Há 130 anos, em 14 de junho de 1894, nascia o teórico José Carlos Mariátegui, um dos mais influentes pensadores do marxismo latino-americano e fundador do Partido Comunista Peruano.
Nascido em uma família modesta de Moquegua, Peru, Mariátegui era um dos três filhos de María Amalia Ballejos e Francisco Javier Mariátegui Requejo. Abandonada pelo marido, María Amalia viu-se obrigada a se mudar com os filhos em busca de meios de sustentar a família, estabelecendo-se primeiramente em Lima e depois em Huacho.
Aos oito anos, Mariátegui lesionou sua perna em um grave acidente. O jovem se recuperou parcialmente depois de quatro anos, mas desenvolveu uma doença óssea em decorrência da lesão que lhe acompanharia pelo resto da vida. Com a mobilidade comprometida, foi obrigado a abandonar os estudos e seu sonho de se tornar seminarista.
Aos 14 anos, Mariátegui passou a trabalhar em um jornal, exercendo as funções de mensageiro, linotipista e, posteriormente, escritor. Durante esse período, leu os textos do intelectual anarquista Manuel González Prada, versando sobre a opressão dos camponeses peruanos, a concentração fundiária e a corrupção e incompetência dos governantes do Peru — temas que influenciariam substancialmente sua produção ulterior, ao lado do estudo autodidata do socialismo e da teoria marxiana.
Mariátegui colaborou no diário La Prensa e na revista Mundo Limeño. Em 1916, ingressou na redação do periódico El Tiempo, de inclinação política progressista, mas rompeu com o jornal dois anos depois, após a recusa dos proprietários em publicar seus textos. Ainda em 1918, lançou seu próprio jornal, intitulado La Razón, primeiro periódico declaradamente de esquerda do Peru.
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Por intermédio do jornal La Razón, Mariátegui desenvolveu uma defesa vigorosa da reforma universitária e das pautas do movimento operário, apoiando a greve de 1919, a redução da jornada de trabalho para oito horas diárias e criticando firmemente o custo de vida elevado. As críticas ácidas do periódico tornaram Mariátegui um alvo da perseguição política do governo de Augusto Leguía, forçando o editor ao exílio. A partir de 1920, Mariátegui visitou a França, Alemanha e Áustria e residiu na Itália por dois anos.
Durante o exílio, travou contato com Georges Sorel e envolveu-se amorosamente com Anna Chiappe — sua futura esposa e mãe de seus quatro filhos. Testemunhou em primeira mão a agitação social na Itália, incluindo as greves de Turim e a histórica cisão do Partido Socialista Italiano durante a Conferência de Livorno, que levaria à formação do Partido Comunista.
Mariátegui deixou a Itália em 1922, quando o líder fascista Benito Mussolini começara a consolidar seu poder. Em seus textos coevos ao fenômeno histórico, o escritor peruano definiu o fascismo como uma reação da elite à crise social italiana e descreveu o culto à violência e o apoio exaltado da pequena burguesia como sustentáculos do movimento. Após seu retorno ao Peru, dedicou-se à atividade acadêmica e à produção intelectual, dando palestras e utilizando a teoria marxista para analisar a sociedade peruana. Também se aproximou de Víctor Raúl Haya de la Torre, fundador da Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA) e colaborador de Mariátegui na revista Claridad — forçado ao exílio pelo governo de Leguía em 1924. Apesar da curta duração, o periódico teve grande importância para a difusão do ideal revolucionário no Peru, sobretudo seu quinto volume, dedicado à obra de Lenin.
Embora debilitado pela progressão de sua doença óssea e forçado a amputar uma perna, Mariátegui seguiu se dedicando a articular a criação de uma esquerda radical no Peru. Em 1926, fundou o jornal Amauta, que se tornaria um importante fórum de discussões sobre o socialismo. No ano seguinte, o escritor foi detido sob a acusação de subversão e submetido à prisão domiciliar. Em 1928, fundou o Partido Socialista Peruano, assumindo o cargo de secretário-geral da agremiação, convertida em Partido Comunista Peruano dois anos depois.
Concomitantemente, publicou sua obra mais conhecida, Sete Ensaios de Interpretação da Realidade Peruana, uma análise sobre a situação social e econômica do Peru sob uma perspectiva materialista, abrangendo desde a exclusão social dos povos indígenas até os problemas decorrentes da concentração fundiária. Considerada um marco do marxismo latino-americano, a obra se destaca pela rejeição da abordagem apriorística do processo revolucionário, enfatizando a necessidade de construção de uma transição para o socialismo baseada no contexto local e nas formas tradicionais de coletivismo praticadas pelos povos indígenas.
Em 1929, Mariátegui fundou a Confederação Geral dos Trabalhadores do Peru (CGTP), que se tornaria a maior e mais influente central sindical do país. Faleceu no ano seguinte, em 16 de abril de 1930, em decorrência de complicações de sua doença óssea.
Apesar da vida breve, Mariátegui teve enorme importância para a consolidação do movimento socialista no Peru, onde recebeu o epíteto de “El Amauta” (“O Mestre”). Seu pensamento influenciou quase todas as organizações revolucionárias que surgiram no Peru ao longo do século 20.
Mariátegui deixou um rico legado para o enriquecimento do pensamento marxista, marcado pela originalidade e perspicácia analítica. Suas obras apontam para a necessidade de superar o influxo eurocêntrico na interpretação da teoria marxista, adaptando-a às realidades socioculturais e políticas da América Latina, contextualizando-a diante de uma realidade moldada pelo colonialismo, imperialismo e opressão sobre os povos originários.