Há 118 anos, em 26 de agosto de 1906, nascia o cientista Albert Sabin, o criador da vacina oral contra a poliomielite — doença viral infecciosa responsável por causar a paralisia infantil. Desenvolvida com apoio da União Soviética, a vacina de Sabin teve papel fundamental para erradicar a pandemia de poliomielite.
Albert Sabin nasceu em uma família judia de Bialystok, na Polônia. Imigrou para os Estados Unidos com sua família ainda na adolescência, fugindo do acirramento das tensões políticas e do forte antissemitismo em sua terra natal. Sabin se graduou medicina pela Universidade de Nova York em 1931, especializando-se em virologia.
Nas décadas seguintes, dedicou-se à pesquisa das doenças infecciosas. Ele ajudou a desenvolver uma vacina contra a encefalite japonesa na década de 1940 e foi o primeiro cientista a isolar o vírus da dengue. Em 1946, Sabin assumiu a direção das pesquisas pediátricas na Universidade de Cincinnati, onde passou a se dedicar ao estudo da poliomielite — o grande desafio científico de então.
Limitada a surtos isolados de curta duração no período pré-Revolução Industrial, a incidência da poliomielite evoluiu para a escala de pandemia em meados do século XX. Nos anos 40, a doença já havia se espalhado por todo o mundo, causando pavor em função de sua alta taxa de letalidade e de seus efeitos devastadores. A poliomielite matava 10% dos infectados e deixava outros 40% com sequelas irreversíveis.
O Brasil registrou sucessivos surtos de poliomielite desde 1911, com concentração de casos nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. Entre 1920 e 1940, o número de ocorrências no Rio de Janeiro setuplicou. Em 1953, o Brasil enfrentou a pior epidemia de poliomielite de sua história, com milhares de crianças atingidas.
A situação também era grave nos Estados Unidos — em grande parte pela negligência do governo, que tinha um papel extremamente limitado na promoção da saúde pública, deixando a campanha de prevenção da poliomielite a cargo de organizações filantrópicas e da caridade confessional.
Em 1952, os Estados Unidos enfrentaram a sua pior pandemia, com 58.000 crianças infectadas. A doença também assolou a União Soviética, onde sua incidência foi multiplicada por 20 em um intervalo de duas décadas. Em 1949, uma grave epidemia se alastrou pelos Estados bálticos, Cazaquistão e Sibéria.
Virologistas de todo o mundo se empenharam na corrida para criar uma vacina que ajudasse a debelar a pandemia de poliomielite. Um dos mais destacados foi o epidemiologista Jonas Salk, pesquisador da Universidade de Pittsburgh. Por intermédio da Fundação Nacional para a Paralisia Infantil, Salk recebeu um grande volume de recursos do governo norte-americano para financiar o desenvolvimento de uma vacina contra a doença.
Em 1952, Salk iniciou os testes em humanos com sua vacina antipólio, produzida com o vírus inativado. O estudo divulgado em 1974 comprovou que a vacina tinha eficácia de aproximadamente 70%. A imunização, entretanto, era de curta duração, além de necessitar ao menos de duas aplicações e mais uma dose anual de reforço. Seu processo de produção era muito caro, o que poderia limitar o acesso à vacina pelas camadas mais pobres da população. Em 1955, as autoridades sanitárias norte-americanas deram aval para a distribuição da vacina e emitiram licenças de produção para seis laboratórios farmacêuticos privados.
A campanha foi curta: a vacinação foi suspensa poucas semanas depois, em função do “Incidente Cutter”. Uma companhia farmacêutica da Califórnia, a Cutter Laboratories, distribuiu 380 mil doses defeituosas da vacina Salk. Além de trabalhar com a cepa mais agressiva do vírus, o laboratório utilizou filtros com defeito no processo de fabricação da vacina. Como resultado, os seus lotes possuíam cepas ativas do vírus.
O erro fez com que 40.000 crianças fossem infectadas, desenvolvendo sintomas da doença. Mais de 200 crianças ficaram paralisadas e ao menos 11 morreram. Outros quatro laboratórios também relataram dificuldades no processo de inativação viral da vacina Salk. O governo norte-americano recolheu os imunizantes e países como Suíça, Austrália e Holanda suspenderam o uso da vacina. Além de acarretar a suspensão da campanha de imunização, o incidente abalou profundamente a confiança do público na vacina Salk.
Em Cincinnati, Albert Sabin apostava no desenvolvimento de uma vacina antipólio utilizando o vírus ativo. O imunizante produzido por Sabin tinha a forma de um soro que podia ser inoculado na corrente sanguínea por via oral, em gotas. Os testes feitos em animais indicavam que a vacina tinha várias vantagens em relação àquela desenvolvida por Salk. Além de ser mais segura, mais fácil de aplicar e de ter um custo de produção muito mais baixo, a vacina de Sabin parecia ter maior eficácia e um tempo prolongado de imunização.
Apesar disso, o governo dos Estados Unidos não permitiu que Sabin testasse a vacina em humanos, impedindo a conclusão dos testes clínicos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou que o governo norte-americano desse aval à testagem, mas foi ignorada. Tom Rivers, o chefe da Fundação Nacional para a Paralisia Infantil, chegou a sugerir a Sabin que ele despejasse sua vacina “no bueiro mais próximo”.
