteiras da cidade. A temperatura nos distritos mais afetados chegou a 1.000 ºC. Uma área de 40,9 quilômetros quadrados na mancha urbana de Tóquio foi totalmente devastada e mais de 50% das construções da cidade foram destruídas.

A Força Aérea dos Estados Unidos atacou deliberadamente as áreas mais densamente ocupadas pela classe trabalhadora, visando causar o máximo possível de danos à cidade e à sua população.

As consequências do ataque

O bombardeio de Tóquio deixou um número de mortos estimado entre 88.000 e 140.000 pessoas. Mais de 79 mil corpos carbonizados foram retirados das ruas. Outras 125.000 pessoas ficaram feridas, conforme estimativa do Corpo de Bombeiros de Tóquio, e cerca de um milhão de civis perderam suas casas.

Muitos historiadores apontam que as cifras verdadeiras podem ser bem maiores. Mark Selden, por exemplo, afirma que o número oficial de mortos “parece ser indiscutivelmente baixo à luz da densidade populacional, das condições do vento e dos relatos de sobreviventes”, ao passo que Elise Tipton aponta que o número de vítimas poderia passar de 200.000.

A Operação Meetinghouse permanece até hoje como o bombardeio aéreo de civis mais sangrento da história. É também um dos mais infames exemplos da doutrina militar intitulada “bombardeio de terror” — a estratégia de atacar deliberadamente a população civil para aterrorizar as massas, destruir o moral do inimigo e tentar forçá-lo à rendição por medo do extermínio completo.

Em seus relatórios encaminhados ao governo norte-americano, o general Curtis, responsável pelos bombardeios, escreveu que “os civis de Tóquio foram cozidos e assados até à morte”.

A opção por atacar propositalmente a população civil gerou muitas críticas. Não obstante, as Forças Armadas dos Estados Unidos seguiram utilizando o expediente nos meses seguintes, realizando campanhas de bombardeio semelhantes em outras cidades de grande porte como Nagoya e Osaka.

A doutrina do “bombardeio de terror” atingiria seu macabro paroxismo em agosto de 1945, com os bombardeamentos atômicos de Hiroshima e Nagasaki. A consciência da perversidade cometida transparece em um diálogo travado entre o general Curtis e seu assistente Robert McNamara: “se os Aliados tivessem perdido, estaríamos sendo julgados como criminosos de guerra nesse momento”.