Quinta-feira, 10 de julho de 2025
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Há 88 anos, em 27 de junho de 1937, nascia Vladimir Herzog. Filho de judeus iugoslavos que fugiram do regime nazista, Herzog chegou ao Brasil quando ainda era criança. Ele estabeleceu uma sólida carreira como jornalista, ao mesmo tempo em que se aproximou de movimentos culturais de vanguarda no cinema e no teatro.

Durante a ditadura, Herzog se tornou militante do Partido Comunista Brasileiro, compondo a ala dos intelectuais da organização. Na condição de diretor de jornalismo da TV Cultura, ele se destacou pela coragem em produzir matérias com críticas à ditadura e ajudou a expor uma epidemia de meningite que fora negligenciada pelo regime.

Herzog foi torturado e assassinado nos porões do DOI-CODI após ser convocado para prestar depoimento. Ele foi um dos 12 militantes do PCB mortos pelo regime durante o cerco ao partido no ano de 1975.

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Os militares tentaram ocultar o assassinato afirmando que Herzog cometera suicídio. A morte do jornalista causou grande comoção e o culto ecumênico realizado em sua homenagem na Catedral da Sé se transformou em um marco histórico da luta pela redemocratização do país.

Primeiros anos e formação

Vlado Herzog nasceu em Osijek, na Croácia, então parte do Reino da Iugoslávia. Ele era filho de Zora Wolner e Zigmund Herzog, um casal de comerciantes judeus. Seu pai era dono de uma pequena loja de porcelanas em Banja Luka, uma cidade da Bósnia e Herzegovina onde a família viveu até o início dos anos 40.

Em abril de 1941, após a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a Iugoslávia foi invadida pela Alemanha nazista. O país foi desmembrado e ocupado pelas forças do Eixo e um Estado fantoche colaboracionista foi instalado na Croácia.

Perseguidos por sua origem judaica, os Herzog tiveram sua casa e seu comércio em Banja Luka confiscados pelos nazistas. Temendo por sua segurança, a família fugiu para a Itália, onde viveu clandestinamente até 1944, passando por Fonzaso, Fermo e Magliano di Tenna, até chegarem ao campo de refugiados de Bari.

Em 1946, a família imigrou para o Brasil, fixando residência em São Paulo. Na cidade, Herzog frequentou o Colégio Presidente Roosevelt e estudou teatro no Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, interessando-se ainda por fotografia, cinema, música e literatura. Ele atuou em companhias teatrais amadoras como “Muse Italiche” e “I Guitti”, onde contracenou com Lélia Abramo.

Após concluir o ensino secundário no Colégio Estadual de São Paulo, Herzog ingressou no curso de filosofia da USP. Durante a graduação, ele começou a namorar a estudante Clarice Ribeiro Chaves, sua futura esposa.

Carreira jornalística e atividades culturais

Herzog iniciou sua carreira como jornalista em 1959, colaborando com a redação do jornal “O Estado de S. Paulo”. Foi nessa época que ele começou a assinar suas matérias como “Vladimir”, por julgar que o nome “Vlado” soava estranho para os brasileiros.

Já em sua estreia, Herzog foi incumbido de cobrir a visita do filósofo francês Jean-Paul Sartre ao Brasil em 1960 — um dos intelectuais a quem mais admirava e que teve grande influência em sua formação política. Ele também trabalhou na cobertura de eventos como a inauguração de Brasília e a posse de Jânio Quadros.

Unindo a nova carreira à paixão pela arte, Herzog se especializou no jornalismo cultural. Em 1962, ele viajou para a Argentina para cobrir o Festival Internacional de Mar del Plata, ocasião em que travou contato com o cineasta Fernando Birri, o “pai” do Novo Cinema Latino-Americano — movimento que preconizava a valorização das tradições locais e a ruptura com o modelo industrial hollywoodiano.

De volta ao Brasil, Herzog se aproximou de personalidades como Paulo Emílio Salles Gomes, Rudá de Andrade e Jean-Claude Bernardet, entre outros intelectuais ligados à Cinemateca Brasileira. O jornalista atuou na organização de mostras e cineclubes e participou de seminários e cursos de cinema. Em 1963, Herzog produziu o curta-metragem “Marimbás”, sua única obra cinematográfica.

Após o golpe de 1964 e a subsequente instalação da ditadura militar, Herzog foi desligado do jornal “O Estado de S. Paulo”. O período foi marcado pela intensificação de sua atuação cultural. Entre 1964 e 1965, Herzog auxiliou na produção de dois documentários produzidos por Thomaz Farkas: “Subterrâneos do Futebol” e “Viramundo“. Ele também se acompanhou os movimentos culturais vinculados à esquerda, incluindo o teatro popular de Augusto Boal e o cinema novo de Nelson Pereira dos Santos.