A busca por um imunizante eficaz contra a poliomielite também estava mobilizando a comunidade científica na União Soviética. Em Moscou, o governo soviético havia fundado o Instituto de Pesquisa da Poliomielite, chefiado pelo célebre microbiologista Mikhail Chumakov, responsável por isolar o vírus causador da encefalite do carrapato. Em janeiro de 1956, após ser incumbido de coordenar a produção de uma vacina contra a poliomielite, Chumakov viajou até os Estados Unidos para conversar com Salk e Sabin. Ele foi acompanhado por dois renomados virologistas — sua esposa, Marina Voroshilova, e Anatoli Smorodintsev.
A visita dos cientistas soviéticos foi monitorada de perto pelo Departamento de Estado. Os norte-americanos desconfiavam que a comitiva incluía agentes da KGB interessados em produzir armas biológicas. Chumakov foi recebido com certa frieza por Salk, que rejeitou o convite para uma viagem científica à União Soviética. Sabin, por sua vez, mostrou-se bem mais receptivo — e logo se tornaria amigo de Chumakov. Os cientistas ofereceram então a Sabin a oportunidade de dar continuidade ao desenvolvimento da vacina na União Soviética. Sabin aceitou a oferta e viajou para a União Soviética no mesmo ano.
Chumakov conseguiu dirimir as desconfianças de parte da burocracia soviética em relação a Sabin. Convicto de que o imunizante desenvolvido pelo polonês era superior à vacina Salk, Chumakov convenceu Anastas Mikoyan, Primeiro Vice-Presidente do Conselho de Ministros da União Soviética, a autorizar os testes clínicos.
Em 1957, os cientistas soviéticos deram início aos testes em voluntários. Em Leningrado, os testes foram coordenados por Anatoli Smorodintsev. Foi a maior testagem de campo da história da poliomielite, abrangendo dezenas de milhares de indivíduos. Os testes foram finalizados em 1959, quando se concluiu que a vacina Sabin era segura e eficaz.
Imediatamente após a conclusão do estudo, o governo soviético enviou 300.000 doses da vacina em caráter emergencial para os países bálticos, os mais atingidos pela pandemia. Em seguida, o Ministro da Saúde, Sergei Kurashov, autorizou a vacinação em massa da população. Todos os cidadãos com idades entre 2 meses e 20 anos deveriam ser imunizados. Em poucos meses, dezenas de milhões de soviéticos haviam sido vacinados — um feito até então sem precedentes. A campanha soviética foi efusivamente elogiada por Sabin, que afirmou que tal façanha “jamais seria possível nos Estados Unidos”.
No início dos anos 60, a pandemia já havia sido debelada e a poliomielite estava controlada na União Soviética. Moscou passou então a auxiliar nos esforços de imunização do Leste Europeu, enviando vacinas para Hungria, Polônia, Romênia, Bulgária, Tchecoslováquia, Iugoslávia, Alemanha Oriental, etc. Mais de 100 milhões de pessoas seriam imunizadas com as vacinas produzidas pela União Soviética até o fim da década de 60.
A despeito do sucesso da campanha nos países socialistas, os governos do Ocidente seguiam relutantes em utilizar a vacina Sabin. Nos Estados Unidos, ainda sob forte influência do virulento discurso anticomunista da Guerra Fria, lideranças políticas, formadores de opinião e parte considerável da comunidade científica insistiam na tese de que a vacina soviética não era segura.
Charles Armstrong, renomado virologista do Serviço de Saúde Pública dos Estados Unidos, dizia ser temerário usar a vacina, já que “não se pode confiar nos russos”. Artigos na imprensa ocidental atacavam a obrigatoriedade da vacinação como um sintoma do “totalitarismo soviético”. E ideólogos da extrema-direita difundiam teorias da conspiração de que a vacina seria uma arma biológica ou parte de um estratagema comunista de dominação global.
Sob influência e pressão do Ocidente, a própria OMS se negou a recomendar o uso da vacina Sabin. A organização incumbiu a epidemiologista norte-americana Dorothy Horstmann de inspecionar a produção da vacina nos laboratórios soviéticos e escrever um relatório sobre a confiabilidade do imunizante.
Após seis semanas na União Soviética, Horstmann publicou um relatório atestando que o processo de produção da vacina era extremamente seguro e elogiando o programa de imunização em massa. A OMS optou por não publicar o documento.
Os fatos, entretanto, foram se impondo sobre as narrativas anticomunistas. A bem sucedida campanha de erradicação da poliomielite despertou interesse de países alheios ao bloco socialista. México, Singapura, Japão e vários outros países passaram a firmar acordos para importar as vacinas. Logo, a União Soviética estava exportando o imunizante para mais de 60 países, incluindo o Brasil, tornando-se a principal responsável pela erradicação da pandemia global.
Em 1964, os Estados Unidos deram o braço a torcer e transformaram a vacina Sabin no medicamento oficial de suas campanhas de vacinação. Em apenas dois anos, conseguiram finalmente controlar sua epidemia.
Por seus feitos em prol da humanidade, o governo soviético condecorou Albert Sabin com a Ordem da Amizade entre os Povos. Mikhail Chumakov e Anatoli Smorodintsev receberam o Prêmio Lenin. Sabin também foi homenageado pelo Brasil, recebendo a Grã-Cruz do Mérito Nacional em 1967.
Sabin esteve no Brasil em diversas ocasiões, acompanhando as campanhas e projetos de combate à poliomielite. Ele também se casou com uma brasileira: Heloisa Dunshee de Abranches, sua companheira até o fim da vida. Albert Sabin faleceu em 3 de março de 1993, aos 86 anos de idade.