Quinta-feira, 10 de julho de 2025
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Há 97 anos, em 30 de junho de 1928, falecia o padre, cientista e inventor brasileiro Roberto Landell de Moura, pioneiro das telecomunicações.

Landell de Moura foi responsável por realizar algumas das primeiras experiências bem sucedidas de transmissão e recepção de voz e de sinais telegráficos através de ondas eletromagnéticas — motivo pelo qual ele seria reconhecido por alguns historiadores como o inventor do rádio e do telefone sem fio.

O brasileiro também se notabilizou por trabalhos inovadores sobre a transmissão de imagens à distância, sendo considerado igualmente um dos pioneiros da televisão, do teletipo, do controle remoto e até mesmo da fibra óptica.

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Apesar de sua genialidade, Landell sofreu com a falta de apoio das autoridades brasileiras e enfrentou enorme resistência da igreja. Rotulado como um “lunático excêntrico”, ele teve seu laboratório vandalizado e chegou a ser acusado de “bruxaria”.

A carreira sacerdotal

Roberto Landell de Moura nasceu em 21 de janeiro de 1861, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, filho do capitão Inácio José Ferreira de Moura e de Sara Mariana Landell. Cursou o ensino básico no Colégio Nossa Senhora da Conceição, em São Leopoldo, e no educandário de Fernando Ferreira Gomes, em Porto Alegre.

Desde muito cedo, Landell era fascinado pela ciência, como atestam seus manuscritos registrando experiências com telefonia feitas ainda na adolescência. Em 1876, ele se mudou para o Rio de Janeiro, a fim de estudar na Escola Politécnica. Pouco tempo depois, entretanto, foi convencido pelo irmão a seguir a carreira eclesiástica.

Landell partiu então para Roma, onde se matriculou no curso de Direito Canônico do Colégio Pio Americano. A despeito da orientação religiosa, Landell manteve seu interesse pela pesquisa científica, frequentando concomitantemente a Universidade Gregoriana e aprofundando seus estudos sobre física.

Ordenado sacerdote em 1886, Landell retornou ao Brasil. Estabeleceu-se no Seminário de São José, no Rio de Janeiro, e serviu como substituto do coadjutor do capelão do Paço Imperial, ocasião em que manteve colóquios científicos com D. Pedro II.

Landell regressou posteriormente a Porto Alegre, onde foi nomeado capelão da Igreja do Bonfim, e lecionou história universal no Seminário Episcopal. Também exerceu atividades sacerdotais em Uruguaiana, Santos, Campinas e São Paulo. Data desse período a ideia de criar um colégio proletário, inviabilizada pela falta de recursos.

A carreira sacerdotal de Landell foi bastante atribulada. A tentativa de conciliar as atividades religiosas com os estudos científicos e suas declarações sobre a crença na vida extraterrestre escandalizaram a igreja. O padre chegou até mesmo a ter seu laboratório invadido e vandalizado por fiéis.

Pioneiro do rádio

As pesquisas de Landell se inserem no contexto da corrida científica internacional em prol da melhoria das comunicações, fomentada a partir dos trabalhos sobre a aplicação das ondas eletromagnéticas desenvolvidos por James Clerk Maxwell e Heinrich Hertz. Landell se converteria em um dos grandes pioneiros desse movimento, ao lado de nomes como Nikola Tesla, Marconi Guglielmo e Graham Bell.

Atribui-se ao padre Landell a construção do primeiro transmissor sem fio de mensagens da história, em 1892. Conforme registrado pelo historiador Ernani Fornari, Landell teria realizado as primeiras experiências bem sucedidas de transmissão de sinais telegráficos sem fio entre 1893 e 1894 — isso, é ao menos um ano antes do feito análogo do italiano Guglielmo Marconi. A transmissão de Landell, entretanto, teria coberto uma distância de oito quilômetros, o dobro da alcançada pelo aparelho do italiano.

Os primeiros experimentos de Landell foram referendados por testemunhas e seu pioneirismo foi reconhecido por algumas publicações internacionais — nomeadamente a “Enciclopédia do Rádio” do historiador norte-americano Christopher Sterling.

Entretanto, a ausência de documentação sólida e de registros coevos prejudicou o reconhecimento internacional dessas experiências. Amparado por provas mais concretas, Marconi seria consagrado como o inventor do rádio.

Landell somente faria suas primeiras demonstrações públicas e bem documentadas de transmissão de rádio em meados de 1899. Um artigo publicado pelo “Jornal do Commercio” em 14 de junho daquele ano registrou o sucesso de uma experiência em que Landell transmitiu o som e voz a uma distância de sete quilômetros.

Pouco tempo depois, em 16 de julho, o sacerdote fez nova demonstração pública, transmitindo o Hino Nacional Brasileiro do Colégio Santana, na Zona Norte de São Paulo, até a Ponte das Bandeiras, na região central da capital paulista. O evento ocorreu duas décadas antes da fundação do Rádio Clube de Pernambuco e 23 anos antes da primeira transmissão oficial de rádio no Brasil, ocorrida em 7 de setembro de 1922.

Roberto Landell de Moura em 1908
Autor desconhecido/Wikimedia Commons

Outras invenções e a temporada nos Estados Unidos

Em 3 de junho de 1900, Landell realizou mais uma demonstração pública, transmitindo sons e sinais telegráficos do bairro de Santana até a Avenida Paulista. No mesmo período, o padre apresentou cinco de suas invenções: o “Telouxiaphono”, o “Kaleophono”, o “Anematophono”, o “Teletiton” e o “Ediphono”.