BBC, Revista Visão e militância no PCB

Em 1965, Herzog e sua esposa se mudaram para Londres. Ele havia assinado um contrato de três anos para atuar no Serviço Brasileiro da BBC. Na emissora britânica, Herzog produziu matérias sobre cultura e entretenimento, fez adaptação radiofônica de peças de teatro e coordenou a cobertura da Seleção Brasileira de Futebol na Copa do Mundo de 1966.

Em paralelo ao trabalho na BBC, Herzog escrevia artigos para periódicos do Brasil e atuava em prol da divulgação do cinema brasileiro na Europa. Ele ajudou a organizar seminários abordando a produção nacional e viabilizou a inclusão de filmes brasileiros em eventos internacionais como o Festival de Florença e o Festival de Mannheim.

Foi também durante a estadia em Londres que nasceram os dois filhos de Herzog e Clarice — Ivo, em agosto de 1966, e André, em abril de 1968. De volta ao Brasil em 1969, Herzog atuou em uma agência de publicidade. No ano seguinte, ele foi convidado para trabalhar na revista “Visão”.

Fundada nos anos 50, a revista havia se consolidado como um dos periódicos de maior prestígio no país, tanto por reunir profissionais altamente qualificados quanto por manter uma linha editorial independente — sendo um dos raros veículos que ousavam fazer críticas à ditadura.

Herzog assumiu o posto de editor de cultura da revista “Visão”, produzindo matérias sobre cinema, teatro e televisão. Ele se destacaria em especial pelo artigo “A crise da cultura brasileira”, escrito em colaboração com Zuenir Ventura, denunciando o desmonte do setor cultural pelo regime militar.

Nesse mesmo período, Herzog tornou-se militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB), engrossando a ala dos intelectuais da agremiação. Mesmo não tendo aderido à luta armada contra o regime, o PCB era uma das organizações mais visadas pelos órgãos da repressão, sendo forçado a manter todas as suas ações na clandestinidade.

Fotografia de Vladimir Herzog
Autor desconhecido/Wikimedia Foundation

TV Cultura

Herzog iniciou sua atividade docente no início dos anos 70, quando foi convidado por Perseu Abramo para assumir o cargo de professor de jornalismo da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP). Posteriormente, ele também daria aulas na Escola de Comunicação e Artes da USP, além de ter uma breve passagem pela TV Universitária da UFPE.

Simultaneamente, Herzog retomou suas atividades cinematográficas, iniciando os preparativos para a produção de um documentário sobre a Guerra de Canudos e escrevendo roteiros para a adaptação do livro “Doramundo”, de Geraldo Ferraz. Também interagiu com vários nomes ligados ao chamado “teatro de agressão”, marcado pelos roteiros politizados, de contestação ao regime militar.

Em 1973, Herzog foi convidado por Fernando Pacheco Jordão para coordenar a redação do programa “Hora de Notícia”, da TV Cultura. O telejornal se destacaria pela abordagem crítica sobre os acontecimentos políticos e pela preocupação com a temática da cidadania.

Herzog seria afastado do “Hora da Notícia” em 1974, mas retornaria à TV Cultura já no ano seguinte, aceitando o convite de José Mindlin, então Secretário de Cultura do governo paulista, para assumir a direção de jornalismo da emissora.

À frente do projeto, Herzog empreenderia uma corajosa cobertura jornalística, denunciando suspeitas de corrupção e irregularidades cometidas pela ditadura e produzindo matérias sobre os problemas sociais do Brasil.

Por meio da TV Cultura, Herzog expôs a grave epidemia de meningite que havia sido negligenciada e ocultada pela ditadura militar. Os governos de Médici e Geisel haviam ignorado o avanço da epidemia e, ao invés de comprarem vacinas e investirem em ações sanitárias, preferiram intervir nos órgãos de fiscalização para impedir a divulgação de dados sobre o avanço da doença.

Foi somente após o caso ser revelado pela TV Cultura que os órgãos federais começaram a tomar medidas para tentar controlar a epidemia.

O assassinato

Refletindo o clima de descontentamento com a ditadura, as eleições parlamentares de 1974 foram marcadas pelo avanço do MDB — o partido da oposição consentida ao regime. Os resultados eleitorais alarmaram os generais, que responderam intensificando a repressão às organizações de esquerda.

