Há 91 anos, em 5 de agosto de 1933, nascia a líder sindical paraibana Margarida Alves. Primeira mulher a presidir o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande, Margarida se destacou por sua luta em prol dos direitos dos camponeses durante a ditadura militar, denunciando abusos trabalhistas e movendo mais de 600 processos contra os latifundiários e usineiros. Suas ações incomodaram pessoas poderosas e a tornaram alvo de ameaças.
Em 12 de agosto de 1983, Margarida foi assassinada a tiros, na frente de sua casa. Sua luta inspirou a criação da Marcha das Margaridas, principal manifestação das trabalhadoras rurais do Brasil.
Margarida Maria Alves nasceu no Sítio do Jacu, zona rural de Alagoa Grande, no interior da Paraíba. Era a caçula dos nove filhos de Manoel Lourenço Alves e Alexandrina Inácia da Conceição, um humilde casal de lavradores. Margarida começou a trabalhar aos oito anos de idade, o que a impediu de frequentar a escola. Retomou os estudos posteriormente, concluindo a quarta série do ensino fundamental.
Margarida permaneceu no sítio até os 28 anos, quando, por ordem dos coronéis da região, foi expulsa da terra junto com toda sua família. Estabeleceu-se então em uma pequena casa no centro de Alagoa Grande. A expulsão da família não era um evento isolado. O agreste paraibano à época era cenário de uma sangrenta luta pela terra.
Desde os anos 50, as Ligas Camponesas buscavam organizar os trabalhadores em prol da reivindicação da reforma agrária. Os latifundiários responderam com extrema violência, reprimindo os camponeses e assassinando João Pedro Teixeira, líder das Ligas Camponesas no Brejo Paraibano.
A violência no campo se acentuaria ainda mais durante a ditadura militar, com o recrudescimento da repressão contra os movimentos sociais e a desarticulação das organizações sindicais. Foi nesse contexto que Margarida iniciou sua atuação política. Filiada ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande e atuante nos movimentos de base da Igreja Católica, Margarida liderou importantes ações sociais que lhe granjearam apoio entre os camponeses. Foi particularmente ativa na campanha pela sindicalização das rendeiras e demais trabalhadoras do campo.
Em 1973, tornou-se a primeira mulher eleita para presidir o Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Margarida seria sucessivamente reeleita para a função nas votações de 1976, 1979 e 1982, permanecendo à frente do sindicato por 10 anos.
Durante sua gestão, Margarida buscou enfrentar as péssimas condições de trabalho impostas aos camponeses, submetidos a jornadas extenuantes, baixa remuneração e todo tipo de abuso patronal. Mobilizou os camponeses na luta pela jornada de trabalho de oito horas diárias, registro em carteira, 13º salário e férias remuneradas.
Reivindicou o fim do trabalho infantil nas lavouras e canaviais e a concessão de lotes de terra para a subsistência dos lavradores. Visando combater o alto índice de analfabetismo entre os camponeses, Margarida ajudou a criar o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU). A organização mantinha um serviço de alfabetização de adultos usando o modelo didático de Paulo Freire, bem como cursos de formação política e atividades culturais. Margarida também deu importante contribuição à luta pela autonomia política feminina.
Em 1982, a líder sindical fundou o Movimento de Mulheres do Brejo (MMB), um dos primeiros movimentos sociais agrários femininos do continente. O MMB fornecia educação política sob a perspectiva do feminismo e do debate de gênero e buscava criar lideranças para atuação nos sindicatos e movimentos de base.
A atuação política de Margarida passou a incomodar os fazendeiros da região. A sindicalista havia liderado uma ampla campanha salarial no início dos anos 80 e ajudado a articular a primeira greve de canavieiros ocorrida na Paraíba, que culminaria com a celebração dos dissídios coletivos em 1983. A atuação jurídica do sindicato, entretanto, foi o que mais irritou os grandes proprietários.
Ao longo de sua gestão, Margarida moveu mais de 600 ações trabalhistas contra latifundiários e usineiros acusados de violarem os direitos dos camponeses. O principal alvo desses processos era a Usina Tanques, então a maior usina de açúcar da Paraíba. O proprietário da usina, Agnaldo Veloso Borges, era também o líder do “Grupo da Várzea” — uma agremiação de coronéis que detinha enorme poder político na Paraíba, reunindo dezenas de latifundiários, prefeitos e deputados. O “Grupo da Várzea” havia sido responsável por diversas ações criminosas contra os camponeses, incluindo o assassinato de João Pedro Teixeira em 1962.
Margarida passou a sofrer intimidações e ameaças de morte — uma delas proferida pelo próprio dono da Usina Tanques. Em 1982, foi agredida por José Mil, proprietário do Engenho Miranda. Em um discurso proferido em 1º de maio de 1983, durante a celebração do Dia do Trabalhador na cidade de Sapé, a líder sindical fez alusão às ameaças, dizendo que não se deixaria intimidar: “Da luta eu não fujo. É melhor morrer na luta do que morrer de fome”.
Três meses depois, em 12 de agosto de 1983, Margarida foi assassinada a tiros durante uma emboscada. A ação ocorreu na porta da sua casa, na frente do marido, Severino Cassimiro Alves, e de seu único filho, José de Arimatéia, então com 8 anos de idade.
O assassinato de Margarida comoveu e indignou os trabalhadores rurais do Brejo Paraibano. O crime teve repercussão internacional e foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Apesar disso, ninguém jamais foi punido.
Em 1988, o Ministério Público ofereceu denúncia contra três suspeitos: Antônio Carlos Regis, um fazendeiro local, e os irmãos Amauri e Amaro José do Rego. Somente Antônio Carlos Regis foi a julgamento, sendo absolvido por falta de provas. Em 1995, uma nova denúncia foi apresentada pelo Ministério Público, dessa vez contra o usineiro Aguinaldo Veloso Borges, seu genro, Zito Buarque, o policial militar Betâneo Carneiro e Edgar Paes de Araújo. Desses, Zito Buarque foi o único a ser julgado, sendo igualmente absolvido.
A casa onde a sindicalista morava foi adquirida pela prefeitura de Alagoa Grande e transformada em um museu em sua memória. A luta de Margarida Alves inspirou a criação da Marcha das Margaridas, que é realizada regularmente desde o ano 2000. Organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), a marcha é a principal manifestação conjunta das trabalhadoras rurais do Brasil.
Em 2012, durante o governo de Dilma Rousseff, a data do assassinato de Margarida Alves, 12 de agosto, foi oficializada como Dia Nacional dos Direitos Humanos. O nome de Margarida está registrado no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas da Pátria. O projeto de lei foi proposto pela deputada Maria do Rosário e sancionado por Lula em agosto de 2023.