Todas essas experiências de transmissão de voz realizadas por Landell entre 1899 e 1900 o credenciam também ao título de pioneiro mundial da telefonia sem fio. Mas, embora tenham sido registradas e até mesmo testemunhadas por representantes de delegações diplomáticas, essas experiências não receberam a atenção devida da imprensa brasileira.

Tal fato contribuiu para que o canadense Reginald Fessenden reivindicasse incorretamente a criação do telefone sem fio em dezembro de 1900, muito tempo depois de Landell já ter inventado o aparelho.

Landell também aperfeiçoou o sistema de telefonia por onda de luz concebido por Graham Bell, aumentando sua potência com o emprego do arco voltaico e uso de espelhos parabólicos.

Em 1901, Landell obteve a primeira patente brasileira para “um aparelho destinado à transmissão fonética à distância”, mas não conseguiu angariar apoio do governo para suas invenções.

No mesmo ano, buscando divulgar suas pesquisas, o brasileiro se mudou para os Estados Unidos, montando um laboratório em Nova York. Landell obteve considerável reconhecimento na imprensa norte-americana, tendo suas invenções saudadas por jornais como o “New York Herald“.

Durante sua estadia nos Estados Unidos, o brasileiro obteve três patentes — incluindo a patente 771.917 para um transmissor de ondas, considerado o primeiro aparelho de rádio do mundo.

Em 1904, Landell desenvolveu o “teleforama”, protótipo de um equipamento apto a transmitir imagens por ondas eletromagnéticas, considerado um precursor da televisão — 22 anos antes das primeiras demonstrações de John Logie Baird.

As pesquisas de Landell com registradores telegráficos também podem ser consideradas protótipos para invenções como o controle remoto e o teletipo.

Retorno ao Brasil

Landell recebeu diversas ofertas de empresários norte-americanos buscando obter autorização para produção industrial e comercialização de seus inventos. O sacerdote, entretanto, recusou todas as oportunidades, uma vez que acreditava que “competia ao Brasil entregar tais inventos à humanidade”. “O que desejo é que o fruto de meus estudos se traduza em proveito e glória de minha Pátria”, afirmou Landell em uma entrevista ao jornal “La Voz de España“.

Em 1905, Landell retornou ao Brasil e reassumiu suas funções sacerdotais. Buscando dar continuidade às pesquisas e viabilizar a produção dos inventos em prol do interesse público, Landell requisitou aos deputados de São Paulo uma subvenção financeira, mas teve seu pedido negado.

Em seguida, o padre pediu ao presidente Rodrigues Alves autorização para utilizar dois navios da Marinha para realizar uma demonstração de transmissão sem fio em longas distâncias.

O assessor da presidência, entretanto, recomendou o indeferimento do pedido, alegando que Landell era “um padre maluco” que acreditava ser possível “conversar com outros mundos”. Indignado com a resposta, Landell teve um acesso de raiva e destruiu vários de seus equipamentos.

Apesar das dificuldades e frustrações, Landell tentou prosseguir com suas pesquisas. Em 1907, chegou a escrever sobre os efeitos eletro-luminescentes e os campos energéticos que envolvem seres vivos — o chamado efeito Kirlian.

Não obstante, a igreja o pressionava cada vez mais a abandonar seus experimentos para se dedicar exclusivamente ao sacerdócio. Os fiéis reclamavam da falta de diligência religiosa do padre e consideravam suas invenções como “excentricidades” descabidas.

Landell foi até mesmo alvo de boatos que o acusavam de bruxaria e de manter pacto com demônios. Após uma série de experiências tumultuadas nas paróquias no interior paulista, Landell pediu exoneração e voltou para o Rio Grande do Sul.

Últimos anos e reconhecimento póstumo

Em Porto Alegre, Landell assumiu a Paróquia do Menino Deus e dirigiu o Asilo de Santa Teresa (atual Asilo Padre Cacique). Também lecionou por um curto período na Faculdade de Medicina Homeopática. Em seus últimos anos de vida, interessou-se pelo espiritismo e por psicologia, o que causou novos atritos com a comunidade católica.

Em 1919, Landell publicou o livro “Apontamentos de Psicologia” e no ano seguinte participou da fundação do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Foi nomeado ainda vigário-geral da Arquidiocese de Porto Alegre e recebeu o título eclesiástico de monsenhor. Faleceu em 30 de junho de 1928, aos 67 anos de idade, vitimado pela tuberculose.

Embora possua um legado inquestionável para o desenvolvimento das telecomunicações, Landell de Moura esteve por décadas relegado ao ostracismo, em parte pela ausência de documentação original com especificações técnicas de seus inventos, mas sobretudo pela negligência e pelo viés americanófilo e eurocêntrico da mídia e da academia.

Sua obra conheceu uma revalorização a partir dos anos 80, por intermédio de pesquisas conduzidas pela Telebras e pela reconstituição de seus inventos por iniciativa da Fundação de Ciência e Tecnologia da capital gaúcha. Landell de Moura foi declarado Patrono da Ciência, da Tecnologia e da Inovação de Porto Alegre. Em 2012, durante o governo de Dilma Rousseff, o nome de Landell foi inscrito no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas da Pátria.