Com o PCdoB já desarticulado pelos massacres da Guerrilha do Araguaia, os militares voltaram sua atenção ao PCB. Em janeiro de 1975, Elson Costa e Hiran de Lima Pereira, dois membros do comitê central, foram assassinados. No mês seguinte, o jornalista Jayme Miranda foi morto.

Em abril de 1975, tombou Nestor Vera. Em maio, Itair José Veloso. Em agosto, os militares mataram Alberto Aleixo, José Ferreira de Almeida e Maximino de Andrade Netto. Entre setembro e outubro, foram assassinados Pedro Jerônimo de Souza, José Montenegro de Lima e Orlando Bonfim Júnior.

O assassinato de Herzog fecharia o ciclo de massacres dos militantes do PCB no ano de 1975. O jornalista era especialmente detestado pela cúpula do regime militar, enfurecida com suas críticas e denúncias. Ele se tornaria alvo de uma incisiva campanha persecutória.

O general Ednardo D’Ávila Mello, comandante do II Exército, passou a acusar o governador paulista, Paulo Egydio Martins, de estar dando “guarida a comunistas”, ao passo que o Centro de Informações do Exército (CIE) instaurou uma caçada contra “comunistas infiltrados” nos órgãos da administração pública.

Em São Paulo, os deputados estaduais Wadih Helu e José Maria Marin, ambos pertencentes à ARENA, iniciaram uma campanha contra a gestão de Herzog na TV Cultura.

Em 24 de outubro de 1975, Herzog foi convocado pelos militares para prestar esclarecimentos sobre suas ligações com o PCB. A prisão de Herzog foi uma de dezenas efetuadas pelos agentes da Operação Jacarta, conduzida pelo DOI-CODI — principal órgão de repressão da ditadura.

Durante o interrogatório, Herzog passou por uma tortura brutal. Foi encapuzado, atado a uma cadeira, sufocado com amoníaco, submetido a longas sessões de espancamento e choques elétricos. Ele faleceu no dia seguinte, em 25 de outubro de 1975, aos 38 anos de idade.

Sepultamento e repercussão

A ditadura militar afirmou que Vladimir Herzog havia cometido suicídio, enforcando-se com uma tira de pano em uma janela. As próprias fotografias anexadas ao laudo, entretanto, desmentiam a versão do regime, mostrando o jornalista com as pernas flexionadas tocando o chão — uma posição em que o enforcamento seria muito improvável.

A explicação oficial não convenceu ninguém. Durante o sepultamento no Cemitério Israelita do Butantã, o rabino Henry Sobel recusou-se a seguir os protocolos para suicídio, reconhecendo tacitamente que o jornalista fora assassinado.

Em 31 de outubro de 1975, milhares de pessoas compareceram à Catedral da Sé, no centro de São Paulo, para participar de um ato ecumênico em homenagem a Herzog. A cerimônia, organizada por líderes religiosos como Dom Paulo Evaristo Arns, Henry Sobel e Jaime Wright, converteu-se em uma das maiores manifestações da sociedade civil contra a ditadura militar desde a promulgação do AI-5.

A mobilização em torno do caso Herzog impulsionou o movimento em prol da redemocratização. Jornalistas de diversos veículos começaram a publicar matérias questionando a versão oficial do governo.

A pressão pública resultaria em uma sentença histórica: em outubro de 1978, o juiz Márcio José de Moraes admitiu que Herzog havia sido assassinado e ordenou a responsabilização da União. Foi a primeira decisão do tipo ocorrida no âmbito da justiça comum.

Em 1992, Pedro Antônio Mira Grancieri, um ex-agente do DOI-CODI, admitiu em uma declaração para a revista IstoÉ que havia participado do interrogatório de Herzog no dia de sua morte. Diante da revelação, o Ministério Público solicitou abertura de inquérito para investigar Grancieri, mas o pedido foi rejeitado pela justiça com base na Lei da Anistia.

A causa da morte no atestado de óbito de Herzog foi corrigida em março de 2013, por ordem do Tribunal de Justiça de São Paulo. Em 2018, o governo brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, pela falta de investigação, julgamento e punição dos responsáveis pela morte de Vladimir Herzog.

O jornalista empresta seu nome ao Prêmio Vladimir Herzog, criado pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo e voltado a laurear reportagens que promovam a cidadania e a defesa dos direitos humanos. Em 2009, foi criado o Instituto Vladimir Herzog, uma organização sem fins lucrativos dedicada a preservar a memória de seu patrono.